domingo, 25 de março de 2018

A juventude não existe, mas os jovens sim; e o Papa quer o quê ao convocar um Sínodo?



Jovens em Taizé, em 2015, por ocasião dos 100 anos do irmão Roger 
e dos 75 anos da comunidade (foto reproduzida daqui)

“Deus é jovem, é sempre novo.” O jornalista e escritor Thomas Leoncini lembra, nas primeiras linhas do livro-entrevista Deus é Jovem (ed. Planeta), o instante em que o Papa Francisco pronunciou aquela frase, sentado diante dele na Casa de Santa Marta: “Recordo-me do momento exacto e, com toda a nitidez, do seu olhar trespassado por um centelha, quase como se quisesse, em conjunto com as palavras, transmitir algo de profundo e de libertador ao mesmo tempo.”
O livro foi posto à venda terça-feira passada, dia 20 de Março, poucos dias antes da Jornada Mundial da Juventude, que a Igreja Católica assinala hoje, 25 de Março, Domingo de Ramos e início da Semana Santa no calendário litúrgico.
No curto prefácio da obra, sob o título “Por uma revolução da ternura”, Leoncini defende a ideia de que é necessário encontrar “a força, a determinação, mas também a ternura para criar uma ponte quotidiana entre os jovens e os idosos: com o abraço entre eles a sociedade pode sem dúvida regenerar-se, em benefício de todos quantos ficaram para trás e na direcção de quem o olhar deve seguir de forma constante. A coragem e a sabedoria constituem os ingredientes essenciais da revolução doce e amena de que todos nós necessitamos profundamente.”
No livro, o Papa Francisco afirma que a juventude “não existe”, mas os jovens sim. “Os jovens pedem-nos para ser ouvidos e nós temos o dever de os escutar e de os acolher, não de tirar proveito deles”, afirma. O olhar de Francisco em relação aos jovens é positivo: “Um jovem possui qualquer coisa de profeta, e deve dar-se conta disso. Deve ter consciência de que está dotado das asas de um profeta, da capacidade de profetizar, de dizer mas também de fazer. Um profeta dos dias de hoje tem de facto a capacidade de condenação, mas também de perspectiva. Os jovens possuem estas duas qualidades.”
Preocupado precisamente com a ideia de ouvir os jovens, com o lugar que estes (não) têm no mundo e com a relação deles com Deus e a fé, o Papa convocou uma assembleia do Sínodo dos Bispos, que decorrerá no próximo mês de Outubro, em Roma. Como forma de preparar o documento de trabalho da assembleia,  decorreu nesta semana que terminou, em Roma, uma assembleia de 305 jovens do mundo inteiro. Nela, participaram três jovens portugueses (embora dois deles como representantes dos movimentos em que estão inseridos), apesar de, até hoje, em Portugal, praticamente não se ter falado do inquérito preparatório ou realizado qualquer iniciativa de vulto de preparação do Sínodo.

Uma Igreja mais “transparente”

O documento final da reunião desta semana manifesta o desejo de uma Igreja “transparente, acolhedora, honesta, convidativa, comunicativa, acessível, alegre e interactiva”, que seja “verdadeira” e “credível”, sem medo de ser olhada como “vulnerável”, sincera “em admitir os seus erros passados e presentes, em dizer que é uma Igreja composta por pessoas que são capazes de erros e incompreensões”. O texto acrescenta: “Se a Igreja agir assim, então diferenciar-se-á de outras instituições e autoridades das quais os jovens, na maior parte, já desconfiam”, como se pode ler nesta síntese (ou aqui, em castelhano, no texto integral do documento).

Laphidil Twumasi, uma jovem de origem ganesa a viver em Itália, comentava durante a apresentação do texto final que, apesar das diferenças culturais, as preocupações e sentimentos dos jovens participantes na reunião eram “muito semelhantes”. Laphidil Twumasi integrou a equipa que redigiu o documento final, que considerou “revolucionário”: “Isso reforça a minha opinião de que temos o mesmo objetivo e necessidade. Preocupamo-nos com o progresso da Igreja e da sociedade em geral. E isto mostra que, como disse o Papa Francisco, nós, jovens, não somos estúpidos e que a nossa voz deve ser ouvida e levada em consideração”, acrescentou, citada nesta notícia.
Coincidindo com a assembleia desta semana, foram divulgados os resultados de um estudo sobre Os Jovens Adultos e a Religião na Europa, que inquiriu jovens entre os 16 e os 29 anos e foi promovido pelo Centro Religião e Sociedade Bento XVI. “A percentagem elevada de jovens adultos afirmando não ter nenhuma religião em muitos países é, sem nenhuma dúvida, o facto mais significativo deste relatório”, afirmou Stephen Bullivant, professor de Teologia e de Sociologia das Religiões na Universidade de St. Mary, no Reino Unido, um dos responsáveis do estudo, que teve a colaboração do Institut Catholique de Paris (França).
De acordo com o estudo, 57 por cento dos jovens portugueses identificam-se com alguma religião e, entre estes, 53 por cento dizem-se católicos, enquanto 42 por cento dizem não ter nenhuma religião. “O cristianismo era originalmente muito estranho, e é provavelmente bom para nós sentirmo-nos um pouco estranhos”, comentou Bullivant, citado aqui.
Há seis anos, o sociólogo João Pereira Coutinho fez um inquérito a jovens universitários, cujos resultados concluíam que, entre eles, 25 por cento se declaravam ateus. “Estamos a falar de uma população jovem, universitária, maioritariamente entre os 20 e os 21 anos, em vias de finalização académica. (...) os jovens são cada vez mais os menos religiosos”, explicava Pereira Coutinho, na ocasião.
Um outro inquérito, divulgado ontem mesmo pelo jornal La Croix, em França, diz, ao contrário, que a fé em Deus aumenta entre os jovens adultos daquele país. Há dois anos, o La Croix, a fundação Jean-Rodhain e a Conferência dos Bispos de França promoveram um primeiro barómetro OpinionWay. Agora, por comparação com os resultados de 2016, a fé em Deus aumentou de 46 para 52 por cento; e os que dizem que a existência de Deus se deve totalmente excluir desceu de 23 para 19 por cento (pode ler-se aqui, em francês, um resumo dos resultados, acompanhado de alguns quadros).
Em Espanha, uma outra sondagem, que pretendeu inquirir sobretudo acerca do modo como olham os jovens adultos para o actual pontificado, diz que a grande maioria dos jovens gostaria de tomar uma cerveja com o Papa e estar algum tempo com ele.
Até Outubro, está aberto o debate sobre este planeta colorido de muitas faces: os jovens querem autenticidade e vivem a contradição, procuram um centro e experimentam a ligeireza, sonham com o futuro e prendem-se ao presente, querem interioridade e ficam pelo efémero, buscam Deus e rendem-se ao material, como se tentava descrever neste texto, publicado na revista Além-Mar em 2013, por ocasião da Jornada Mundial da Juventude no Rio de Janeiro, a primeira viagem internacional do Papa Francisco.

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