Imagens do bloco filatélico (em cima) e dos quatro selos da emissão comemorativa dos
50 anos da CIL (imagens seguintes), emitidos pelos Correios na sexta-feira, dia 16
“Quando os
fundadores chegaram, eram as casas de família que acolhiam as suas orações. Até
o grupo se tornar de bom tamanho e conseguir o ambicionado terreno na Praça de
Espanha – onde os primeiros muçulmanos montaram tenda – para erguer a sua
Mesquita. É ali que se juntam hoje os membros da comunidade que aqui nasceu há
50 anos.”
É assim que começa a
história da Comunidade Islâmica de Lisboa (CIL), aqui contada pelo DN de sexta-feira e que é hoje apenas
um dos 51 centros de culto muçulmano existentes em Portugal, entretanto
alargado e diversificado nas suas correntes espirituais e práticas religiosas.
Sexta-feira, dia 16,
tiveram lugar, na Mesquita Central de Lisboa, os principais actos comemorativos
da efeméride, que se prolongaram no sábado, com vários debates sobre diferentes
temas relacionados com a presença do islão na sociedade. Sobre a história e
actualidade da CIL pode ler-se também este texto do Público de sexta-feira.
AbdoolKarim Vakil,
professor de História Portuguesa Contemporânea no King’s College, de Londres, falou,
na sessão de abertura das comemorações, sobre a história da CIL e a sua relação
com o meio século de “profunda mudança da sociedade portuguesa”. A presença da
CIL e do islão em Portugal são simultaneamente “espelho e índice” dessa
mudança, afirmou, referindo os 51 lugares de culto muçulmano que actualmente
existem em Portugal.
Diversidade, espiritualidades
e novas dinâmicas
Defendendo que em
Portugal está “tudo por fazer” no que respeita à documentação, história oral ou
levantamento de lugares importantes para a memória da presença islâmica
contemporânea, Vakil situou três fases no primeiro meio século de existência da
CIL: uma fase colonial, com dois milhões de muçulmanos portugueses, residentes
todos nas ex-colónias; uma segunda fase, que vai dos 500 muçulmanos que havia
em Lisboa, em 1974, até ao início da construção da mesquita, na década de 1980; em 1982 o número chegava aos 15 mil e esta nova realidade demográfica criou a necessidade premente de uma mesquita.
A terceira fase
corresponde à “diversificação e alargamento” da presença muçulmana, com “exilados,
imigrantes laborais, convertidos, refugiados e novas gerações”. Esta
diversificação corresponde também a uma maior diversidade de “correntes de
cultura e espiritualidade islâmica” e introduzem “novas dinâmicas no espaço que
era o da CIL”.
AbdoolKarim Vakil
citou ainda uma afirmação de Eduardo Lourenço para defender que é necessário rever
a história, cultura e mitologia nacional em relação à presença árabe
“completamente rasurada”. E referiu o que considera os dois desafios mais
prementes: o combate à islamofobia, à securitização, aos populismos e às
disparidades sócio-económicas; e a autocrítica que as comunidades muçulmanas
devem fazer internamente, seja nos campos do autofinanciamento, seja na questão
da representação da diversidade.
Ao encerrar a sessão
de abertura, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, condecorou a
CIL com a Ordem da Liberdade, por aquilo que a comunidade representa na defesa
da “liberdade religiosa e da liberdade em geral”, acrescentando que “os valores
humanistas são por natureza os valores do Islão” e apelando a que as futuras
lideranças respeitem “o legado dos seus fundadores”.
Ahmed al-Tayeb: “A
religião é a primeira vítima das guerras”
Os 50 anos da CIL contaram
com a presença do xeque Ahmed al-Tayeb, imã da Universidade de al-Azhar, que concedeu
várias entrevistas à comunicação social portuguesa. Aqui fala sobre a Bíblia e o Alcorão,
nesta aborda as relações da sua universidade com o Vaticano e as questões
colocadas pela guerra na Síria, e aqui pede o
alargamento dos direitos de nacionalidade aos descendentes de muçulmanos expulsos de Portugal.
Numa outra
entrevista a José Manuel Rosendo, na Antena Um, Ahmed al-Tayeb enaltece o
exemplo de Portugal no respeito pela diversidade e critica o individualismo,
dizendo que a humanidade precisa da ética da religião.
Numa conferência,
quinta-feira, dia 15, na Universidade Católica, o imã Ahmed al-Tayeb referiu-se
também a alguns destes temas. Citando o teólogo católico Hans Küng, que hoje
mesmo, dia 19, completa 90 anos. Mesmo sem referir o nome de Küng, al-Tayeb
referiu-se ao seu silogismo: “Não haverá paz no mundo sem paz entre as
religiões e não haverá humanidade sem uma ética mundial.”
Em relação aos
conflitos que têm destruído vários países, al-Tayeb contesta a ideia da causa
religiosa dessas guerras: “A religião é a primeira vítima das guerras, são
causas políticas e sociais que estão na sua origem. E acrescentou que são o
comércio de armas e o conflito entre “duas potências” os grandes responsáveis por
tragédias como as da Síria, do Iémen ou da Líbia. “O coração bate conforme o
comércio e as cotações da bolsa”, afirmou, e as potências encontraram ali “um teatro
de operações para escoamento de armas”.
Na apresentação do
imã, o professor universitário Adel Sidarus referiu o convite pessoal
endereçado pelo imã al-Tayeb ao Papa Francisco, para participar no colóquio
inter-religioso da Universidade de al-Azhar, há um ano.
“Não podemos ler o
Alcorão sem ler a Torah e a Bíblia de Jesus”, disse o xeque egípcio,
acrescentando que “há uma só religião monoteísta, anunciada por Abraão, Moisés,
Jesus e Maomé”. Mas hoje, disse, é preciso “um novo começo” entre as religiões,
que leve as pessoas a “um caminho de misericórdia”.
Guterres: protecção
aos refugiados na tradição árabe pré-islâmica
Também presente na
sessão solene, o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, destacou
o “enorme contributo da CIL para a sociedade portuguesa”, sublinhando depois
que “todas as sociedades do mundo são já ou serão multiétnicas, multiculturais
e multirreligiosas”.
Referindo que em
Portugal já haja também manifestações de racismo, antissemitismo e ódio antimuçulmano,
Guterres acrescentou que noutros países esses comportamentos atingiram já “o centro de decisão política”.
“O extremismo não coincide só com o islão”,
disse ainda António Guterres, pois “é inevitável que alguns distorçam a sua
religião e que haja perversões”. E sublinhou que, enquanto esteve no Alto
Comissariado para os Refugiados, um estudo do ACNUR revelou que as grandes
regras da protecção aos refugiados estavam já presentes na tradição árabe
pré-islâmica.
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