domingo, 25 de março de 2018

Jerusalém: uma cruz para os judeus, um tapete para os cristãos e um talit para os muçulmanos, a fórmula para a paz em Israel


A Cúpula do Rochedo e a Mesquita de Al Aqsa, vistas do Jardim das Oliveiras 
(foto © António Marujo)

No texto da semana passada nas Reflexões Islâmicas, página produzida por Mohamed Yioussuf Adamgy, responsável da revista Al Furqánpode ler-se a tradução, em português, de um artigo de Manuel Ismail Fernández Muñoz, publicado no seu blogue La Taberna del Derviche. Reproduz-se a seguir a versão portuguesa do texto. 

Respondi ao eco do chamamento de Jerusalém, como muitas almas fizeram ao longo dos séculos, para orar aqui e retornar testemunhando que, além de ser a Cidade Sagrada, Jerusalém é um estado de ser.
Aqui pode-se sentir Deus nas entranhas ouvindo cada uma das orações. Pode-se chorar de amor no Muro, prostrado diante da Presença que encheu o espírito na Cúpula da Rocha, ou seguir os passos de Jesus ao longo da Via Dolorosa até chegar ao Santo Sepulcro. Um túmulo vazio porque ele ressuscitou.
Jerusalém é três vezes santa e outras tantas mais para cada um dos peregrinos que chegam aqui, bebem dela e voltam reconfortados. Jerusalém, sem dúvida, é a Casa do Senhor. Um Deus que, no entanto, é tão grande que não cabe em todas as suas igrejas, mesquitas e sinagogas. É por isso que tem que ser compartilhado entre nós.
Agora, que é o momento de partir, sinto-me triste, não porque não tenha sentido Deus derramando-se no meu coração, mas porque vi a ignorância em que meus irmãos e irmãs estão imersos. Bem disse Anthony de Mello que Jerusalém era a cidade onde todos dizem amar a Deus enquanto se odeiam mutuamente até a morte... E, infelizmente, isso também é o que eu encontrei aqui.
Rezando no Túmulo do Jardim, mergulhando nos mistérios que a minha mente esconde e imaginando Jesus caminhando como um jardineiro, por este lugar há séculos atrás, ouvi um capelão dizendo à sua congregação:
- Eu estou hospedado num hotel muçulmano. Certamente que isso é um pecado!
E fiquei muito triste, tanto por aquele homem quanto pelas pessoas que o seguiam, porque não tinham entendido a mensagem de amor de Galileu ou mesmo lido claramente no Evangelho a parábola do Bom Samaritano. Então, pensei, de que os servia vir à Terra Santa, orar nos lugares onde Jesus esteve, se não se esforçavam por fazer o que ele fez? Mas é que a cruz de Jesus pesa muito.
Tentando esquecer o sucedido, algumas horas depois, dirigi-me à Esplanada das Mesquitas e vi que inúmeros polícias palestinos negavam o acesso ao recinto aos não-muçulmanos, e igualmente pensei que esses homens não haviam lido o versículo do Alcorão Sagrado que diz: “É verdade que aqueles que creêm, os judeus, sabeus e cristãos que crêem em Allah e no Último Dia, e agem com rectidão, não terão nada a temer nem se atribularão.” (Surah 5: 69).

E fiquei triste novamente porque o que nos separava era menor do que a espessura de um fio de seda e, no entanto, alguns fazem desse fio um enorme muro que ninguém pode salvar.
Finalmente, caminhando pelo bairro judeu, um garoto ortodoxo chamou a minha atenção para perguntar de onde vinha e se eu tinha antepassados hebraicos. Eu respondi que sim e começamos uma conversa onde, no final, ele me assegurou que a melhor religião era a dele e que os não-judeus não deveriam aproximar-se do Muro. E a minha alma, mais uma vez, ficou triste porque aquele garoto não tinha entendido as palavras do rabi Hillel, que dizia que a Torá podia ser resumida em duas coisas: amar a Deus acima sobre todas as coisas e ao seu próximo como a si mesmo, e que tudo o resto eram notas de rodapé.
Então, uma ideia veio à minha mente. Eu tinha que fazer algo para quebrar essa tendência fratricida... e fiz! Na manhã seguinte, muito cedo, temperei o meu espírito com o sopro do Senhor para que me desse forças e decidi seguir a Via Dolorosa, como cristão, rezando um Pai Nosso em cada uma das suas estações para chegar ao Santo Sepulcro, e mesmo mais adiante, para a Tumba do Jardim. Depois, ao meio dia, fui até à Esplanada das Mesquitas e rezei na Cúpula da Rocha e na Mesquita Al Aqsa, como muçulmano. E, por último, ao entardecer, apresentei-me diante de Deus no Muro das Lamentações, como um judeu, rezando o Shemá Israel. E, naquele momento, sob a lua cheia do mês de Agosto, uma força sobrenatural inundou o meu coração e senti no meu coração que Deus me sorriu e aceitou a minha oferenda.
Uma cruz para os judeus, um tapete para os cristãos e um talit para os muçulmanos é talvez a fórmula da paz em Israel que ninguém quer seguir.


A Cúpula do Rochedo e a Mesquita Al Aqsa, vistas da Igreja de Todas as Nações, 
junto ao Monte das Oliveiras (foto © António Marujo)

E talvez o que eu fiz me custasse a vida se alguns dos fanáticos, que não hesitam em acabar com aquilo que não compreendem, me esperassem algum dia para executarem-me. Mas também pode ter aberto um caminho que ninguém, em todos os anos em que Jerusalém tem estado em pé, jamais fez. Abrir um caminho de amor, de paz e de tolerância. Três religiões, um só Deus, um só coração... bem, talvez fosse isso o que o Senhor esperava de mim.
Agora que estou de volta em casa, sei que sempre permanecerei em Jerusalém, honrando o meu bom Deus para todo o sempre.

Por isso que volto a dizer-te, amigo e amiga, desconhecido, que lês estas palavras, As-Salam Alaikum, Shalom, que a paz esteja contigo. E pela Casa do Senhor, nosso Deus, eu desejo-te todo o bem.

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