sexta-feira, 9 de março de 2018

Mulheres no cristianismo: um ponto de viragem


A irmã Teresa Kotturan (à esquerda), da Federação das Irmãs da Caridade nas Nações Unidas, 
com Shanti Choudhary. Através do apoio de cooperativas fundadas com a ajuda das Irmãs no Nepal, Shanti Choudhary expandiu uma plantação de vegetais, 
o que lhe permitiu encontrar possibilidades de viver dignamente. 
(Foto de Malini Manjoly/Irmãs da Caridade de Nazaré, reproduzida daqui)

Foram muitos os textos publicados a propósito do Dia Internacional da Mulher, que ontem, dia 8 de Março, se assinalou, incluindo sobre a questão do papel das mulheres no interior das religiões – e, em especial, do catolicismo.
Na página da Unisinos, pode ler-se já, em português, a reportagem de Marie-Lucile Kubacki, publicada na revista mensal Donne Chiesa Mondo (Mulheres Igreja Mundo), do jornal L’Osservatore Romano. A reportagem fala dos casso em que muitas religiosas são reduzidas à condição de funcionárias não remuneradas em instituições eclesiásticas ou casas de clérigos. Como a irmã Marie pergunta, na reportagem: “Um eclesiástico pensa que a irmã deva lhe servir a refeição e ficar comendo sozinha na cozinha depois de servi-lo? É normal que uma pessoa consagrada seja servida dessa forma por outra consagrada? E sabendo que as pessoas consagradas destinadas aos serviços domésticos são quase sempre mulheres, religiosas? A nossa consagração não é igual à deles?". (O texto pode ser lido aqui)
Como se assinalava em texto anterior deste blogueestá a crescer o debate sobre o papel das mulheres no interior das comunidades cristãs. No Crux, Claire Giangravè escreve que há sinais de “um ponto de viragem” mesmo no interior do catolicismo, sugeridos pela realização de conferências, debates, reuniões e tratamento do tema em meios de comunicação da própria Igreja.
O texto refere a conferência Vozes da Fé, que esta semana decorre em Roma, onde se ouviu que a Igreja Católica está numa “encruzilhada muito importante” ou, mesmo, a atravessar uma “revolução cultural interna”. “Hoje, a Igreja enfrenta cada vez mais o zelo feminista recém-descoberto no movimento #metoo em todo o mundo, mas também mudanças profundas de dentro”, acrescenta a articulista, num texto que pode ser lido aqui em inglês.
Num outro texto do mesmo jornal digital, John Allen analisa vários contributos na conferência Vozes da Fé, para afirmar que muitas participantes tentam reorientar as estratégias do debate para lá da questão do acesso ao ministério ordenado. “Talvez seja necessário concentrar-se menos no que a Igreja diz ‘não’ e mais sobre aquilo que ele está preparada para dizer ‘sim’, resume o articulista. Na conferência, relata, seis mulheres de diferentes partes do mundo passaram cerca de uma hora sem nunca pronunciar a palavra "sacerdote" – e sem fazer uma alusão indirecta ao debate sobre o sacerdócio. Apesar de, na sua maioria, apoiarem essa reivindicação, consideram que a estratégia deve ser outra, como se pode conferir aqui, no texto em inglês.
Pequenos sinais desse movimento crescente são também o debate que ocorreu em Madrid, a propósito da apresentação do livro Dez Coisas que o Papa Francisco pede às MulheresOu, ainda, o facto de muitas mulheres crentes terem aderido ao movimento de greve no dia 8, como também se refere nesta notícia, citando Silvia Martínez Cano, católica, presidente da Associação de Teólogas Espanholas, e Amparo Sánchez, muçulmana, que dirige a Plataforma contra a Islamofobia.
A teóloga espanhola Isabel Gómez Acebo, autora de vários livros sobre teologia feminista e que chegou a dirigir a colecção En Clave de Mujer (ed. Desclée de Brouwer, 25 títulos publicados) escreve, a propósito do que ainda se passa no interior do catolicismo: “Mas o mais assombroso é que a Igreja Católica, que tem como regra a defesa dos sectores mais desfavorecidos, se mostre relutante em admitir as mulheres nos órgãos de poder. Com isto perde prestígio e não pode defender a palavra dos mais fracos porque os seus opositores lhe dizem que, antes de dar conselhos, arrume a sua casa.”
(Em cima: foto da exposição Por vezes, vê-se. Dói sempre
do fotógrafo David Gama, reproduzida daqui)

Tal como referi no texto já citadoa exegese e a investigação bíblica têm dado um contributo fundamental para o avanço deste debate. Lucetta Scaraffia, directora da revista Donne Chiesa Mondo, explica, numa entrevista à revista francesa Le Monde de la Bible, porque foi eliminado, ao longo de séculos e pouco a pouco, o papel de apóstola de Maria Madalena, sobrepondo-lhe o rosto de pecadora arrependida. “Escolher a imagem da pecadora arrependida permite ocultar a ligação de Jesus às mulheres, de quem, ao contrário, Ele gostava muito. Mesmo aquelas com uma vida ‘irregular’ são sempre muito importantes em todos os Evangelhos. Jesus vê que as mulheres amam mais que os homens, que compreendem melhor do que os homens o amor”, diz a historiadora, numa entrevista que pode ser lida aqui em português.
Na página da Eclesalia, Manuel Bermúdez Trujillo escreve precisamente sobre Jesus e as mulheres: Jesus “relacionava-se igualmente com impuras, viúvas, com posses, ricas, solteiras, casadas, operárias, donas de casa ou pertencentes à corte real. Mulheres em número importante, algumas conhecidas pelo seu nome ou procedência familiar e geográfica foram as únicas do seu grupo que estiveram ao seu lado durante o seu processo, tortura e execução. Mulheres, segundo os evangelistas, foram as que recebera, em primeiro lugar a notícia do maior acontecimento depois da sua morte.” (texto aqui em castelhano)
Não foi só no tempo de Jesus que as mulheres foram importantes na história do cristianismo. Gloria Riva recorda o nome de Hildegarda de Bingen para dizer que fazem falta “pessoas assim: figuras políticas, masculinas e femininas, figuras religiosas capazes de produzir frutos constituídos por factos, não por palavras. Pessoas de escolhas corajosas e contracorrente que voltem aos princípios fundadores de uma existência humana digna desse nome e de uma política que ofereça ao cidadão a garantia da vida, sã no corpo e na mente”. (texto para ler aqui na íntegra)
Pearl Drego, do movimento católico de mulheres Graal, percorre também esse itinerário desde o tempo de Jesus até à actualidade, com as chaves da bondade e da inteirezaE no Avvenire, Luciano Moia debruça-se sobre o sonho do Papa Francisco em ter uma Igreja que, além de pobre, seja também “esposa e mãe”.
Noutro registo, podem ler-se vários trabalhos do Global Sisters Report, que pretende dar a conhecer o compromisso de religiosas católicas em âmbitos de actividade como o ministério pastoral, espiritualidade, ambiente, igualdade, migrações ou tráfico de mulheres e crianças. Num dos últimos textos, referia-se o papel que várias congregações religiosas têm n a promoção de um desenvolvimento que assente na erradicação da pobreza. (aqui, em inglês)

 Foto da exposição Por vezes, vê-se. Dói sempre
do fotógrafo David Gama, reproduzida daqui

Finalmente, não se pode esquecer as tristes realidades em que vivem ainda tantas mulheres. Uma reportagem que vale a pena ler, a propósito de uma exposição fotográfica que pretende retratar a violência contra as mulheres, através das vozes de quem acolhe vítimas dessas situações, foi também ontem publicada pela agência Ecclesia.
E, para recordar que, perante os problemas, deve e podem encontrar-se sempre estratégias de solução, António Guterres explica, neste texto que ontem assinava no Público, como levou à ONU o seu compromisso pessoal por mudar a situação de discriminação a que as mulheres também têm estado sujeitas, mesmo em organizações internacionais. Para ler aqui.

(o texto anterior neste blogue apresenta alguns discos tocados e cantados por mulheres)

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