Sojourner Truth (ilustração reproduzida daqui)
Na história da Páscoa cristã, o Sábado é o dia
das mulheres: Maria de Nazaré guarda, no silêncio, a história de um Filho que a surpreendeu desde o primeiro momento; Maria Madalena e as outras mulheres
aguardam, no silêncio, o cumprimento da promessa daquele que elas seguiam, como
discípulas, “desde a Galileia”, segundo o relato dos evangelhos – o que faz
delas parte integrante do grupo de companheiros de Jesus.
Este texto traz, por isso, as vozes e os
silêncios de várias mulheres. No passado dia 21 de Março, o movimento Nós Somos
Igreja organizou, na Capela do Rato, uma sessão sobre o tema Celebrar a Mulher: Poesia e Prosa a Várias Vozes.
Com o contributo de diferentes pessoas, ouviram-se
textos, poemas e canções de mulheres ou que falam sobre mulheres, propostos, lidos ou cantados por António Carlos Cortez (poeta), Camané
(fadista), Carlos Alberto Moniz (músico e cantautor), Carminho (fadista),
Filipa Vicente (historiadora), Gilda Oswaldo Cruz (pianista e escritora), Jorge
Wemans (jornalista), José Manuel Pureza (professor universitário e deputado),
Luísa Beltrão (escritora), Luísa Ribeiro Ferreira (professora universitária de
filosofia), Margarida Pinto Correia directora na Fundação EDP), Maria Antónia
Palla (jornalista), Nelida Piñon (escritora), Simonetta Luz Afonso (museóloga)
e Vitorino (músico e cantautor).
A gravação
sonora da sessão pode ser escutada aqui.
O percurso de Sojourner Truth, nascida escrava
negra como Isabella Baumfree, foi evocado por Filipa Vicente; pouco depois,
José Manuel Pureza leu o discurso que a antiga escrava fez na Convenção das
Mulheres do Ohio, em Akron (Estados Unidos), em 1851, com o título Não sou eu uma mulher? Um discurso que recusa o silenciamento e convida à intervenção e ao compromisso, perante as perguntas fundamentais. Fica a seguir a
reprodução integral desse texto:
Bem, meus filhos, onde há fumo há certamente
fogo. Eu acho que se os negros do Sul e as mulheres fossem para o Norte, todos
a falar sobre direitos, os homens brancos ficariam certamente em maus lençóis.
Mas afinal de que é que estão todos a falar?
Ali, aquele homem diz que as mulheres precisam de
ajuda para subir às carruagens, para passar as sarjetas e para ter sempre, em
qualquer lado, os melhores lugares. Nunca ninguém me ajuda a subir às
carruagens, a passar por cima dos buracos lamacentos, ou me dá o melhor lugar.
E não sou eu uma mulher?
Olhem para mim! Olhem para os meus braços!
Eu lavrei, eu plantei, eu armazenei, e nenhum
homem me passava à frente. E não sou eu uma mulher? Eu poderia trabalhar tanto
como um homem, e comer tanto (sempre que arranjasse comida) como um homem. E
igualmente suportar o chicote! E não sou eu uma mulher?
Dei à luz treze filhos, e vi a maior parte deles
ser vendida como escravos, e quando chorei as minhas mágoas ninguém, excepto
Jesus, me ouviu! E não sou eu uma mulher? (Ain't
I a woman?)
E então eles falam sobre esta coisa que temos na
cabeça; como é que eles lhe chamam? [um membro da audiência sussurra
“inteligência”] É isso querido. O que é que isso tem a ver com os direitos das
mulheres e os direitos dos negros? Se a minha tigela leva metade da tua, não
será uma maldade da tua parte não me deixares usar a minha meia medida por
inteiro?
E depois aquele homenzinho, ali, vestido de
preto. Ele diz que as mulheres não podem ter tantos direitos como os homens,
porque Cristo não era uma mulher!
De onde é que veio o vosso Cristo? De onde é que
veio o vosso Cristo?
De Deus e de uma mulher! O homem nada teve a ver
com a sua concepção.
Se a primeira mulher que Deus criou teve a força
suficiente para, sozinha, virar o mundo de pernas para o ar, então todas estas
mulheres juntas têm a obrigação de o voltar ao contrário e tornar a colocá-lo
no caminho certo. E agora que elas o pedem, é melhor que os homens as deixem
fazê-lo.
Obrigado por me escutarem. A velha Sojourner nada
mais tem a dizer.
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