Seria forçado dizer
que há uma especificidade feminina de fazer música. Mas, a pretexto da Música no Feminino, iniciativa da ECM, e
do Dia Internacional da Mulher, que [hoje] se assinala, trazem-se aqui algumas
vozes e compositoras que nos cantam “horizontes humanos transcendendo as
fronteiras, idiomas mediterrânicos líricos abertos sobre o universo e a
inteligência de ser, de comunicação mútua”, como escreve a cantora marroquina Amina
Alaoui apresentando o seu Arco Iris.
Um disco que, como a
cantora diz, é uma “geografia poética acariciando o sonho do impossível”, que tende
a “transcrever uma Península Ibérica levada às capacidades do possível”. Apenas
dois exemplos deste espantoso Arco Iris
de muitas cores: a deliciosa versão do Fado
Menor, de António de Sousa Freitas (1921-2004), e uma espantosa criação da
própria Amina com o poema de Santa Teresa d’Ávila: “Nada te perturbe, nada te
espante, tudo passa, só Deus basta.”
Sim, estas mulheres
trazem, por vezes, outras mulheres: Medeia, por exemplo, na obra da grega Eleni
Karaindrou baseada na peça de Eurípides. Celebrando o mito da mulher que
transporta, ao mesmo tempo, o amor e o desejo de vingança que a leva a querer
matar os próprios filhos, a tragédia grega e a obra de Karaindrou revelam
também a mulher estrangeira acossada e a esposa e mãe que se revolta contra a
rejeição de que se considera vítima. E a música leva-nos pelas viagens,
exílios, lamentos, amores, mortes e sonhos, “obsessões” da compositora grega, que
atravessam a história de Medeia. Através dos coros, sonoridades misteriosas e
mediterrânicas, sublinhados e diálogos instrumentais, e continuidades melódicas,
sempre presentes e tão bem resumidos noutra obra incontornável de Karaindrou, o
Concert in Athens.
Numa mulher que
perdeu o filho – Maria de Nazaré – centra-se o disco da norueguesa Sinikka
Langeland. O órgão, o kantele (ou
harpa finlandesa, espécie de cítara), o violoncelo e a voz levam-nos por “um
dos elementos mais distintivos da música folclórica norueguesa”, quase banido
com a Reforma. Um património aqui recuperado, através de canções tradicionais e
peças da autoria de Langeland ou de Bach, todas dedicadas à Virgem, num percurso
onde o exotismo atinge o máximo com o belíssimo hino A sua misericórdia estende-se àqueles que o temem, em que Langeland
recria um andamento do Concerto em D Menor, de Bach, ou o Ave Maria final, uma recriação da BWV 1004.
Títulos, autoras e
intérpretes:
Arco Iris, Amina Alaoui; Medea e Concert in Athens, Eleni Karaindrou; Maria’s Song, Sinikka Langeland; Chants, Hymns and Dances, Anja Lechner e Vassilis Tsabropoulos
Edição: ECM (vendaspt@distrijazz)
(Texto reproduzido da
revista Além-Mar, Março 2018)
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