(P. Vítor Gonçalves)
“Contaram tudo o que Deus
fizera com eles e como abrira aos gentios a porta da fé."
(Actos dos Apóstolos 14,
27 – Domingo V da Páscoa, ano C)
Meu caro São Paulo
Escrever ao grande
escritor das cartas que escutamos todos os domingos é de um enorme atrevimento.
E fazê-lo publicamente nas páginas de um jornal e nos écrans de incontáveis
computadores, ainda mais. Mas não resisti à tentação e imagino o teu espanto
perante os meios admiráveis de comunicação que hoje temos. É verdade que as
cartas passaram um bocado de moda; hoje é tudo mais instantâneo: mal pensamos
(às vezes nem se pensou!), logo digitamos e, à velocidade da luz, alguém no
outro lado do mundo recebe a mensagem. “Estar
ligado” parece ser uma necessidade básica, e nem imaginas a quantas redes
sociais se pode pertencer, e como as crianças (com a bênção dos pais e o
empenho/proveito das empresas) são os seus mais ávidos consumidores. Para quê
escrever cartas se “tudo é partilhado” assim que acontece?
Conhecer-te pelo que
conta São Lucas nos Actos e pelas tuas próprias palavras tem sido uma deliciosa
aventura. Os meus primeiros anos no Seminário de São Paulo e a tua escolha para
padroeiro do nosso curso uniu-nos ainda mais. E gosto muito de lembrar que a
tradição diz que eras pequeno de estatura, quase fazendo justiça ao teu nome
romano (paulus=homem pequeno). Podes ter sido pequeno de estatura, mas a tua
grandeza manifestou-se no encontro com Cristo e na vida que colocaste ao
serviço do Evangelho. Que ardor e que entusiasmo em dar a conhecer ao mundo
inteiro a pessoa de Jesus Cristo e o amor que trazia para todos. “A propósito e
a despropósito”, em todas as circunstâncias, anunciando o “Deus desconhecido”
aos gregos, sendo “tudo para todos”, estabelecendo comunidades, ensinando e
cultivando a amizade neste diálogo à distância que as cartas proporcionavam, o
que não fizeste pelo Evangelho?
Fico sem palavras diante
de tantos temas que gostaria de falar contigo. Imagino os teus longos diálogos
com Jesus, e com as comunidades, a imaginar e a sonhar os caminhos da Boa Nova.
Deixaste-nos os nomes próprios de mais de 40 colaboradores teus (um terço dos
quais mulheres, embora aquelas tuas palavras sobre a submissão delas aos
maridos tenham dado azo a tantas interpretações horrososas!). Como ajudar as
comunidades a ser à maneira de Jesus, a servir e dar a vida em vez de se
fecharem, a viver a caridade em vez de cultivar orgulho e poder? Como
testemunhar Jesus ressuscitado e a dignidade de cada pessoa no meio da
escravidão e da devassidão moral do império romano? Como celebrar a fé sem
esquecer o compromisso pelos mais pobres e a luta pela justiça? Como…? tantas
perguntas a que procuraste responder e que nos estimulam a fazer hoje as
nossas. Mas será que as fazemos? Porque é sempre fundamental perguntar ao
Espírito Santo (que fala de tantas maneiras e em tantas pessoas) pelos melhores
caminhos. Ele nunca deixará de nos surpreender, não é, caro São Paulo?
Acabam-se as linhas disponíveis
para este diálogo. Mas ele continua em pensamento. E porque disseste aos
Coríntios que somos uma “carta de Cristo,
(…) escrita não com tinta mas com o Espírito do Deus vivo” vamos
respondendo às tuas com as páginas da nossa vida, da Igreja sempre em
construção, do amor de Jesus que procuramos irradiar. Obrigado pelas tuas
cartas. Estão sempre a interpelar-nos. E a desinstalar-nos porque “o amor de
Cristo é urgente”!
Até domingo!
(texto publicado no jornal Voz da Verdade do dia 28.Abril.2013)
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