Crónica – À procura da
Palavra
(P. Vítor Gonçalves)
" As minhas ovelhas
escutam a minha voz."
(Evangelho de João 10, 27
– Domingo IV da Páscoa, Ano C)
Jesus Bom Pastor.
É grande a ousadia de me aventurar a “balir” estas
palavras, quando escutar a Tua voz (que algumas vezes confundo com outras) é
substancialmente melhor. Mas nesta Páscoa ando a correr o risco epistolar e o
perigo será perder-me em divagações e lá terás que vir à minha procura por
entre os espinhos e rochedos. Quantos pastores conheceste que deixavam o
rebanho para procurar uma ovelha perdida? Alguns, certamente, e quiseste
colocar nessa imagem todo o cuidado de Deus pelo povo de Israel e por cada um
de nós. Como me encanta pensar na Tua alegria de trazeres aos ombros a ovelha
perdida que, também algumas vezes, sou eu!
É verdade que esta imagem e a simbologia do pastor e do
rebanho tinham uma força maior no Teu tempo e numa cultura agrícola. Em muitas
terras do interior do nosso país era pastor quem não tinha cabeça para mais
nada! Claro que ninguém conhecia cada ovelha melhor do que ele, e muitas eram
as ocasiões de proteger e cuidar das mais frágeis. Mas de alguma má fama também
não se livravam (e isso também já acontecia em Israel). Por outro lado, a
imagem de ovelhinha mansa, que faz tudo o que lhe dizem numa espécie de
obediência cega, por medo ou por falta de iniciativa, e que anda em
“carneirada” também sempre me incomodou. Já estás a ver porque é que me chamei
“ranhosa”! É que escutar a Tua voz leva a diálogos que nunca mais acabam,
conversas que abrem novos horizontes, e entrar na intimidade que vives com Pai
e o Espírito Santo. Só assim entendo que seguir-Te é levar tudo o que sou,
dúvidas e medos, “ranhosises” e irreverências, entusiasmo e confiança, e desejo
de concretizar o Teu projecto de amor.
Muitas das qualidades do bom pastor gosto de
reconhecê-las em inúmeras situações em que somos responsáveis por outros. Os
bons pais estão em primeiro lugar, por tanto amor que geram, ainda que algumas
vezes tenham dificuldade em responsabilizar e autonomizar os filhos. Quantos
bons professores ambém conheces, capazes de ajudar a construir (e a
reconstruir) crianças e jovens que outros abandonam ou deles desistem? E os
bons treinadores, que pelo desporto, formam pessoas com carácter e grandeza,
ainda que o dinheiro e a fama sejam tão aliciantes? Bons políticos, capazes de
abraçar a justiça e a honestidade, renunciando ao egoísmo e ao partidarismo
para promover o bem comum; bons empresários que sabem valorizar o trabalho e a
dignidade de cada pessoa e não põem o lucro individual acima da justa
retribuição dos bens; bons jornalistas que promovem a verdade e criam comunhão
e corresponsabilidade; bons amigos que não deixam de estar presentes e nos
abrem os olhos e o coração para o amor. Quantas forem as actividades humanas,
em todas poderemos aplicar este ser “bom”, que é muito mais do que ser “o
melhor”. Significa participar da bondade do Bem que Deus é e Tu nos revelas em
profundidade! A do amor até ao fim da cruz!
Como mudaria a vida de cada um e do mundo se
aprendêssemos ainda mais contigo esta bondade! E se a vivêssemos melhor em
Igreja, quanta felicidade não espalharíamos?! Que bom saber que não desistes de
nós, e ainda que sejamos “ranhosos”, não nos deixas sós diante do medo e do
mal.
Obrigado por me escutares. E pelas Tuas palavras cheias
de vida!
E cá vou conTigo, Bom Pastor Jesus!
(texto
publicado na edição de 21 de Abril do jornal Voz da Verdade; ilustração: Ilda
David’, in A Bíblia Ilustrada, ed. Círculo de Leitores/Assírio & Alvim)
Fernando
Calado Rodrigues escreveu também a pretexto do mesmo tema do Bom Pastor, no
Correio da Manhã de sexta; no DN deste sábado, Anselmo Borges escreve sobre “As leis fundamentais da estupidez humana".
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