Crónica – À procura da
Palavra
(P. Vítor Gonçalves)
" Simão, filho de
João, tu amas-Me?"
(Evangelho de João 21, 17 - Domingo III da
Páscoa)
Caríssimo Simão Pedro
Perdoa-me esta franqueza
de me dirigir a ti, o príncipe dos Apóstolos, como se fôssemos amigos de longa
data. Mas eu, pelo menos, sinto-me assim, porque desde o meu grupo de jovens, em
que Jesus e os seus amigos se tornaram vivos e presentes, tu sempre me
encantaste. E quando te vejo nas imagens das nossas igrejas gosto de te
imaginar com um olhar mais vivo e um entusiasmo mais apaixonado.
Vim para o pé do mar,
aqui em Carcavelos, que é bem mais agitado do que o teu querido Mar da
Galileia. Onde primeiro Jesus te cativou e depois te confirmou. Percebeste que
Jesus sabia mais de pesca do que tu, e daquela pesca que se chama salvação,
libertação do mal para que os homens sejam felizes. Também tu foste pescado e
as tuas respostas de amor curaram os “nãos” das trevas da paixão. Ah!, se
aprendêssemos contigo a dar mais importância ao amor do que às faltas, e a
acreditar que o amor salva enquanto a condenação mata!
Somos tão parecidos
contigo. Convencidos das próprias forças e ousados nas certezas, mas depois,
frágeis e incoerentes na hora da verdade. Gosto da primeira resposta que deste
a Jesus: “andámos a pescar toda a noite e não apanhámos nada, mas porque o
dizes lançarei as redes!”. É preciso humildade para saber tanto de pesca e
ainda assim abrir a mente e o coração a um conhecimento maior. Diante da
abundância de peixes revelaste essa humildade: “afasta-te de mim, Senhor,
que sou pecador.” Começavas a descobrir que o amor de Deus é infinitamente
maior que os nossos pecados. E como é triste quem ainda julga e propaga o
contrário.
Às vezes sinto inveja de
teres estado tão perto de Jesus. A recebê-l'O em tua casa, a subir ao Tabor, a
responder a muitas das suas perguntas, a ir ao seu encontro caminhando sobre as
águas, a viver as suas alegrias e as suas dores. Essa foi e será sempre a
melhor escola para ser cristão: andar com Jesus. E porque Jesus nunca anda
sozinho, andar com os outros! Imagino que não terão sido fáceis os primeiros
tempos da igreja a crescer. Quantas vezes terás sentido que era uma obra grande
demais para um pescador da Galileia? E como gerir as tensões e as diferenças
dentro das comunidades? Foi grande a tentação de ficar seguros no ritualismo
judaico, não foi? E como integrar aquela universalidade que Paulo de Tarso
difundia e fazia tantos abraçar Jesus como Salvador? Fidelidade à tradição mas,
sobretudo, coragem para acolher a novidade do Espírito Santo devem ter enchido
a tua vida! E deste-a também por Jesus, como Ele te tinha dito junto ao lago.
Todos temos muito a
aprender contigo. Mas nestes primeiros dias do Papa Francisco, quero muito
pedir-te que o acompanhes e inspires. Que ele possa ser autêntico e corajoso a
propôr-nos a vida com Cristo. Que ele encontre as melhores ajudas no serviço
curial que tens visto crescer na tua Roma (alguma vez imaginaste Sagradas
Congregações ou Tribunais Eclesiásticos?). Que possa promover a escuta mútua e
o diálogo, a corresponsabilidade, a alegria de servir, o gosto de perdoar, a
coragem de amar. Que não se sinta sozinho nem deixe que o enredem em tradições
"douradas" mas nada evangélicas. Ajuda-o a não "romanizar"
a Igreja, que vive e cresce em tantos lugares onde o Espírito Santo continua a
levar Jesus ao coração de todos, pois a unidade é a comunhão nas diferenças.
Sei que posso contar contigo.
Querido Simão Pedro, dá
um grande abraço a Jesus, e a todos do céu que conheço e tanto amo. Obrigado
pelo teu tempo!
(texto publicado na edição de 14 de Abril do jornal Voz da Verdade; ilustração reproduzida daqui)
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