terça-feira, 2 de abril de 2013

Perspectivas sobre o novo pontificado (1) – Uma Páscoa para a liberdade e a vida


Há já vários sinais, muitos sinais, do que pretende o Papa Francisco para o seu pontificado: uma Igreja mais despojada, uma Igreja à escuta do mundo, uma Igreja tolerante e respeitadora da diferença, por exemplo. No Domingo de Páscoa, na sua primeira bênção pascal urbi et orbi, ele deu mais um sinal, quando se referiu ao significado do dia:Eis o que é a Páscoa: é o êxodo, a passagem do homem da escravidão do pecado, do mal, à liberdade do amor, do bem. Porque Deus é vida, somente vida, e a sua glória somos nós: o homem vivo [cf. Ireneu, Adversus haereses (Contra os Hereges) 4, 20, 5-7].”
Liberdade, amor, bem, vida. Quatro palavras de múltiplos significados mas que, lidas em conjunto com o que têm sido os primeiros gestos, discursos e rupturas (sim, que também as há: os sapatos são um pormenor, mas são um pormenor que diz muito; o lava-pés a duas raparigas, quando a tradição diz que deveriam ser apenas homens, não é apenas uma diferença de pormenor), trazem de novo à evidência um programa de afirmação de uma Igreja mais próxima das pessoas, na defesa da liberdade e do bem.
Aliás, só assim se pode ler o que o Papa afirmou em seguida e que, mais à frente, o levaria a referir a “maior escravatura" do século XXI: “A força da Ressurreição, esta passagem da escravidão do mal à liberdade do bem, deve realizar-se em todos os tempos, nos espaços concretos da nossa existência, na nossa vida de cada dia. Quantos desertos tem o ser humano de atravessar ainda hoje! Sobretudo o deserto que existe dentro dele, quando falta o amor de Deus e ao próximo, quando falta a consciência de ser guardião de tudo o que o Criador nos deu e continua a dar. Mas a misericórdia de Deus pode fazer florir mesmo a terra mais árida, pode devolver a vida aos ossos ressequidos (cf. Ez 37, 1-14).”
Depois de desejar que essa misericórdia seja o canal através do qual “Deus possa irrigar a terra, guardar a criação inteira e fazer florir a justiça e a paz” e “mudar o ódio em amor, a vingança em perdão, a guerra em paz”, e depois de implorar a paz para as regiões do mundo martirizadas pela guerra (Médio Oriente, África central, península coreana), o Papa acrescentou a referência aos que procuram “lucros fáceis” e ao que considerou “a maior escravatura neste século XXI”: “Paz para o mundo inteiro, ainda tão dividido pela ganância de quem procura lucros fáceis, ferido pelo egoísmo que ameaça a vida humana e a família – um egoísmo que faz continuar o tráfico de pessoas, a maior escravatura neste século vinte e um. O tráfico de pessoas é realmente a maior escravatura neste século vinte e um! Paz para todo o mundo dilacerado pela violência ligada ao narcotráfico e por uma iníqua exploração dos recursos naturais. Paz para esta nossa Terra! Jesus ressuscitado leve conforto a quem é vítima das calamidades naturais e nos torne guardiões responsáveis da criação.”
Duas notas finais: a repetição da ideia de que o tráfico de pessoas é “a maior escravatura” neste século XXI (a tradução de “escravatura mais extensa” que aparece no sítio do Vaticano na internet não será a mais rigorosa); e a insistente referência do Papa, em diversos discursos, ao cuidado da criação.
Se ainda estamos todos à procura de pistas para este pontificado, ficam aqui mais estas. E a promessa de que, durante os próximos dias, iremos publicar neste blogue depoimentos de um encontro realizado na semana passada, em Lisboa, acerca do novo Papa.

(Ilustração: Marc Chagall, Canção, copiada daqui)

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