Há
já vários sinais, muitos sinais, do que pretende o Papa Francisco para o seu
pontificado: uma Igreja mais despojada, uma Igreja à escuta do mundo, uma
Igreja tolerante e respeitadora da diferença, por exemplo. No Domingo de
Páscoa, na sua primeira bênção pascal urbi et orbi, ele deu mais um sinal,
quando se referiu ao significado do dia: “Eis
o que é a Páscoa: é o êxodo, a passagem do homem da escravidão do pecado, do
mal, à liberdade do amor, do bem. Porque Deus é vida, somente vida, e a sua glória
somos nós: o homem vivo [cf. Ireneu, Adversus
haereses (Contra os Hereges) 4, 20, 5-7].”
Liberdade, amor, bem, vida. Quatro palavras de múltiplos
significados mas que, lidas em conjunto com o que têm sido os primeiros gestos,
discursos e rupturas (sim, que também as há: os sapatos são um pormenor, mas
são um pormenor que diz muito; o lava-pés a duas raparigas, quando a tradição
diz que deveriam ser apenas homens, não é apenas uma diferença de pormenor), trazem
de novo à evidência um programa de afirmação de uma Igreja mais próxima das
pessoas, na defesa da liberdade e do bem.
Aliás, só assim se pode ler o que o Papa afirmou em seguida e que,
mais à frente, o levaria a referir a “maior escravatura" do século XXI: “A força
da Ressurreição, esta passagem da escravidão do mal à liberdade do bem, deve
realizar-se em todos os tempos, nos espaços concretos da nossa existência, na
nossa vida de cada dia. Quantos desertos tem o ser humano de atravessar ainda
hoje! Sobretudo o deserto que existe dentro dele, quando falta o amor de Deus e
ao próximo, quando falta a consciência de ser guardião de tudo o que o Criador
nos deu e continua a dar. Mas a misericórdia de Deus pode fazer florir mesmo a
terra mais árida, pode devolver a vida aos ossos ressequidos (cf. Ez 37, 1-14).”
Depois de desejar que essa misericórdia seja o canal através do
qual “Deus possa irrigar a terra, guardar a criação inteira e fazer florir a
justiça e a paz” e “mudar o ódio em amor, a vingança em perdão, a guerra em paz”,
e depois de implorar a paz para as regiões do mundo martirizadas pela guerra
(Médio Oriente, África central, península coreana), o Papa acrescentou a
referência aos que procuram “lucros fáceis” e ao que considerou “a maior escravatura
neste século XXI”: “Paz para o mundo inteiro, ainda tão dividido pela ganância
de quem procura lucros fáceis, ferido pelo egoísmo que ameaça a vida humana e a
família – um egoísmo que faz continuar o tráfico de pessoas, a maior escravatura
neste século vinte e um. O tráfico de pessoas é realmente a maior escravatura
neste século vinte e um! Paz para todo o mundo dilacerado pela violência ligada
ao narcotráfico e por uma iníqua exploração dos recursos naturais. Paz para
esta nossa Terra! Jesus ressuscitado leve conforto a quem é vítima das
calamidades naturais e nos torne guardiões responsáveis da criação.”
Duas notas finais: a repetição da ideia de que o tráfico de
pessoas é “a maior escravatura” neste século XXI (a tradução de “escravatura
mais extensa” que aparece no sítio do Vaticano na internet não será a mais
rigorosa); e a insistente referência do Papa, em diversos discursos, ao cuidado
da criação.
Se ainda estamos todos à procura de pistas para este pontificado,
ficam aqui mais estas. E a promessa de que, durante os próximos dias, iremos
publicar neste blogue depoimentos de um encontro realizado na semana passada,
em Lisboa, acerca do novo Papa.
(Ilustração: Marc Chagall, Canção, copiada daqui)
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