Crónica
Lembro-me de uma história engraçada que ouvi contar à pintora
Lourdes de Castro. Quando em certos dias o telefone tocava repetidamente, e os
prazos apertavam e tudo, de repente, pedia uma velocidade maior do que aquela
que é sensato dar, ela e o Manuel Zimbro, seu marido, começavam a andar
teatralmente em câmara lenta pelo espaço da casa. E divergindo dessa forma com
a aceleração, riam-se, ganhavam tempo e distanciamento crítico, buscavam outros
modos, voltavam a sentir-se próximos, refaziam-se.
Mesmo se a lentidão perdeu o estatuto nas nossas sociedades
modernas e ocidentais, ela continua a ser um antídoto contra a rasura
normalizadora. A lentidão ensaia uma fuga ao quadriculado; ousa transcender o
meramente funcional e utilitário; escolhe mais vezes conviver com a vida
silenciosa; anota os pequenos tráficos de sentido, as trocas de sabor e as suas
fascinantes minúcias, o manuseamento diversificado e tão íntimo que pode ter
luz.
(José Tolentino Mendonça na
Revista/Expresso de 25.Maio.2013; texto integral disponível aqui; ilustração: obra de Lourdes Castro na Capela do Rato, em Lisboa, reproduzida daqui).
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