“Dessa caverna, que era uma fornalha de
luminosa gratidão e humildade, saiu uma das mais fortes, das mais estranhas e
das mais originais personalidades que a história humana jamais conheceu.
Francisco era, entre outras coisas, enfaticamente aquilo a que chamamos uma
personalidade – era quase uma personagem de romance ou de teatro…”
É deste modo
que Gilbert Keith Chesterton fala de São Francisco de Assis, no livro cuja
tradução portuguesa é hoje apresentada em Lisboa (ed. Alêtheia). A sessão, que conta com a participação do
padre Vítor Melícias, realiza-se às 18h30, na livraria da editora – R. do Século, 13 (um lugar onde
vale a pena ir pelos livros, mas também por ter sido, em tempos, uma padaria,
cujos vestígios ainda podem ser admirados).
Sobre São Francisco, acrescentava G. K. Chesterton: “O nosso santo não era apenas um humanista,
era também um humorista, em especial naquele sentido em que se fala de um homem
que se deixa conduzir pelo seu humor, que segue o seu caminho e faz coisas que
mais ninguém se lembraria de fazer.”
O itinerário
de Francisco de Assis, diz ainda o autor, era o muito “à frente do seu tempo”,
com um norte bem definido: “Haveria muito a dizer sobre o homem que tentou acabar
com as Cruzadas, falando com os sarracenos, ou que intercedeu pelos pássaros junto
do Imperador. Ou posso tentar fazê-lo, como outros fizeram, quase sem levantar
qualquer questão religiosa. Em suma, posso tentar contar a história de um santo
sem Deus, o que é como escrever a vida de Fridtjof Nansen (explorador norueguês
que chegou primeiro à Gronelândia) e estar proibido de mencionar o Polo Norte.”
Chesterton
descreve assim a vida do “Poverello”: “É provável que vivesse pior que os pedintes
vulgares; porque os pedintes comiam o melhor que conseguiam arranjar e o santo
comia o pior que conseguia arranjar. A verdade é que ele estava disposto a
viver dos restos dos outros; e, como experiência, era certamente bastante pior
que a refinada simplicidade a que os vegetarianos chamam uma vida simples. E,
ao que parece, Francisco lidava com a questão do vestuário da mesma maneira que
lidava com a questão da comida; ou seja, com base no mesmo princípio de ficar com
o que arranjava, e nem sequer com o melhor que conseguia arranjar.”
G.
K. Chesterton (1874-1936) foi escritor, poeta, narrador, ensaísta, jornalista,
historiador, biógrafo, filósofo, desenhista e conferencista britânico. Vários
dos seus livros (O Homem Eterno, Ortodoxia, Tremendas Trivialidades, A
Inocência do Padre Brown, O Homem que
era Quinta-Feira, Disparates do Mundo
e a biografia de São Tomás de Aquino
foram já editados pela Alêtheia. A Diel publicou também a sua Autobiografia e, na colecção Teofanias,
da Assírio & Alvim, foi igualmente publicado um volume com Os Melhores Contos do Padre Brown, a
figura de detective improvável criada pelo escritor.
Convertido ao catolicismo em 1922, quase com 50 anos,
Chesterton manteve um percurso muito pessoal. Como definia Pedro Mexia no Expresso (6/Abril/2012):
“Atacou os ideólogos a que chamou ‘Heréticos’ (1905) e defendeu afincadamente a
‘Ortodoxia’ (1908); segundo disse, a única heresia realmente imperdoável era a
ortodoxia’. Não se tratava porem de um ‘reaccionário’ típico. Chesterton foi um
socialista reticente, passou pelo espiritismo, votava nos Liberais, defendeu os
Boers e a independência da Irlanda, desconfiava da ideia de Império, detestava
o capitalismo e mais facilmente se irritava com um tory do que com um
comunista.”
Na sua Autobiografia, publicada em 1936, pouco
antes de morrer, escreveu Chesterton: “Desde o princípio, o meu instinto da
justiça, da liberdade e da igualdade era um pouco diferente daquele que é
corrente hoje em dia; diferente também de todas as tendências para a concentração
e para a generalização. O mesmo instinto que me levou a defender a liberdade
das nações pequenas e das famílias pobres; quer dizer, a defender os direitos
do homem, incluindo o direito de propriedade, mas sobretudo a propriedade dos
pobres. Eu não compreendia lá muito bem o que eu próprio entendia por
liberdade, até que ouvi chamá-la por outro nome, o de dignidade humana. O nome
era novo para mim, conquanto fizesse parte de uma velha crença, velha de mais
de dois mil anos.”
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