O jornalista e investigador em
Ciência das Religiões Joaquim Franco, um dos autores deste blogue, venceu
o Prémio “Consciência e Liberdade 2013”, atribuído pela Associação
Internacional para a Defesa da Liberdade Religiosa (AIDLR) a trabalhos sobre a
liberdade religiosa na lusofonia”. O júri considerou que o ensaio, intitulado Da
liberdade religiosa à urgência do diálogo – a experiência contemporânea,
faz uma “reflexão fundamentada e original sobre a importância do fenómeno
religioso no mundo contemporâneo”. A cerimónia de entrega do prémio realizou-se
na Universidade Lusófona, em Lisboa, no dia 28 de Maio. Excertos da intervenção
do premiado:
(...) [Na comunicação social, o fenómeno religioso] Merece ter gente
preocupada com a especialização e o aprofundamento, o conhecimento e a
actualização, como acontece noutras áreas. Não apenas para a tão necessária e
difícil descodificação das linguagens e dos contextos, mas para o seu real
enquadramento na dimensão humana.
De facto, alguns acontecimentos só ganham relevância com ampliação
mediática. Mas há também quem aproveite a lógica da comunicação global para dar
a determinado acontecimento a relevância que, na realidade, não tem.
Foram os casos das “caricaturas” de Maomé em 2005 publicadas num jornal dinamarquês e replicadas por outras publicações, ou
de um excerto do discurso do papa Bento XVI na Universidade de Ratisbona, um
ano depois. (...)
Os muçulmanos na Europa estão entre um indisfarçado preconceito nas ruas
e o radicalismo contagioso que persiste nas comunidades. Por um lado, são
pressionados a revelar lealdade para com a cultura ocidental, provando que a
religião islâmica é pacífica. Por outro, são vítimas da incompreensão e dos
estereótipos que alimentam os radicais de uma tradição bélica e hegemónica. O
problema tem uma caracterização cultural, com uma “confrontação” entre
tradições e comportamentos também de influência religiosa.
Multiplicam-se as vozes que sustentam a tese de uma islamização em
curso, resultado de uma atitude política passiva por parte da Europa. Ao não o
enfrentarem com um debate sério e medidas concretas, os poderes públicos e
políticos abrem espaço a medos desnecessários e manipuláveis.
A pressão sobre as democracias é cada vez maior, agravada por uma
recessão económica. Definitivamente, a Europa anda assustada. E o binómio
imigração/religião tem sido manipulável. Perigosamente manipulável.
Por outro lado, há cada vez mais sinais de uma rejeição do património
religioso que constitui a memória da Europa, excluindo a simbologia religiosa
do espaço público e, por consequência, remetendo-a para o privado.
Estamos diante de novas formas de fundamentalismo anti-religioso, sob o
pretexto de que a religião é motivo e fonte de discórdias, sem se admitir o
potencial espiritual, relacional e comunitário das plataformas religiosas.
(...)
Este tempo testemunha as primeiras gerações na Europa sem referências
culturais religiosas, com a maioria dos comunicadores impreparados para
compreender e descodificar o fenómeno religioso. E os protagonistas religiosos
não conseguem – não terão como –, sintonizar-se com a assertividade e
ultra-sintetização da linguagem mediática, recorrendo, muitas vezes, a clichés
simplificados e pouco esclarecedores da complexidade religiosa.
Sendo o fenómeno religioso – entenda-se aqui num contexto alargado de
fé, devoção e espiritualidade –, parte integrante e inseparável da identidade
colectiva e individual, deixa marcas nas estruturas, formas e conteúdos de
relação e pertença. Não só para os crentes, mas para o todo cultural que não
pode ler-se sem esta dimensão - chamemos-lhe religiosa –, co-construtora e
co-responsável pelos códigos de compreensão, sobretudo éticos, que nos
trouxeram até aqui. (...)
Só depois de longos anos de estudo sobre a sua própria religião –
cristianismo –, Hans Kung encontrou os fundamentos teológicos para
o que chama ethos mundial ou global, um “entendimento universal entre as religiões que deve
ser ethos comum da humanidade, mas um ethos que não
deverá substituir a religião – como às vezes se tem pensado” de forma errada.
Todos reparamos que, em ambiente de encontro, as religiões sustentam a
crítica à utilização da religião para fazer a guerra. Valoriza-se a paz e a
justiça. No actual contexto global, os valores religiosos e espirituais
apresentam-se como prioritários e realçam a inevitabilidade da liberdade
religiosa na defesa do “bem comum”.
Com o sofrimento e a injustiça no centro das reflexões, a promoção da
paz e a defesa da “criação” como meta comum, as próprias estruturas religiosas
podem reforçar uma ética culturalmente transversal, com consequências nos
compromissos políticos e sociais na plataforma global.
Mas para tal, há que assumir a prioridade de derrubar barreiras, atenuar
o desconhecido que agudiza medos, quebrar mitos mediáticos e construir
confiança. Numa palavra… diálogo. Estabelecer pontes de diálogo. Com crentes e
não crentes, absorvidos pela universalidade de uma ética emancipada, que, não
sendo um valor absoluto ou exclusivamente religioso, é absolutamente carente de
diálogo, em liberdade, sem prejuízo da observação preventiva e da crítica
construtiva que assegura a convivência entre a fé e a razão.
Este é o percurso circular da reflexão: Da liberdade religiosa à urgência
do diálogo que, por sua vez, garante a própria liberdade. (...)
(Foto: uma sala de meditação num centro comercial de Londres)
Sem comentários:
Enviar um comentário