Crónica - À procura da Palavra
"O Espírito Santo e
nós decidimos não vos impor mais
nenhuma obrigação."
(Actos dos Apóstolos 15, 28 - Domingo VI da Páscoa, ano C)
Caríssimo Lucas
Saúdo-te como saudaste
Teófilo, o destinatário do Evangelho e dos Actos que escreveste. Seria um
verdadeiro “amigo de Deus”, de carne e osso, e teu amigo também, ou pensavas já
em nós que, ao longo dos tempos, iríamos saborear a obra que nos deixaste? E
que muitos, como eu próprio, iríamos começar a conhecer Jesus pela leitura do
teu evangelho? O certo é que o teu olhar
sobre Jesus Salvador, com a particular predilecção pelos mais pequeninos, a sensibilidade
aos pormenores, a insistência na misericórdia de Deus que Jesus oferece, o
lugar das mulheres e dos estrangeiros, as narrações tão vivas da infância de
Jesus e o lugar materno de Maria são alguns aspectos que te caracterizam. E que
alegria escrever-te neste Dia que dedicamos às mães!
Santo Ireneu e outros
Padres da Igreja afirmam que eras médico (a atenção com que narras como Jesus
suou sangue na agonia, parece revelá-lo). São Paulo apresenta-te como um
companheiro da sua missão e fala de ti em três cartas. Apetece tanto
perguntar-te: Escutaste os relatos da infância de Jesus pela voz de Maria, sua
mãe? Como foste sensível às parábolas que só tu contas: o bom samaritano, o
filho pródigo, o fariseu e o publicano? E como dizer-te o encanto de ouvir o
relato dos discípulos de Emaús? Talvez as tuas raízes interiores de cuidar e
curar as pessoas tenham marcado a sensibilidade aos gestos de cura e salvação
que Jesus realizou e às palavras de libertação e de misericórdia que enchiam de
alegria os mais sofredores e abandonados. Essa presença da misericórdia de Deus
em Jesus e o seu desejo que os discípulos a aprendessem e transmitissem é uma
constante quando lemos o teu evangelho. Uma misericórdia que é universal, que
se dirige a todos (por isso deves ter gostado tanto de andar com São Paulo a
levar Jesus para lá das fronteiras do Judaísmo), e que transforma a vida
daqueles que acolhem Jesus.
Queria agradecer-te
também por nos teres escrito os Actos dos Apóstolos. E por não lhe teres posto
um final pois, como certamente já acreditavas, este é o livro que os cristãos
continuamos a escrever. Um livro de páginas luminosas e outras bem
esborratadas, mas um livro que continua a ser obra nossa e do Espírito Santo,
em que aprendemos tanto sempre que o escutamos, mas também o enriquecemos com os
mil e um modos de reconhecer e testemunhar Jesus vivo no mundo. A Igreja como
obra em construção compromete-nos a viver mais profundamente a nossa fé e a
darmo-nos em caridade. Não há falta de trabalho nesta empresa e todos são
importantes e únicos. Neste domingo em que escutamos as sábias decisões daquele
encontro em Jerusalém, a que convencionámos chamar primeiro Concílio,
percebemos a pedagogia do Espírito Santo que nos convida à escuta mútua e a
abrirmo-nos aos seus apelos. Quantas vezes deixamos de O ouvir, simplesmente
porque não dialogamos bem, nem procuramos em conjunto!
A tradição fez de ti o
patrono dos médicos e dos artistas (talvez por ser-te atribuída a pintura de um
ícone de Nossa Senhora com o Menino) e és representado com um livro na mão e um
boi aos pés, que alguns interpretam como símbolo da fidelidade e do sacerdócio
de Jesus, bem como do teu desejo de fidelidade na narração dos acontecimentos
evangélicos. E pouco sabemos do final da tua vida. Mas o tesouro dos escritos
que nos deixaste aproxima-nos todos os dias de Jesus e do seu projecto de amor.
E reanima o desejo de sermos misericordiosos como Ele e como o Pai!
Obrigado São Lucas!
(texto publicado no jornal Voz da Verdade, de 05.05.2013; ilustração: ícone de São Lucas)
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