Esther Mucznik responde a esta questão num artigo hoje publicado no jornal Público:
Trouxe o 25 de Abril a liberdade religiosa? Se limitarmos a liberdade religiosa à liberdade de culto, a resposta é não. Como forma de possibilidade individual de professar a religião da sua escolha, a liberdade de culto existia antes do 25 de Abril e até, embora com sérias reservas, antes mesmo da revolução republicana. No século XIX, com o liberalismo e a extinção da Inquisição, os fiéis não-católicos passam a ter a possibilidade de praticar a sua religião.
As limitações são, no entanto, importantes: a prática do culto não-católico é apenas reconhecido aos estrangeiros e o seu exercício obrigatoriamente privado, sem expressão pública, incluindo a visibilidade dos seus templos. Trata-se assim de “tolerância”, não de liberdade: a religião católica é a religião do reino e os súbditos nacionais não têm outra opção. (...)
A República vai mais longe. A Lei da Separação da Igreja do Estado, de 20 de Abril de 1911, confere a personalidade jurídica às confissões não-católicas e permite a visibilidade pública dos seus templos. Trata-se, sem dúvida, de um avanço significativo para as confissões não-católicas. No entanto, não podemos ainda falar de liberdade religiosa: em primeiro lugar, porque, decalcada do modelo da lei francesa de 1905, é visceralmente uma lei anticlerical e, em segundo, lugar porque as confissões não-católicas são reconhecidas apenas sob a forma de associações privadas cultuais, não como confissões religiosas, o que, na verdade, camufla a sua verdadeira natureza sociológica.(...)
O Estado Novo consagra a liberdade de culto na Constituição de 1933, mas as comunidades não-católicas permanecem corpos estranhos à sociedade. Não fazem parte da nação portuguesa. Sem ser religião oficial do Estado, a Igreja Católica é, de facto, a única religião reconhecida e legitimada. (...)
Então o que trouxe Abril de novo, do ponto de vista da liberdade religiosa? A mudança está contida numa única palavra: reconhecimento. E sem reconhecimento não se pode falar em liberdade, porque esta não se restringe a tolerar a existência privada de um culto “outro”. O reconhecimento implica aceitar como igual o que é diferente: igual em direitos, igual em deveres, igual em oportunidades; implica viver a diferença como natural, a diversidade como fazendo parte intrínseca das sociedades, e a tensão daí decorrente como um elemento criativo. (...)
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Ilustração: a partir de foto de Maria Luísa Palha
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