Logo
de início, esta obra apanha-nos de surpresa, numa melodia que se impõe
serenamente, sintetizando o mistério de uma morte que, paradoxalmente, traz a
vida. “Sim, para me garantir uma (tranquila) vida eterna/ ele que é a vida em
si mesmo teve de morrer.” A emoção comunga, aqui, com a partitura, o texto
poético (a cuja força não é alheia a língua alemã em que é cantado), as vozes e
os instrumentos.
O
mais incrível é que estivemos dois séculos e meio sem saber desta obra.
Gottfried Heinrich Stölzel (1690-1749) compôs esta Paixão em 1725. Na sua
época, Stölzel era um compositor considerado tão importante como Haendel, Bach
ou Telemann. Autor prolixo – mais de 900 cantatas litúrgicas, das quais 500 são
conhecidas na íntegra –, Stölzel foi chefe de orquestra em Gotha durante 30
anos, desde 1719 até à sua morte. Além das cantatas, compôs ópera, peças para
as festas da corte, sete paixões (três são conhecidas), além de outros ciclos
de cantatas da paixão.
Porque
ficou então esquecido? Axel Weidenfeld explica que a obra de muitos artistas
era sacrificada pelas novas gerações, dispostas a mostrar o seu valor e a
menosprezar o dos seus predecessores. A Paixão de Stölzel, apesar de ter sido
executada várias vezes, não terá sido guardada. Valeu o seu autor ter enviado,
em 1735, uma cópia da partitura para Sondershausen, que ficaria depois guardada
numa caixa debaixo de um órgão, sendo redescoberta em 1870. Mas só mais de um
século depois, em 1965, o compositor é objecto de uma tese académica.
Finalmente, em 1997, a Paixão é pela primeira vez gravada em disco, mais de 250
anos depois da sua composição.
O
texto, da autoria de Barthold Heinrich Brockes (1680-1747), conselheiro de
Hamburgo e um dos mais importantes poetas da sua geração, já tinha sido
adaptado por compositores como Haendel, Bach e Telemann. Baseando-se na Paixão
segundo São João, mas não seguindo o texto literal da Bíblia, acompanha a
surpresa, a serenidade e a emoção da música. Uma obra imprescindível em tempo
de Páscoa.
Gottfried
Heinrich Stölzel, Brockes Passion,
dir. de Ludger Rémy, ed. CPO
(texto
publicado no Mensageiro de Santo António, de Abril 2003)
A
seguir, um vídeo que reproduz os três andamentos iniciais e a capa do disco.
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