25 de Abril, 40 anos
Depoimento
de Nuno Teotónio Pereira
Nuno Teotónio Pereira (foto reproduzida daqui)
Na tertúlia sobre “os católicos na luta contra a ditadura”, realizada
a 22 de Fevereiro (ver textos aqui e aqui),
foi lido o seguinte depoimento do arquitecto Nuno Teotónio Pereira:
Caras e caros participantes na
tertúlia sobre “Os católicos na luta contra a Ditadura”
Não podendo estar entre vós neste
momento, saúdo esta iniciativa do movimento Não Apaguem a Memória e do Instituto S. Tomás de Aquino, dada a importância histórica dos
acontecimentos de que se ocupará, que estão a cair no esquecimento.
Quando Salazar chegou ao poder,
primeiro como ministro das Finanças e pouco depois nomeado Presidente do
Conselho, recebeu o apoio massivo dos católicos, o qual persistiu durante
muitos anos, apesar do carácter cada vez mais ditatorial do regime. Isso terá
porventura acontecido por causa do poder que a Igreja deteve em Portugal
durante séculos, que apenas começou a ser contestado após a instauração da
República em 1910.
Só assim se pode explicar esse
apoio à ditadura salazarista durante tanto tempo e a sua indiferença perante os
meios da repressão que o regime impunha e que se sobrepunham, por vezes, à
própria Igreja.
De entre estes meios repressivos,
os mais cruéis foram sem dúvida a polícia política, que chegava a exercer o seu
domínio sobre as direções de todos os grupos de carácter associativo, incluindo
os sindicatos de trabalhadores (eu próprio fui por duas vezes excluído da
direção do Sindicato dos Arquitetos, apesar de eleito para o cargo), e a
censura totalitária que abrangia todo o tipo de publicações e ações culturais.
No que respeita à censura, a
atividade era tão despudorada, que todos os jornais publicavam na primeira
página um pequeno retângulo onde se lia “Este número foi visado pela Comissão
de Censura”.
Quanto à polícia política eram
conhecidos os vexames e as torturas por que passavam anualmente centenas de
cidadãs e cidadãos.
Perante esta situação ditatorial
que durou mais de quatro décadas, a esmagadora maioria da população, que se
dizia católica, permanecia de braços cruzados, incluindo o Episcopado, que se
mantinha solidário com o regime, não ousando exprimir qualquer crítica ou,
sequer, dúvida.
Foi neste quadro que o então bispo
do Porto, D. António Ferreira Gomes, escreveu em 1958 uma carta a Salazar na
qual denunciava alguns aspetos da situação. Este documento que, evidentemente,
não pôde ser publicado em qualquer órgão informativo, levou alguns católicos,
que entretanto haviam começado a denunciar os crimes do salazarismo,
nomeadamente no seio da chamada Ação Católica, a organizar ações de protesto,
através de encontros e publicações clandestinas, assim como de cartas abertas e
abaixo-assinados públicos. Entre todos, não posso deixar de citar o P. Abel
Varzim e o Engº. Francisco Lino Neto, e ainda minha mulher Maria Natália Duarte
Silva, que participou ativamente em todas estas iniciativas.
Mais tarde, na década de 1960, o
foco passou a ser a denúncia da guerra colonial, vista como uma injustiça
intolerável que atingia o povo português e os povos africanos sob dominação
portuguesa e que constituía o “calcanhar de Aquiles” do regime. A luta pela
paz, vivificada pelo Concílio Vaticano II e pelas novas responsabilidades reconhecidas
aos leigos na Igreja, tornou-se central no pensamento e nas atividades dos
então chamados “católicos progressistas”.
A ação dos católicos na luta
contra a Ditadura foi-se progressivamente ampliando, ao longo dos anos, sendo
uma das suas mais interessantes características o facto de ter construído
pontes com muitos outros sectores da sociedade portuguesa – trabalhadores,
intelectuais, estudantes – independentemente das suas crenças religiosas.
Talvez por esta razão, o seu impacto foi muito além do que o número de pessoas
realmente envolvidas o poderia fazer supor.
Lisboa, 16 de fevereiro de 2014
(título do RELIGIONLINE; os
depoimentos desta série e os testemunhos da tertúlia referida serão em breve
publicados na revista Cadernos do ISTA – ver também aqui)
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Dia 8 de Abril: A teologia como dissensão
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