Comentário
Um importante aviso contra o inverno demográfico e
contra a falta de investimento do Estado naquela que é a força maior de um povo
– os seus cidadãos. E uma reclamação de mais apoio efectivo à natalidade, sob
pena de se deixar morrer o importante activo da renovação das gerações. É dessa
forma que pode ser lida a nota pastoral da Conferência Episcopal Portuguesa
(CEP) , publicada nesta quinta-feira, dia 11 de Abril, intitulada “A força da família em tempos de crise”.
A
nota recorda ainda aspectos fundamentais do lugar social e cultural da
instituição familiar. E reafirma a doutrina tradicional da Igreja Católica
sobre a família – em questões como o casamento, o aborto e a homossexualidade.
Nesta
matéria, é pena que o texto não vá mais longe quando alude às situações de ruptura
matrimonial. Há, hoje, uma massa enorme de pessoas – incluindo muitos católicos
– que vivem em famílias recompostas. E que, por causa disso, estão afastadas da
possibilidade de comungar, o que para elas constitui motivo de sofrimento, pelo
sentimento de exclusão da comunidade que tal facto comporta.
Em
relação a esta questão, a Conferência Episcopal limita-se a dizer que “a Igreja
acolhe e acompanha com solicitude” as pessoas que vivem uma situação de
ruptura e que a afirmação da indissolubilidade do matrimónio “não pode significar
insensibilidade ou indiferença perante o sofrimento de quem experimentou um
fracasso matrimonial, independente de qualquer juízo de culpa, que até pode nem
existir.”
Deve recordar-se que já
outros episcopados colocaram a questão da atitude pastoral correcta em relação
aos divorciados recasados. Por exemplo, já há duas décadas, três bispos alemães
– um dos quais, o actual cardeal Walter Kasper, cujo livro sobre a misericórdia
foi citado pelo Papa Francisco no seu primeiro Angelus, dia 17 de Março –
colocaram a questão de procurar outros caminhos pastorais que não a simples
recusa da comunhão.
O tema tem sido debatido
a vários níveis – desde a teologia ao magistério, passando por grupos de
pastoral familiar e outras estruturas e movimentos católicos onde há casais nessa
situação. Em 2005, dias antes da eleição do Papa Bento XVI, a imprensa italiana
publicava notícias – nunca desmentidas, antes confirmadas por exemplo pelo
cardeal português Saraiva Martins – de que o cardeal Ratzinger, então prefeito da
Congregação para a Doutrina da Fé, tinha em cima da mesa um documento que
pretendia exactamente rever essa questão do ponto de vista pastoral.
Esta nota agora
publicada pela CEP fica, por isso, nesse aspecto concreto, aquém do que devia.
Mesmo se esse não era o objectivo primeiro do texto, a falta de uma referência
explícita a essa dificuldade pastoral é uma falha. Ainda mais quando a própria
nota cita o Papa Francisco, quando disse que a ternura “não é a virtude dos
fracos, antes pelo contrário denota fortaleza de ânimo e capacidade de
solicitude, de compaixão, de verdadeira abertura ao outro, de amor. Não devemos
ter medo da bondade, da ternura.”
O
destaque desta nota deve ser dado, entretanto, às alusões que faz aquele que
tantos especialistas apontam como um dos principais problemas europeus (mais
agravado ainda em Portugal): a falta de políticas públicas que contrariem a
baixa taxa de natalidade. Os bispos apontam as questões que a actual crise
económica levantam à instituição familiar – e os modos que a família tem de
também ajudar a ultrapassar essa mesma crise.
Os
bispos recordam a evidência: “Tem sido a solidariedade familiar,
que se traduz em solidariedade entre gerações, em muitos casos, o primeiro e
mais seguro apoio de quem se vê a braços com o desemprego, ou a queda abrupta
de rendimentos, com a consequente incapacidade de fazer face a compromissos
assumidos que se destinam à satisfação de necessidades familiares essenciais,
como a da habitação.”
“Mas esse apoio não é
suficiente”, acrescenta o texto, recordando também que, como dizia o Papa Bento
XVI na mensagem para o Dia Mundial da paz de 2013, “na raiz da crise que
atravessamos estão fracassos de um modelo económico assente na maximização do
lucro e do consumo”. Pelo contrário, “o desenvolvimento económico suportável,
isto é, autenticamente humano tem necessidade do princípio da gratuidade como
expressão de fraternidade e da lógica do dom”.
A importância da família
na sociedade, defende a nota, traduz-se naquele que é “talvez o mais eloquente
sinal de que a crise da instituição familiar se traduz em malefícios sociais”: o
da “crise demográfica, que muitos consideram o mais grave dos problemas sociais
das sociedades europeias, numa perspectiva do seu futuro mais ou menos próximo”.
Os bispos dizem, depois,
aquilo que deveria ser claro para as lideranças políticas: “A crise que
atravessamos também é reflexo da crise demográfica. Numa sociedade em
envelhecimento, as despesas públicas serão cada vez maiores em pensões, saúde,
etc., e as receitas cada vez menores. Assim, o financiamento do Estado há de
ser cada vez mais problemático.” Uma evidência que, já na encíclica Caritas in Veritate, Bento XVI também
referira, recorda a CEP.
Para combater este
problema, têm que ser adoptadas, defende a nota dos bispos, “medidas fiscais,
que promovam o emprego juvenil, ou que facilitem a conciliação entre o trabalho
e a vida familiar”. Mas, acrescentam, “o contributo decisivo para vencer a
crise demográfica situa-se no plano da cultura e da mentalidade”, superando o
“cansaço moral” e a “falta de confiança no futuro” a que alude a
encíclica Caritas in veritate.
(ilustração reproduzida daqui)
2 comentários:
A crise que atravessamos NÃO É reflexo da crise demográfica... Importa ler os especialistas nesta matéria.
Posso não ter sido claro no que escrevi, mas não me parece. O que pretendi dizer é que a falta de políticas públicas de apoio á natalidade está a ser dramática em diversos países europeus - incluindo Portugal. A crise que atravessamos, obviamente, tem uma causa fundamental no poder financeiro ávido e desregulado. Mas a baixa natalidade também a agrava.
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