Sob o título genérico A revolução franciscana, publiquei no Jornal de
Notícias, durante o mês de Dezembro, oito
trabalhos sobre o Papa Francisco, que tentam fazer um balanço do que tem sido
este ainda curto mas intenso pontificado. Este é o oitavo e último trabalho da
série.
Pressente-se a urgência na sua
forma de agir: a reforma da Cúria Romana terá de avançar e ser concluída antes
de o Papa se retirar. Mas, até lá, e apesar do que já conseguiu, Francisco tem
ainda muito trabalho pela frente. E muita oposição que se adivinha.
Não sendo a sua questão essencial
- o que o Papa quer, em primeiro lugar, é que todos os católicos assumam de
forma mais intensa a sua relação com o Evangelho e com as consequências da fé
no agir quotidiano -, a reforma da Cúria Romana iniciada já por Francisco é um
desafio importante para poder concretizar todos os outros de forma plena.
Os problemas da Cúria foram uma
das razões que levaram Bento XVI a resignar do cargo e o Papa Bergoglio quer
cumprir o mandato dos cardeais. Nas reuniões preparatórias do conclave, foram
muitas as vozes a pedir uma clara reforma da instituição.
(o texto pode continuar a ser lido
aqui)
Aprofundar o debate sobre o lugar da mulher na Igreja
Na sua primeira longa entrevista,
ao padre jesuíta Antonio Spadaro, o Papa Francisco afirmava: “É necessário
ampliar os espaços de uma presença feminina mais incisiva na Igreja.” O Papa criticava
a “ideologia machista”, defendendo que a mulher é “imprescindível” para a
Igreja e que é preciso “trabalhar mais para fazer uma teologia profunda da
mulher”, bem como “reflectir sobre o lugar específico da mulher, precisamente
também onde se exerce a autoridade nos vários âmbitos da Igreja.”
A exegese bíblica das últimas
décadas tem destacado cada vez mais o lugar importante que as mulheres tiveram
no grupo dos seguidores de Jesus e as mulheres concretas que São Paulo deixou a
liderar comunidades por ele criadas.
Mesmo tendo já dito que a
ordenação de mulheres é uma porta fechada no catolicismo, as afirmações do Papa
– repetidas, por outras palavras, em diferentes momentos – abrem espaço a um
debate até aqui quase só dogmatizado. Também por isso, Francisco nomeou mais
mulheres para a Comissão Teológica Internacional, do Vaticano, pedindo que elas
não sejam apenas a “cereja no topo do bolo”.
Uma das escolhidas, a irmã Mary
Prudence Allen, que se considera “uma nova filósofa feminista na linha”
do Papa João Paulo II, dizia há um ano que quer “enriquecer a compreensão
da mulher na Igreja” e “ajudar a remover os obstáculos para o pleno
desenvolvimento das mulheres em áreas de discriminação, exploração e violência
– um desejo que é compartilhado com feministas de outras tradições.”
Avançar o ecumenismo na consciência
Há pouco mais de um mês, na Igreja
Luterana de Roma, uma senhora disse ao Papa que é casada com um católico mas os
dois, sendo cristãos, não podem comungar juntos nas respectivas igrejas. “Que
podemos fazer?”, perguntou Anke de Bernardinis a Francisco. O Papa admitiu que
há ainda dificuldades teológicas a resolver mas acrescentou que deve ser a
consciência de cada um a decidir. “A vida é maior do que as explicações e
interpretações. (...) Falai com Deus e ide em frente. Não me atrevo a dizer
mais.” Este é o seu modo de aproximar as diferentes tradições cristãs: que os
crentes tomem a iniciativa e abram caminhos de colaboração, em consciência,
unidos no essencial.
Divorciados, um teste à arte de conciliação
O documento que o Papa redigirá a
partir das conclusões do Sínodo dos Bispos sobre a família pode originar mais
contestação. Francisco pode vir a abrir a possibilidade de, em condições muito
concretas, as pessoas que se divorciaram e voltaram a casar possam comungar na
missa – o que hoje lhes está interdito. Quando, em Setembro, o Papa mudou as
regras para aligeirar e tronar tendencialmente gratuitos os processos para
verificação da nulidade do matrimónio, já foi acusado por alguns de estar a
promover um “divórcio católico”. Por isso, o novo documento será um grande
teste à sua arte de promover a mudança mas criando o máximo de pontes possível.
Contra as tentações do clero
Problemas como o celibato
obrigatório, a solidão de muitos membros do clero – que leva por vezes à
depressão, ao alcoolismo e a outros problemas graves –, a pedofilia ou outros
abusos sexuais cometidos por padres (por exemplo, sobre algumas freiras, como
acontece em algumas regiões africanas), são outra questão que o Papa quer
continuar a enfrentar. Francisco tem insistido na vocação religiosa como uma
missão de serviço à comunidade, contestando as tentações do carreirismo ou do
exercício do poder. Como também contesta o “dizer mal pelas costas”, como fez
no discurso à Cúria Romana, de 2014, precisamente uma das tentações de muitos
membros do clero que aplaudem o Papa em público, sabendo da sua popularidade e,
em privado, o contestam cada vez mais.
Não (ab)usar do nome de Deus
A aproximação ecuménica (a
cristãos ortodoxos, protestantes, anglicanos e evangélicos) e inter-religiosa
(judeus, muçulmanos, budistas ou hindus) é uma obrigação urgente para o Papa
Francisco. Mas ele está confrontado, neste campo, com o exacerbamento dos
fenómenos extremistas (incluindo o terrorismo), que reivindicam o nome de Deus
para as suas acções. Um abuso que Bergoglio não se tem cansado de condenar,
como fez ainda na sua mensagem de Natal. O crescimento da
violência de invocação religiosa será também um desafio aos valores essenciais
que o Papa propõe.
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