segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

A revolução franciscana (4) – O outro nome do Papa é misericórdia

Sob o título genérico A revolução franciscana, publiquei no Jornal de Notícias, durante o mês de Dezembro, oito trabalhos sobre o Papa Francisco, que tentam fazer um balanço do que tem sido este ainda curto mas intenso pontificado. Este é o quarto trabalho da série. 

Um homossexual? "Quem sou eu para julgar?" Uma mãe solteira? O próprio Papa baptiza-lhe o filho. Refugiados a morrer no Mediterrâneo? Não podemos ceder à "globalização da indiferença". Pessoas sem-abrigo a dormir à volta do Vaticano? Providenciem-se duches e um barbeiro.

"Miserando atque elegendo". No lema do Papa, escolhido quando Jorge Mario Bergoglio foi nomeado bispo, está a síntese da mensagem central que ele considera dever ser anunciada pela Igreja: "Olhou para ele com misericórdia e escolheu-o", diz aquela frase, em latim.
Por ter esse entendimento, o Papa Francisco decidiu convocar um ano jubilar destinado a celebrar a ideia da misericórdia. A palavra, mesmo usada com frequência na Igreja, tinha sido esvaziada de muito do seu conteúdo concreto e o Papa argentino quer tornar a sua utilização mais real para a vida das pessoas.
(continuar a ler aqui, de onde também foi reproduzida a foto à direita)

14 obras para a generosidade: um tema central, mas ausente da teologia católica

Apesar de ser um conceito chave na Bíblia e na teologia cristã, o tema da misericórdia tem sido marginal mesmo ao próprio pensamento teológico. “Isto só poderá ser qualificado de decepcionante ou até mesmo de catastrófico”, escreve o cardeal alemão Walter Kasper, no livro A Misericórdia (ed. Principia), que foi citado pelo Papa Francisco a 17 de Março de 2013, na primeira alocução dominical após a sua eleição.

Num outro livro sobre o pensamento papal acerca do tema (Papa Francisco – A Revolução da Misericórdia e do Amor, ed. Paulinas), Kasper insiste em que a misericórdia é a ideia-chave do pontificado: o Papa “reiteradamente afirma: a misericórdia de Deus é infinita, (...), Deus não exclui nem abandona ninguém.”
É essa ideia que o Papa pretende que os católicos redescubram, a partir das chamadas obras de misericórdia – uma lista que é quase uma ladainha, mas que marca a espiritualidade cristã desde há muito: dar de comer a quem tem fome, dar de beber a quem tem sede, vestir quem precisa, acolher os peregrinos, assistir os doentes, visitar os presos, enterrar os mortos são as chamadas obras de misericórdia corporais – têm a ver com necessidades físicas essenciais. Outras são designadas como espirituais: aconselhar os indecisos, ensinar os ignorantes, corrigir quem erra, consolar os tristes e aflitos, perdoar quem ofende, suportar com paciência as fraquezas do próximo, rezar a Deus por vivos e defuntos.
“Será uma maneira de acordar a nossa consciência, muitas vezes adormecida perante o drama da pobreza, e de entrar cada vez mais no coração do Evangelho, onde os pobres são os privilegiados da misericórdia divina”, escreve o Papa no texto em que anunciava o ano jubilar.
 “Para converter a própria vida num lugar generoso que dá de comer e de beber, há que sanar a obsessão por possuir, por acumular, por procurar apenas o próprio benefício”, escreve o teólogo argentino Victor Manuel Fernández, reitor da Universidade Católica de Buenos Aires e um dos mais próximos do Papa Bergoglio.
Fernández é autor de Dar de Comer, Dar de Beber, um dos títulos da colecção Fazer Misericórdia (ed. Paulinas) que, em 13 pequenos livros, procura explicar as diferentes obras de misericórdia.

Missionários da misericórdia

Na Quaresma de 2016, o Papa irá enviar os Missionários da Misericórdia. São padres a quem o próprio Francisco dará autoridade “de perdoar os pecados reservados” à Santa Sé – ou seja, questões graves. O Papa quer que os bispos acolham esses missionários, “para que sejam, antes de tudo, pregadores convincentes da misericórdia”.

Também no tempo de preparação da Páscoa, Francisco quer que as paróquias promovam a iniciativa “24 horas para o Senhor”, de modo a colocar no centro da pastoral católica o sacramento da reconciliação (ou confissão). Mas, acrescenta, não se cansará nunca “de insistir com os confessores para que sejam um verdadeiro sinal da misericórdia do Pai”. E acrescenta que “ser confessor não se improvisa – tornamo-nos tal quando começamos, nós mesmos, por nos fazer penitentes em busca do perdão”. E acrescenta que os padres não devem “fazer perguntas impertinentes”, mas antes saber “a invocação de ajuda e o pedido de perdão”.

Durante este ano jubilar, o Papa Bergoglio quer que os crentes se abram “aqueles que vivem nas mais variadas periferias existenciais, que muitas vezes o mundo contemporâneo cria de forma dramática”. Francisco não perde ocasião de recordar os que mais sofrem , no centro da acção da Igreja para este ano, quer que estejam essas pessoas.


Perante as “imensas situações de precariedade e sofrimento presentes no mundo actual” e as enormes “feridas gravadas na carne de muitos que já não têm voz, porque o seu grito foi esmorecendo e se apagou por causa da indiferença dos povos ricos”, o Papa quer ver os cristãos a “cuidar destas feridas, aliviá-las com o óleo da consolação, enfaixá-las com a misericórdia e tratá-las com a solidariedade e a atenção devidas”. E acrescenta: “Abramos os nossos olhos para ver as misérias do mundo, as feridas de tantos irmãos e irmãs privados da própria dignidade e sintamo-nos desafiados a escutar o seu grito de ajuda.”

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O novo ano e a sabedoria - crónicas de frei Bento Domingues e Anselmo Borges

Texto anterior da série A revolução franciscana



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