Sob o título genérico A revolução franciscana, publiquei no Jornal de Notícias, durante o mês de Dezembro, oito trabalhos
sobre o Papa Francisco, que tentam fazer um balanço do que tem sido este ainda
curto mas intenso pontificado. Este é o quarto trabalho da série.
Um homossexual? "Quem sou eu
para julgar?" Uma mãe solteira? O próprio Papa baptiza-lhe o filho.
Refugiados a morrer no Mediterrâneo? Não podemos ceder à "globalização da
indiferença". Pessoas sem-abrigo a dormir à volta do Vaticano?
Providenciem-se duches e um barbeiro.
"Miserando atque
elegendo". No lema do Papa, escolhido quando Jorge Mario Bergoglio foi
nomeado bispo, está a síntese da mensagem central que ele considera dever ser
anunciada pela Igreja: "Olhou para ele com misericórdia e escolheu-o",
diz aquela frase, em latim.
Por ter esse entendimento, o Papa
Francisco decidiu convocar um ano jubilar destinado a celebrar a ideia da
misericórdia. A palavra, mesmo usada com frequência na Igreja, tinha sido
esvaziada de muito do seu conteúdo concreto e o Papa argentino quer tornar a
sua utilização mais real para a vida das pessoas.
(continuar a ler aqui, de onde também foi reproduzida a foto à direita)
14 obras para a generosidade: um tema central, mas ausente da
teologia católica
Apesar de ser um conceito chave na
Bíblia e na teologia cristã, o tema da misericórdia tem sido marginal mesmo ao
próprio pensamento teológico. “Isto só poderá ser qualificado de decepcionante
ou até mesmo de catastrófico”, escreve o cardeal alemão Walter Kasper, no livro
A Misericórdia (ed. Principia), que
foi citado pelo Papa Francisco a 17 de Março de 2013, na primeira alocução
dominical após a sua eleição.
Num outro livro sobre o pensamento
papal acerca do tema (Papa Francisco – A Revolução da Misericórdia e do Amor, ed. Paulinas), Kasper insiste em que a
misericórdia é a ideia-chave do pontificado: o Papa “reiteradamente afirma: a
misericórdia de Deus é infinita, (...), Deus não exclui nem abandona ninguém.”
É essa ideia que o Papa pretende que
os católicos redescubram, a partir das chamadas obras de misericórdia – uma
lista que é quase uma ladainha, mas que marca a espiritualidade cristã desde há
muito: dar de comer a quem tem fome, dar de beber a quem tem sede, vestir quem
precisa, acolher os peregrinos, assistir os doentes, visitar os presos,
enterrar os mortos são as chamadas obras de misericórdia corporais – têm a ver
com necessidades físicas essenciais. Outras são designadas como espirituais: aconselhar
os indecisos, ensinar os ignorantes, corrigir quem erra, consolar os tristes e aflitos,
perdoar quem ofende, suportar com paciência as fraquezas do próximo, rezar a
Deus por vivos e defuntos.
“Será uma maneira de acordar a
nossa consciência, muitas vezes adormecida perante o drama da pobreza, e de
entrar cada vez mais no coração do Evangelho, onde os pobres são os
privilegiados da misericórdia divina”, escreve o Papa no texto em que anunciava
o ano jubilar.
“Para converter a própria vida num lugar generoso
que dá de comer e de beber, há que sanar a obsessão por possuir, por acumular,
por procurar apenas o próprio benefício”, escreve o teólogo argentino Victor
Manuel Fernández, reitor da Universidade Católica de Buenos Aires e um dos mais
próximos do Papa Bergoglio.
Fernández é autor de Dar de Comer, Dar de Beber, um dos
títulos da colecção Fazer Misericórdia
(ed. Paulinas) que, em 13 pequenos livros, procura explicar as diferentes obras
de misericórdia.
Missionários da misericórdia
Na Quaresma de 2016, o Papa irá
enviar os Missionários da Misericórdia. São padres a quem o próprio Francisco
dará autoridade “de perdoar os pecados reservados” à Santa Sé – ou seja, questões
graves. O Papa quer que os bispos acolham esses missionários, “para que sejam,
antes de tudo, pregadores convincentes da misericórdia”.
Também no tempo de preparação da
Páscoa, Francisco quer que as paróquias promovam a iniciativa “24 horas para o
Senhor”, de modo a colocar no centro da pastoral católica o sacramento da
reconciliação (ou confissão). Mas, acrescenta, não se cansará nunca
“de insistir com os confessores para que sejam um verdadeiro sinal da
misericórdia do Pai”. E acrescenta que “ser confessor não se improvisa – tornamo-nos
tal quando começamos, nós mesmos, por nos fazer penitentes em busca do perdão”.
E acrescenta que os padres não devem “fazer perguntas impertinentes”, mas antes
saber “a invocação de ajuda e o pedido de perdão”.
Durante este ano jubilar, o Papa
Bergoglio quer que os crentes se abram “aqueles que vivem nas mais variadas
periferias existenciais, que muitas vezes o mundo contemporâneo cria de forma
dramática”. Francisco não perde ocasião de recordar os que mais sofrem , no
centro da acção da Igreja para este ano, quer que estejam essas pessoas.
Perante as “imensas situações de
precariedade e sofrimento presentes no mundo actual” e as enormes “feridas
gravadas na carne de muitos que já não têm voz, porque o seu grito foi
esmorecendo e se apagou por causa da indiferença dos povos ricos”, o Papa quer
ver os cristãos a “cuidar destas feridas, aliviá-las com o óleo da consolação,
enfaixá-las com a misericórdia e tratá-las com a solidariedade e a atenção
devidas”. E acrescenta: “Abramos os nossos olhos para ver as misérias do mundo,
as feridas de tantos irmãos e irmãs privados da própria dignidade e sintamo-nos
desafiados a escutar o seu grito de ajuda.”
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