quarta-feira, 28 de dezembro de 2005

Três figuras luminosas

No diário "Le Monde", Henri Tincq escreve sobre L'héritage de trois témoins du christianisme. Três figuras maiores que se foram em 2005, deixndo um testemunho luminoso. Alguns excertos:

"L'année 2005 gardera le souvenir de la disparition de trois figures exceptionnelles ? Jean Paul II, le Frère Roger, Paul Ricoeur ? que la foi et la date de la mort ont réunis. Leur vie fut un chemin, long et exemplaire pour les hommes d'aujourd'hui dans chacun des trois ordres de la vie chrétienne : le magistère, la contemplation, la philosophie. "Laissez-moi aller vers la maison du Père", a murmuré Karol Wojtyla avant de s'éteindre, à près de 85 ans, le soir du 2 avril. Le Frère Roger, 90 ans, est mort le 16 août dans des conditions dramatiques, poignardé à l'heure de l'office par une démente. Quand au grand philosophe protestant Paul Ricoeur, à 92 ans, il s'est éteint le 20 mai dans la paix de l'âge. Ces trois hommes ont eu en commun, outre leur foi et leur notoriété mondiale, d'avoir été d'authentiques hommes de Dieu et de leur temps. (...)
"Des hommes comme Jean Paul II, le Frère Roger ou Paul Ricoeur furent à la fois des signes de contradiction et d'unité. Le premier a suscité autant de controverses par son intransigeance morale et politique que de fascination par son intériorité, son goût de la rencontre et des foules. Avant d'imposer Taizé comme lieu de la réconciliation, le Frère Roger suscita aussi la haine, à une époque où protestants, catholiques et orthodoxes continuaient de s'ignorer, voire de se détester. Ses obsèques ont été célébrées sous le signe du pardon : pardon pour la meurtrière, pardon pour les confessions divisées, pardon pour les jeunes désorientés. De ce pardon dont le philosophe Paul Ricoeur faisait aussi, dans La Mémoire, l'Histoire, l'Oubli (Seuil, 2000), la clé de toute vie en communauté.(...)
"L'héritage de ces trois défunts a toute sa place dans le débat sur la "déliaison" sociale ou ce que Paul Ricoeur appelait la difficulté à vivre l'"altérité". L'écart se creuse, constate Marcel Gauchet, entre l'époque où "être soi" signifiait échapper à son individualité pour tendre vers un idéal collectif et aujourd'hui, où, à l'inverse, "être soi", c'est revendiquer sa différence sociale, ethnique, cultuelle, sexuelle et exiger qu'elle soit protégée par la loi. Sur des matières qui touchent à la solidarité, à la citoyenneté, à la famille, à la santé, à l'éthique, l'Eglise peine à se faire entendre. N'aurait-elle plus rien à dire ou est-elle condamnée, par son affaiblissement, à adopter un profil de plus en plus bas ? (...)".

sexta-feira, 9 de dezembro de 2005

Laicidade e liberdade religiosa
Esther Mucznik
Público, 9.12.2005

Sobre a polémica em torno da retirada de crucifixos em algumas escolas:

"(...) eu diria que o "combate" de uma associação como a Associação República e Laicidade - que denunciou a existência de crucifixos em determinadas escolas - não é o mesmo do das confissões não católicas, que na sua maioria não se revêem no "militantismo" laico que se dedica a esquadrinhar o país à caça de símbolos católicos para os erradicar do espaço público.Gostaria de dizer com toda a clareza que, de uma forma geral, não sou favorável à proliferação desses ou de outros símbolos religiosos nos edifícios públicos. Liberdade religiosa e liberdade de manifestação religiosa nem sempre coincidem e há momentos em que determinadas manifestações religiosas podem colidir com a liberdade religiosa alheia. Mas não faço disto uma questão principal e decisiva e acredito que, mais do que a legislação, é o bom senso que deve prevalecer, equilibrando sem dramas as regras decorrentes do estatuto de Estado não confessional, por um lado, o costume e as tradições, por outro. Se o consenso de pais e alunos de uma determinada escola for no sentido de porem o crucifixo, sinceramente não vejo qualquer problema. E não vejo qualquer problema porque, contrariamente à postura dos "laicistas", acredito que a liberdade religiosa não tem um conteúdo essencialmente negativo, mas sim positivo: possibilidade de expressão, de associação, de ensino, de visibilidade, de diálogo e reconhecimento público e institucional. Estas sim, são de facto questões decisivas, não negociáveis, da liberdade religiosa, e que não se obtêm através da erradicação da religião majoritária. Esta é uma visão negativa da liberdade religiosa que entretém a ilusão de que a liberdade de uns se faz à custa da liberdade dos outros. A história da humanidade já mostrou sobejamente as consequências trágicas dessa visão que no limite é uma visão revanchista e totalitária.Na raiz da argumentação "laicista" estão dois erros de base: o primeiro é o que identifica a laicidade com a não confessionalidade do Estado; o segundo é o que considera que a não confessionalidade do Estado é condição indispensável da liberdade religiosa. Com efeito, a laicidade, ou melhor, a laicização - palavra que traduz melhor a ideia de um processo em movimento -, é uma marca comum a todas as sociedades democráticas: significa a autonomização da sociedade em relação à religião, processo através do qual a religião deixa de estruturar a organização social e legal. As diferentes instituições religiosas podem fazer campanha em defesa dos seus valores e ideias, mas não têm força legal para os impor. (...)
Outra ideia generalizada é que a autonomia da religião em relação ao Estado obriga a banir Deus do espaço público. A América é a ilustração mais evidente da negação desta ideia: dotada de um sistema de clara separação entre o Estado e a Igreja, a religião tem no entanto uma forte presença não só na sociedade, mas nos próprios actos públicos. De maneira diferente, a Alemanha é outro exemplo disso: ainda muito recentemente, ao nomear formalmente Angela Merkel chanceler, o Presidente da República desejou-lhe "muito êxito, muita força e a bênção de Deus", tendo Merkel respondido com a fórmula prevista na Constituição "Assim Deus me ajude." Em Portugal, isto seria considerado uma ofensa à laicidade e uma "beatice". Podemos entender esta perspectiva do ponto de vista histórico, mas, em minha opinião, isto revela uma visão errada da laicidade, entendida não como a condição de liberdade religiosa, mas como a condição da erradicação da religião. É que apesar das juras em contrário, esta continua a ser encarada por muitos como "o ópio do povo".

quarta-feira, 7 de dezembro de 2005

"God isn't big enough for some people"
Umberto Eco
Daily Telegraph, 27/11/2005

God isn't big enough for some people:
"(...) Human beings are religious animals. It is psychologically very hard to go through life without the justification, and the hope, provided by religion. You can see this in the positivist scientists of the 19th century.
They insisted that they were describing the universe in rigorously materialistic terms - yet at night they attended seances and tried to summon up the spirits of the dead. Even today, I frequently meet scientists who, outside their own narrow discipline, are superstitious - to such an extent that it sometimes seems to me that to be a rigorous unbeliever today, you have to be a philosopher. Or perhaps a priest.
And we need to justify our lives to ourselves and to other people. Money is an instrument. It is not a value - but we need values as well as instruments, ends as well as means. The great problem faced by human beings is finding a way to accept the fact that each of us will die.
Money can do a lot of things - but it cannot help reconcile you to your own death. It can sometimes help you postpone your own death: a man who can spend a million pounds on personal physicians will usually live longer than someone who cannot. But he can't make himself live much longer than the average life-span of affluent people in the developed world.
And if you believe in money alone, then sooner or later, you discover money's great limitation: it is unable to justify the fact that you are a mortal animal. Indeed, the more you try escape that fact, the more you are forced to realise that your possessions can't make sense of your death.
It is the role of religion to provide that justification. Religions are systems of belief that enable human beings to justify their existence and which reconcile us to death. We in Europe have faced a fading of organised religion in recent years. Faith in the Christian churches has been declining.
The ideologies such as communism that promised to supplant religion have failed in spectacular and very public fashion. So we're all still looking for something that will reconcile each of us to the inevitability of our own death.
G K Chesterton is often credited with observing: "When a man ceases to believe in God, he doesn't believe in nothing. He believes in anything." Whoever said it - he was right. We are supposed to live in a sceptical age. In fact, we live in an age of outrageous credulity.
The "death of God", or at least the dying of the Christian God, has been accompanied by the birth of a plethora of new idols. They have multiplied like bacteria on the corpse of the Christian Church -- from strange pagan cults and sects to the silly, sub-Christian superstitions of The Da Vinci Code.
It is amazing how many people take that book literally, and think it is true. Admittedly, Dan Brown, its author, has created a legion of zealous followers who believe that Jesus wasn't crucified: he married Mary Magdalene, became the King of France, and started his own version of the order of Freemasons. Many of the people who now go to the Louvre are there only to look at the Mona Lisa, solely and simply because it is at the centre of Dan Brown's book.
The pianist Arthur Rubinstein was once asked if he believed in God. He said: "No. I don't believe in God. I believe in something greater." Our culture suffers from the same inflationary tendency. The existing religions just aren't big enough: we demand something more from God than the existing depictions in the Christian faith can provide. So we revert to the occult. The so-called occult sciences do not ever reveal any genuine secret: they only promise that there is something secret that explains and justifies everything. The great advantage of this is that it allows each person to fill up the empty secret "container" with his or her own fears and hopes.
As a child of the Enlightenment, and a believer in the Enlightenment values of truth, open inquiry, and freedom, I am depressed by that tendency. This is not just because of the association between the occult and fascism and Nazism - although that association was very strong. Himmler and many of Hitler's henchmen were devotees of the most infantile occult fantasies.
The same was true of some of the fascist gurus in Italy - Julius Evola is one example - who continue to fascinate the neo-fascists in my country. And today, if you browse the shelves of any bookshop specialising in the occult, you will find not only the usual tomes on the Templars, Rosicrucians, pseudo-Kabbalists, and of course The Da Vinci Code, but also anti-semitic tracts such as the Protocols of the Elders of Zion.
I was raised as a Catholic, and although I have abandoned the Church, this December, as usual, I will be putting together a Christmas crib for my grandson. We'll construct it together - as my father did with me when I was a boy. I have profound respect for the Christian traditions - which, as rituals for coping with death, still make more sense than their purely commercial alternatives.
I think I agree with Joyce's lapsed Catholic hero in A Portrait of the Artist as a Young Man: "What kind of liberation would that be to forsake an absurdity which is logical and coherent and to embrace one which is illogical and incoherent?" The religious celebration of Christmas is at least a clear and coherent absurdity. The commercial celebration is not even that."

domingo, 4 de dezembro de 2005

Para reflectir sobre a secularização

A propósito dos crucifixos nas escolas, levantou-se uma tempestade, com manifestos exageros dos laicistas e de alguns eclesiásticos (ou de leigos que são, frequentemente, mais papistas do que o papa).
Para reflectir sobre o que, nas sociedades ocidentais, está subjacente a este debate, vale a pena ler o livro "Sacred and Secular - Religion and Politics Worldwide", de Ronald Inglehart e Pippa Norris, publicado em 2004, e que acaba de receber o "Virginia Hodgkinson Research Prize". Encontra-se quase integralmente disponível online.
Destaco, da sinopse:
"Seminal thinkers of the nineteenth century -- Auguste Comte, Herbert Spencer, Emile Durkheim, Max Weber, Karl Marx, and Sigmund Freud -- all predicted that religion would gradually fade in importance and cease to be significant with the emergence of industrial society. The belief that religion was dying became the conventional wisdom in the social sciences during most of the twentieth century.
During the last decade, however, the secularization thesis has experienced the most sustained challenge in its long history. Critics point to multiple indicators of religious health and vitality today, from the continued popularity of churchgoing in the United States, to the emergence of New Age spirituality in Western Europe, the surge of fundamentalist movements and Islamic parties in the Muslim world, the evangelical revival sweeping through Latin America, and the widespread ethno-religious conflicts in international affairs.
The traditional secularization thesis needs updating. Religion has not disappeared and is unlikely to do so. Nevertheless, the concept of secularization captures an important part of what is going on. This book develops a theory of secularization and existential security, building on key elements of traditional sociological theories and revising others. This book demonstrates that: (1) The publics of virtually all advanced industrial societies have been moving toward more secular orientations during the past fifty years; but (2) The world as a whole now has more people with traditional religious views than ever before-- and they constitute a growing proportion of the world's population. Though these two propositions may seem contradictory, they are not. The fact that the first proposition is true, helps account for the second?because secularization has a surprisingly powerful negative impact on human fertility rates."

domingo, 20 de novembro de 2005

O que é o diálogo?

Do livro
A BRIDGE TO
BUDDHIST-CHRISTIAN DIALOGUE
, de Seiichi Yagi e Leonard Swidler:
"When we talk of dialogue today we mean an intellectual, spiritual encounter between two or more persons or groups that is different from what these encounters usually have been in the past. In the past they were confrontation, argument, debate, subjection, convert-making, or the like. In brief, each of us came to the encounter from a position of assumed superiority; we came not to learn but to teach-because we had the truth, and to the extent the others differed from us they were in error: Such, in large measure, has been the history of the past encounters between religions and ideologies1. That, however, is not what is meant today by dialogue. Rather, dialogue is an encounter between two or more persons or groups of differing views with the primary purpose of learning, not teaching. I come to dialogue with my partner not from a position of assumed superiority in the matter under discussion, but rather I come as one who hopes to learn from my partner, and change, reorder my life accordingly. Precisely here is the essential difference between dialogue and all other types of intellectual, spiritual encounters."

quarta-feira, 16 de novembro de 2005

"Nova evangelização: confissão de uma perplexidade"

Respigo de um texto do jurista e deputado do PSD Paulo C. Rangel um texto vindo a lume no Público de hoje, que começa por considerar
"Um dos grandes acontecimentos culturais dos últimos anos foi, sem dúvida, o Congresso Internacional para a Nova Evangelização, que a Igreja de Lis­boa acaba de acolher e organizar. Trata-se de um marco na nova atitude cul­­tural e pastoral da Igreja Católica portuguesa, só possível devido ao carisma de D. José Policarpo (...)".
E apresenta um dos seus motivos de perplexidade:
"A procissão - nomeadamente pela sua inumerável adesão - constitui uma afirmação inquestionável de presença da Igreja na cidade. Presença im­pres­sio­nan­te, devendo suscitar, como pacificamente parece ter suscitado, o res­­peito geral pela fé e pela cren­ça de cada um e pelo direito a manifestá-la no es­­paço público. Pre­sença que, sem considerandos de oportunidade pastoral e ambiente teológico, se­guramente se mostra útil. Útil, numa sociedade como a por­tu­guesa, onde uma larga maio­ria de cató­licos é relegada para um oprimente silenciamento mediático. Útil tam­­­­bém, por­que frequentes vezes se esquece e se esconde o respeito e a to­le­rân­­cia com que essa larga maio­ria assiste, quoti­dia­namente, à publicitação maciça de concepções e opiniões alternativas ou até contrárias às suas. Um sinal paradoxal, todavia. Paradoxal, porque a linguagem e a ordem sim­­­­bólica daquela manifestação religiosa - por mais ternura e afeição que pos­sa congraçar ­- parece aquém do ambiente e da oportunidade da "nova e­van­­ge­li­za­ção". Parece, aliás equivocamente, fazer convergir a dinâmica e o apelo mís­­­­tico de Fá­tima com uma conjuntura de crise e de incerteza generalizada. Pa­radoxal, porque a procissão evoca uma tradição mais rural do que urbana, releva mais duma pas­toral do passado do que do futuro e convoca mais uma "confirmação da fé" (ainda que uma fé plural e diferenciada) do que uma "reevangelização". Paradoxal, por­que a lin­gua­gem usada foi estritamente tradi­cio­nalista, pouco apta a despertar os ci­dadãos hoje dispersos, podendo ter tingido a visibilidade e a intencionalidade cardial do congresso. E de pouco valerá um paralelo, que já vi esboçado, com as experiências multitudinárias pro­ta­­go­­ni­za­das por João Paulo II. Estas, mesmo quando fiéis de­positárias de uma conservação da tradição - e é um assumido sobrevivente do chamado catolicismo "pro­gres­sista" que o escreve -, relevavam de uma in­ter­pelante linguagem de pro­xi­midade, de uma simbologia inovadora, de um gesto humanamente cativante. Também aqui o testemunho pode valer mais do que a doutrina.".

terça-feira, 15 de novembro de 2005

Arcebispo de Braga fala da "enorme gravidade" dos incêndios

Leio no Público de hoje:

"O novo presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) e arcebispo de Braga, D. Jorge Ortiga, disse ontem em Fátima que a Igreja deve "recuperar uma catequese sobre a enorme gravidade moral que constitui o acto de pegar fogo à floresta e de estimular a co-responsabilidade de todos, mesmo no momento de denunciar potenciais incendiários".
Jorge Ortiga falava no início dos trabalhos da assembleia da CEP, que decorre em Fátima até quinta-feira. Referindo "algumas realidades que exigem intervenção", o arcebispo de Braga disse que "não podemos ficar alheios ao drama dos incêndios". E perguntou: "Não será necessário voltar a insistir sobre a gravidade de certos pecados, individuais e colectivos?"
Referindo-se às políticas dos últimos anos, o presidente do episcopado afirmou que não é "suficiente a concentração" das estratégias de prevenção ou de acção "nos recursos humanos e materiais". Importa, antes, "ir às causas de natureza cívica e questionar-se sobre as razões do desleixo ou dos actos premeditados". A Igreja, a escola e os meios de comunicação social "têm de insistir na formação duma consciência individual e pública, de um modo permanente" e não apenas na chamada, "de forma muito infeliz", época de incêndios."


Partilho, no essencial desta preocupação de D. Jorge Ortiga. Creio, de facto, ser uma "miséria moral" muito do que vimos este ano: a calamidade dos incêndios ser tratada como normalidade dentro da anormalidade e como se o essencial se reduzissse a um problema de meios de combate (ainda que este seja aspecto importante: "Fia-te na Virgem e não corras!", diz o ditado).
Agora o importante é ser consequente. A Igreja Católica, que tem uma malha fina de presença na sociedade portuguesa - e em certas vertentes, responsabilidades directas - como por exemplo nas festas populares religiosas, em que o fogo de artifício continua a ser queimado por vezes em contextos de grande irresponsabilidade - poderia ter um papel muito especial na sociedade se pegasse a sério neste ponto para o trabalho pastoral de base.

segunda-feira, 14 de novembro de 2005

Notas sobre a "Nova Evangelização"

O congresso que na semana passada ocorreu em Lisboa teve o condão de agitar algumas águas e de colocar sobre a mesa a dimensão religiosa / cristã da vida, pelo menos para aqueles que a acolhem e a vivem.
Pelo que fui lendo e ouvindo, houve iniciativas interessantes e diversificadas nesse Congresso, reveladoras de preocupação com a busca de novas linguagens para dizer e expressar a fé e de pontes com expressões e universos culturais menos cultivados em ambiente eclesial.
Por outro lado, registo que uma procissão de velas com a dimensão e o aparato daquela que percorreu algumas das principais avenidas de Lisboa no fim do sábado passado não tenha originado a cega-rega daqueles que convivem mal com o religioso, sobretudo com o religioso católico e que preferiam, talvez, que tal tipo de manifestações não saísse do perímetro dos tempos. Estou em crer que não terá sido por terem passado a reconhecê-las.
Não gostei nada de ouvir, na Rádio Renascença, durante a procissão, umas comentadoras eufóricas com o convencimento manifestado de que mais ninguém consegue reunir uma multidão como a daquela procissão. Além da ilusão em que a meu ver assenta, tal atitude sugere uma sobranceria irritante inclusive para quem olha com apreço para o que se passou naquela tarde na capital do país.
Ficou-me, por outro lado, uma interrogação que já vem a bailar há bastante tempo e que não encontrou resposta satisfatória naquilo que vi e ouvi (e que reconheço poderá ter estado distante da riqueza do que ocorreu no Congresso). Refere-se justamente ao próprio conceito ou projecto de "nova evangelização". Um cardeal, creio que o de Paris, dizia que a atitude deveria ser a de uma abordagem não apenas para as pessoas, mas com as pessoas. Já é alguma coisa, ainda que me pareça que, no que se ouve e lê, o que perpassa é um processo unilateral, assimétrico, transferencial, de quem tem ou julga que tem (algo a anunciar), para quem imputadamente não tem e que precisa (do anúncio e da matéria anunciada).
Será que não se poderia pensar e propor essa "nova evangelização" de um ponto de vista e numa atitude diversas? Acentuando mais o caminho com as pessoas, todas as pessoas "de boa vontade"? Porque é que a evangelização há-de ser apenas de uns para os outros? Porque é que não poderá passar (muito) pelo escutar, pelo estar? No fim de contas, porque não há-de haver - também - uma acção evangelizadora de sentido inverso, feita a partir dos outros, do "mundo"? Se a mensagem (os apelos, os sonhos, as riquezas, as angústias) que nos chega permanentemente de quem nos rodeia não é escutada e acolhida, acaso poderemos acreditar que esses escutem quem lhes diz que tem para eles uma boa nova?
Perguntas que deixo, suspensas, carentes de contributos.

domingo, 13 de novembro de 2005

Os signos, os rituais e as rupturas necessárias

" (...) em Portugal o contacto de muitos cidadãos com a Igreja acontece, quase exclusivamente, por ocasião do baptismo das crianças, dos casamentos e dos funerais. Aparentemente, estão ali só por conveniências sociais e familiares. Não participam, nem parecem interessados em participar. Mas como é possível que os membros activos das comunidades cristãs deixem passar todas essas ocasiões, ao longo dos anos, sem ter uma estratégia clara de evangelização para esses tempos privilegiados? Quando é que a Igreja se decide a colocar os seus especialistas em ciências humanas, em artes, em teologia e em pastoral - com jovens, adultos e anciãos - a estudar esse fenómeno e a projectar caminhos que superem rotinas que prolongam uma situação que marca negativamente os não crentes, assim como os católicos "periféricos", e não torna evangelizadores os "católicos praticantes"?
"Os sacramentos pertencem à categoria do signo." Não é pela fuga para o dogmatismo - mesmo que ele revista a figura hermenêutica de uma "neo-ortodoxia" - que a fé católica pode manter-se de pé em tempos difíceis. Às vezes são necessárias rupturas, porque o homem, enquanto tal e também enquanto crente, é um ser cultural-histórico. Isto vale para os indivíduos e para os institutos religiosos. Todavia, ritualidade e criatividade não se excluem. Os fiéis não estão colados aos arquivos e aos regulamentos históricos das celebrações rituais de épocas passadas. Um ritual tem o seu contexto.Na prática sacramental e na teologia, temos questões sem resposta suficiente e questões inúteis que não precisam de resposta".
Bento Domingues, in Público, 13.11.2005

quinta-feira, 13 de outubro de 2005

"Sempre o mesmo e os mesmos"

Num blogue relativamente recente, EcleSALia,, este texto de Jon Sobrino "Las víctimas de octubre", sobre as vítimas do furacão em El Salvador:

" En El Salvador siempre hay mártires que recordar. Ahora nos acercamos a los de la UCA en noviembre, a las cuatro religiosas norteamericanas en diciembre y a los innumerables mártires de siempre. Pero este mes de octubre ha traído otras víctimas, producto de la naturaleza -tormenta y erupción de un volcán- y de la iniquidad de los humanos. En San Marcos toda una familia, papás y tres niños, murió soterrada. El comentario que se oyó fue lacónico y certero: ?No los ha matado la naturaleza, sino la pobreza?.
Sobre estas víctimas y sus responsables, sobre lo que nos exigen y también sobre lo que nos ofrecen -si nos abrimos al misterio de la vida- queremos hacer unas breves reflexiones.
1. ?Siempre lo mismo y los mismos?. El pueblo crucificado. Las escenas de sufrimiento y crueldad son sobrecogedoras, y la magnitud es escalofriante. Los muertos son más de 70, los damnificados, de una u otra forma, pasan de 70,000, y los daños materiales pueden ser lo equivalente a tres o cuatro veces el presupuesto nacional. La catástrofe se extiende a México y Nicaragua, y sobre todo a Guatemala. El poblado de Panabaj ha sido declarado camposanto: unas 3,000 personas murieron soterradas. ?Una aldea maya yace bajo 12 metros de lodo?, decía la noticia. Al escribir estas líneas ha ocurrido el terremoto en Cachemira: 30,000 víctimas y dos millones y medio de damnificados.(...)".
Continuar a ler AQUI.

terça-feira, 11 de outubro de 2005

Os pobres

Da coluna "Palavras", de Manuel António Pina, no JN de hoje:

"No meu tempo de menino tínhamos pena dos pobres. Eles cabiam naquele lugarzinho menor, carentes de tudo, mas sem perder humanidade. Os meus filhos, hoje, têm medo dos pobres. A pobreza converteu-se num lugar monstruoso. Queremos que os pobres fiquem longe, fronteirados no seu território." A passagem é de um conto de Mia Couto e ocorreu-me quando Rui Rio, durante a recente campanha autárquica, foi insultado e ameaçado nos bairros camarários por onde andou.
Sempre me intrigou o motivo por que os cães ladram aos pobres (curiosamente também ladram às fardas, o que, convenhamos, complexiza o problema). É o que nós temos vindo a fazer à pobreza, ladrar-lhe, empurrando-a progressivamente para periferias onde não a possamos ver ou encerrando-a em "bairros sociais" e em guetos étnicos de cuja existência só nos apercebemos pelos casos de polícia dos jornais ou pelos "safaris" eleitorais dos políticos de quatro em quatro anos. Porque a pobreza mete-nos medo. E, para nos protegermos dela, reclamamos mais polícias nas "nossas" ruas, mais câmaras de vídeo, mais muros e fechamo-nos em casa atrás de portas chapeadas a aço e de alarmes. E, no entanto, alimentamo-nos da pobreza, é o seu sangue que move os nossos carros topo de gama e as nossas fábricas e é à sua sombra que florescem os nossos paraísos de consumo.
Por isso, fechar os olhos não adianta. O desemprego, a toxicodependência, a exclusão, a humilhação continuam lá, e, como Rui Rio descobriu da pior maneira, dispostos a pedir-nos contas".

quarta-feira, 28 de setembro de 2005

Irmão Alois de Taizé

De um artigo de Henri Tincq, hoje publicado no jornal Le Monde:

"(...) Frère Alois est l'un de ces enfants de Taizé, comme on dit au cirque qu'il y a des enfants de la balle. A 16 ans, il y vient pour la première fois et apprend le français dans les psaumes. "J'ai découvert à Taizé, dit-il, la simplicité d'une prière chantée". A 20 ans, il prend l'habit, à 24, fait ses voeux définitifs : "La présence de Dieu ici est une réalité qui se voit partout. Je sentais qu'il me prenait tout".
La même année 1978, Alois Löser est en voyage avec Roger Schutz à Nairobi (Kenya), où ils partagent la vie d'un bidonville, puis à Johannesburg (Afrique du Sud), où le prieur de Taizé a été appelé par Desmond Tutu à témoigner contre l'apartheid. C'est là que Roger désigne Alois comme son successeur. Pendant vingt ans, le secret sera gardé. Ce n'est qu'en janvier 1998, lors du conseil annuel, qu'il demande à ses cent frères d'ouvrir une lettre cachetée qui n'aurait dû être lue qu'après sa mort, dévoilant le nom d'Alois.
Que Frère Roger ait jeté son dévolu, si tôt, sur ce jeune homme de 24 ans ­ qui avait alors pour seul mérite de venir d'une famille émigrée de Sudètes dans la Tchécoslovaquie d'avant-guerre ­ et qu'il n'ait jamais varié, personne ne l'explique, mettant ce choix au compte du don de prescience de tous les mystiques. On pense au récit biblique où Dieu va chercher le plus humble des douze fils de Jessé pour succéder au roi Saül et en faire le grand David.
Agaçant Taizé. Cette façon, depuis la fondation, en 1940, de ne jamais rien faire comme les autres. De réussir une succession sans drame, à l'heure du plus grand drame. Cette certitude intérieure des frères qui leur met toujours le sourire aux lèvres, mais qui ne ressemble jamais à de l'arrogance. Cette façon de cacher même leur identité confessionnelle, de sembler ignorer les jeux du pouvoir et de l'ambition et de se laisser conduire par le seul lexique des mots de "confiance", "bonté" , "simplicité" , "fidélité" . Cette façon, enfin, d'exprimer leur foi qui a passé toutes les modes et les générations depuis soixante ans et attire encore des jeunes du monde entier, venus chercher un sens ou une consolation, un secours et un peu d'amour.
C'est peut-être cela qui a suscité l'appel, précoce et mystérieux, d'Alois Löser. Cet homme est un roc, symbolique de la force tranquille de Taizé, de cette assurance que sa propre aventure le dépasse, qu'il est conduit par un autre que lui-même : "Laisser faire Dieu. Croire qu'il est là dans l'histoire du monde, comme dans celle de notre communauté."(...)

segunda-feira, 26 de setembro de 2005

A global church in a globalized world
John L. Allen ,
Newsletter The Word From Rome, 23.09.2005
National Catholic Reporter

(...)
Let me offer a few rather random facts and figures about global Catholicism, and try to tease out a few implications. This is by no means a comprehensive survey, merely some basic data and observations that I hope will be useful for further conversation.

1) American Catholics
The 67 million Catholics in the United States represent 6 percent of the global Catholic population of 1.1 billion. We are the fourth largest Catholic country in the world, after Brazil (144 million), Mexico (126 million), and the Philippines (70 million).
Despite impressions of a rocky relationship with the Vatican, much of the rest of the Catholic world believes the American church already gets too many strokes from Rome. For example, we have 6 percent of the population, but 12 percent of the bishops in the Catholic church and 14 percent of the priests. In fact, the United States has more priests by itself than the top three Catholic countries combined (41,000 in the U.S. to 37,000 in Brazil, Mexico and the Philippines).
As another index, we have 13 cardinals (11 of whom are "electors," meaning under 80 and hence eligible to vote for the pope), as opposed to Brazil, with 8 cardinals (4 electors), Mexico, with 5 cardinals (4 electors), and the Philippines, with 2 cardinals (1 elector). In the last conclave, American votes counted for more than Mexico, Brazil, and the Philippines combined, 11 to 9. (Those three countries represent a block of 340 million Catholics, more than 30 percent of the global total). American votes also outnumbered all of Africa (10 electors).

This context is important to keep in mind when American Catholics wonder why Rome seems to be slow to respond to our crises and needs. From the point of view of many in the Catholic church, America has been at the top of the heap for too long.

2) The Global South
Africa: Africa in the 20th century went from a Catholic population of 1.9 million in 1900 to 130 million in 2000, a growth rate of 6,708 percent, the most rapid expansion of Catholicism in a single continent in 2,000 years of church history. Thirty-seven percent of all baptisms in Africa today are of adults, considered a reliable measure of evangelization success since it indicates a change in religious affiliation. The worldwide average, by way of contrast, is 13.2. Islam in Africa grew equally dramatically in the same period; today there are 414 million Muslims in Africa. These numbers will continue rising, since Africa has one of the world's most dramatic rates of population growth. Along with the rapid expansion in Catholic population has come an explosion in African bishops, priests, brothers, sisters, and deacons. There are today more than 600 African bishops and almost 30,000 priests, and Africa and Asia each number approximately 30,000 seminarians. In 2004, roughly 20 priests were ordained for all of England and Wales, while Nigeria alone ordained more than 200.
Asia: Asia went from 11 million Catholics to 107 million, a growth rate of 861 percent. Much of this growth, however, is accounted for by demographics rather than conversions, above all in the Philippines. There are only about 37 million Catholics in all of Asia outside the Philippines. (A reported 13 million are in China). Pope John Paul II defined Asia as the great missionary horizon of the church in the 21st century, and that ambition certainly has something to do with the importance attached by the Holy See to diplomatic relations with China. Given the obvious stirrings of spiritual interest in China, and the reality that there is no dominant religious institution in the country, some China-watchers believe an opening on religious liberty could be followed by a rapid burst of Christian expansion. If there are 13 million Chinese Catholics today, there could be 100 million within a couple of generations. Further, just as Latin America set the theological tone for the church in the 1980s with the Liberation Theology movement, today Asian theologies of religious pluralism, reflecting on how Christianity should understand the role of religious diversity in God's providence, set the agenda. We'll come back to this later.

Latin America: Latin America is home to roughly half the world's Catholics, at 520 million. Four of the ten largest Catholic countries in the world are in Latin America: Brazil, Mexico, Colombia and Argentina. Despite its youth and dynamism, the church in Latin America is in some ways under siege, facing pressure from the so-called "sects.," aggressively missionary neo-Protestant movements, often charismatic and Pentecostal. Guatemala, for example, was 95 percent Catholic a generation ago; today it is 60 percent. Peru was 97 percent Catholic at the time of a 1992 national census; in 2002, the figure was 75 percent. Similar figures could be repeated in many other nations. While some observers argue that many of these conversions are either transient or incomplete, pointing to the phenomenon of the "Guadalupe Protestant" (i.e., a evangelical who still takes part in Guadalupe festivals, prays the rosary, and so on), the evidence seems to be that most Latin Americans who became evangelical at least a decade ago have remained in an evangelical church rather than returning to Catholicism.

There's a strong sense among many Latin American Catholics that their time is coming to offer leadership to the universal church. In effect, the runner-up in the conclave of 2005 was a Latin American, Cardinal Jorge Mario Bergoglio of Argentina, and many cardinals believe the Latin Americans will be strong runners the next time around.

Summary: Philip Jenkins estimated in The Next Christendom that by 2050, only one-fifth of the world's Christians will be non-Hispanic Caucasians. Increasingly, power and influence in global Christianity will shift with population. Manila and Nairobi and Abuja will be, in a sense, what Leuven and Paris and Milan were for much of church history, i.e., the leading centers of intellectual and pastoral energy in the church. Leadership will come from these regions, and the issues of concern to the South will increasingly become the priorities of the global church.

3) The Middle East
This is a small, but politically and theologically important, constituency. There are roughly 2.1 million Catholics in union with Rome in the Middle East, with the largest groupings in Lebanon, Syria, Iraq, and the Holy Land. These populations are in decline, as the pressures of the Intifadah, economic stagnation, and the rise of Islamic radicalism are driving them away. Today there are more Palestinian Christians in Australia, for example, than in Palestine. In the town of Bethlehem, the proportion of the population which is Christian has dropped from 80 percent before 1948 to less than 33 percent today. There is considerable alarm that the out-migration of Chaldean Christians from Iraq will accelerate due to fears about weak religious freedom provisions in the country's new constitution. It is almost impossible to overestimate the importance of these trends for understanding the foreign policy of the Holy See. At the symbolic level, the idea that the land of Christ might be empty of Christians, that the holy sites might become museums (like Hagia Sophia in Istanbul) is a subject of deep psychological alarm. Practically, the Holy See worries that if Christianity disappears from the Arab world, then a value bridge between the West and Islam will be lost. Hence while their numbers may be small, the fate of Arab Christians looms large in the imagination of Vatican policy-makers.

1) Europe
Europe claims 283 million Catholics, but in many places the practice of the faith is relatively inert; in countries such as Belgium, France and Holland, for example, rates of weekly Mass attendance dip as low as five percent. This is true for all the traditional Christian denominations. There are now more Muslims who go to Mosque on Friday in Great Britain, for example, than Anglicans who go to church on Sunday. Europe's fertility rates are also dropping; the lowest rates in human history, roughly 1.2 percent, have been recorded in Italy and Spain, traditionally Catholic nations. As one small but significant window into the historic shift underway, it's worth pointing out that today there is only one actual Roman among the 181 members of the College of Cardinals, retired 88-year-old Cardinal Fiorenzo Angelini. In the conclave of April, not a single Roman cast a vote, despite the fact that historically the College of Cardinals is supposed to represent the clergy of Rome. That point alone symbolizes the gradual de-centering of Italy, and of Europe, underway in the Catholic church.

In Eastern Europe, by way of contrast, rates of Mass attendance and vocations are generally higher, outside the Czech Republic and former Eastern Germany, where Soviet-era atheism made its greatest inroads. In some places in Eastern Europe, such as Ukraine, Catholic communities are experiencing a Renaissance, related to the sensation of having survived the Soviet period with new confidence and a sense of mission.

Themes from the South
Given this overview, one point seems clear: in the Catholicism of the 21st century, the global south, perhaps especially Africa and the Philippines, will play increasingly important roles in setting the global agenda. As this shift unfolds, as the voice of the south is heard, what themes are likely to emerge? Without any pretense of being comprehensive, here are five:

Inculturation: Catholicism is one faith, but it has to be expressed through many cultures. Striking the right balance between unity and diversity will be a defining challenge in the church of the future, especially as a faith incubated in Europe and the West continues to expand and come of age in cultures with very different attitudes, instincts and modes of expression. Generally speaking, theologians and prelates from the developing world will push for greater freedom to adapt Eurocentric models of worship and doctrinal expression of the Western church to their own circumstances. Further, as immigration and cultural mobility increasingly bring the South to the doorstep of the West, the patterns of thought, life and worship of the South will more and more be part of the warp and woof of the church everywhere. Liturgy is one arena in which this tension will work itself out. These trends may push the envelope in terms of Western sensibilities. In general, southern Christianity tends to be more spontaneous, with a much more lively sense of the supernatural - healings, visions, prophecies, possessions and exorcisms, and so on. African worship in particular tends to be heavily charismatic. As Roman Catholicism in the future speaks with an African and Hispanic accent, it will also speak in tongues.

Poverty/Globalization: During the daily General Congregation meetings that led up to the conclave in April, several African cardinals gave moving interventions pleading with the next pope, whoever it would be, to put the struggle against poverty and chronic under-development at the top of the church's agenda. For many African Christians, the defining issues for the church are not the usual topics in the West -- birth control, women in the church, theological dissent, and so on. African Catholics will of course have different views on these questions, but by and large the overwhelming majority of Southerners regard them secondary. The truly urgent matters, they tend to believe, are poverty, war, the arms trade, HIV/AIDS, and structural reform of the international economic system. Hence as the South comes of age in the church, its focus will to some extent be increasingly ad extra rather than ad intra.

Religious Pluralism: There's a sense in which Asian Catholicism is to the Catholic church today what Latin America was in the 1970s and 1980s, that is, the frontline of the most important theological question of the day. In Latin America, the debate was over liberation theology, and more broadly, the proper relationship between Christianity and politics. Today, it's over what theological sense to make of religious diversity, meaning whether or not we can say that God wills religious diversity, and if God does will it, what does that do to Christianity's missionary imperative? In Asia, the social reality of Christianity as a tiny minority surrounded by millennia-old religious traditions such as Hinduism and Buddhism makes this an urgent, and inescapable, theological challenge. Virtually all the major cases and documents that have come through the Congregation for the Doctrine of the Faith in the last decade and a half, from Tissa Balasuriya to Jacques Dupuis to Dominus Iesus to Roger Haight, have pivoted on these fundamental questions. In the years to come, we can expect the question of Christian teaching about other religions to increasingly occupy the center of the research agenda in Catholic theology.

Traditional Sexual Morality: Catholics in the developing world tend to hold traditional views on matters of the family and sexual morality -- homosexuality, gender, and so on. As the South comes of age, the Catholic church will be proportionately less likely to tolerate liberal positions on these questions. For a point of comparison, consider the debate within the Anglican Communion after the consecration of an openly gay bishop in the United States. Anglicans worldwide number 76 million, but that includes 26 million in the Church of England, only 1.2 million of whom are regular communicants. Meanwhile, there are 17.5 million Anglicans in Nigeria and 8 million in Uganda, and in both places the vast majority is active. More than half the global membership of the Anglican Communion is today non-Western. Episcopalians in the States are only 2.4 million. The African bishops have declared that they are not in "full communion" with the Episcopalians, and some predict a formal schism.

Consider this comment, made just two weeks at a Sant'Egidio conference in Lyon, France, by Bishop Sunday Mbang, chairperson of the World Methodist Council: "I and many African Christians are always at a loss to comprehend the whole issue of human sexuality. What really informed the idea of same-sex marriage among Christians? What is the authority for this rather depraved new way of life? Then there is the issue of this same people, who have voluntarily excluded themselves from procreation, a gift given to all men and women by God, adopting other people's children. What moral right have they to do so? Why should people who do not desire to have children go after other people's children?"

Some suggest that as Africa develops economically, more relativized secular attitudes on sexual morality will take hold there as they have in much of the West. Archbishop John Onaiyekan of Abuja, Nigeria, told me some time ago that he finds this a patronizing Western conceit, as if to say, "Once the Africans get out of their huts and get some education, they'll think like us." He predicts that if anything, as Africa's self-confidence and development levels grow, it will become bolder about asserting its moral vision on the global stage.

Islam: Western Catholics, with a few well known exceptions, tend to emphasize dialogue and welcome with respect to Islam. Many Catholic bishops in the South, especially Africa, take a harder line, insisting that the church must stand up for itself in situations of conflict, especially in states where Islam is in the majority and seeks the application of Islamic law. This is likely to press the Catholic church towards a more cautious stance with respect to Islam, especially around issues of reciprocity -- that is, the obligation of Islamic states and regions to reciprocate the religious freedom and the protection of law offered to Islamic minorities in the West. Phenomena such as the $65 million Mosque in Rome, the largest in Europe, while the one million Christians in Saudi Arabia cannot legally import Bibles, will be less likely to pass under silence within church circles. We saw movement in that direction during Pope Benedict XVI's meeting with Muslims in Cologne, Germany, during World Youth Day, where he stated bluntly that a country that does not respect religious freedom is not worthy of the name "civilization," effectively suggesting that Muslim nations under shariah are not fully civilized. The rise of the South will increasingly push this sort of reflection about the relationship with Islam to the top of the church's agenda.

Summary
These realities already are at work shaping the contours of Roman Catholicism. In many ways, they promise exciting times, as fresh voices are heard in Catholic debate and new energy pushes the church forward in theological exploration, in social engagement, and in spiritual expression. It's analogous in some ways to the early Christians encountering the Greco-Roman world, or the Christianity of the late Roman Empire adjusting itself to the rise of the Barbarian tribes, or the impact on Christian consciousness of the discovery of the so-called "New World" in the 15th and 16th centuries. We are living through another of those geological transitions in church history where the plates are realigned, giving rise to new ecclesial topography.


At the same time, there's one dimension to this transition which needs to be faced honestly. Westerners, and perhaps Americans most of all, will have to face the simple fact that in this globalized church, their issues and concerns will, more and more, not set the agenda.

One kind of American Catholic, for example, might propose a different set of priorities for the church of the future, especially in the wake of the sexual abuse crisis: greater accountability for bishops, empowerment of laity, democratic and transparent procedures of administration, and a review of some questions of sexual morality. This should not be read to suggest that only Americans are concerned with these matters, or that all Americans are, but rather that Americans are proportionately more likely to rate these as top priorities than Catholics in some other parts of the world.

Without drawing conclusions on the merits, the plain truth is that most of these points are unlikely to be driving issues for the global church of the 21st century. In my experience, they do not come up much when you ask Africa, Asian and Latin America leaders about the key challenges facing the church. This does not mean Catholics from the South always oppose these things; in fact, Asian bishops, to take one example, are known for their relatively democratic and transparent style, and often think Rome could do with a little more of it. In general, however, they don't spend a great deal of time thinking in these terms.

Understanding how the rest of the Catholic world sees things is critical to effective communication. To give a concrete example, I recall vividly in April 2002, when John Paul II summoned the American cardinals to Rome, how astonished American reporters who followed them were to discover that from the point of view of many in the Vatican, the big religion story that spring was not the American sex abuse crisis, but the Israeli/Palestinian standoff at the Basilica of the Nativity in Bethlehem. (It was a discovery all by itself that the sex abuse story was not on the front pages of Italian papers). There was a sort of crash-course that went on over those 48 hours; Vatican officials finally grasped the pressure-cooker media environment the American bishops had been dealing with, and at least some reporters got a window into what the American bishops were up against.

The bottom line is that in a globalized church, America's sense of what's important, which issues need immediate engagement and which can wait, what the pope ought to be thinking about when he gets out of bed in the morning, will increasingly yield pride of place.

This reality will pose a challenge to the "catholicity" of some American Catholics. How willing are we to see ourselves as part of a worldwide family of faith, even if things don't go the way we believe they should? To what extent can we accept that Roman Catholicism is a maddeningly complex welter of different, and at times competing, cultures, theological schools, political agenda and private instincts, the interplay among which always involves compromise, disappointment, and frustration? Can we bring ourselves to accept that the church before our eyes will probably never be the church of our dreams, and perhaps that's for the best, since our own dreams are always more limited than those of the entire communion spread across space and through time?

These are complicated, difficult questions, and thank God I'm not paid to have answers to them. I look forward to discussing them with you."

domingo, 11 de setembro de 2005

Diálogo das religiões

Depois de Fr. Bento Domingues ter defendido hoje, no congresso "Deus no séc. XXI - o futuro do cristianismo", em Valadares (V. N. Gaia) um concílio das religiões, a realizar no horizonte de dez anos, o teólogo espanhol Juan Jose Tamayo sugere hoje, no diário El País, que o Diálogo de Civilizações, uma ideia apresentada no ano passado à Assembleia Geral das Nações Unidas pelo chefe do Governo espanhol, não pode esquecer o Diálogo das Religiões. Eis a justificação avançada:

"1. Las religiones constituyen el núcleo duro de las culturas y de las civilizaciones, y con frecuencia son las más resistentes al diálogo. Dentro de ellas han nacido y se han desarrollado los distintos fundamentalismos, que se declaran en guerra contra la modernidad, la secularización, la laicidad y el pluralismo religioso y cultural, al tiempo que se convierten en una grave amenaza para la convivencia cívica. La historia demuestra que las religiones en su mayoría se han sentido más cómodas en regímenes dictatoriales, a los que han legitimado de distintas formas, que en Estados laicos, cuyo derrocamiento han apoyado no pocas veces. La organización interna de las religiones no se caracteriza por los hábitos democráticos ni por el reconocimiento de los derechos humanos. Todo lo contrario: casi todas se estructuran de manera jerárquico-piramidal y se configuran como verdaderas "patriarquías".
Se ha acusado a las religiones, y creo que con razón, de fomentar actitudes violentas entre sus seguidores, convertidos con frecuencia en "cruzados", e incluso de haber sido fuentes de violencia. Para ello no hay más que acudir a sus textos sagrados. La Biblia hebrea, afirma Norbert Lohfink, es uno de los libros más llenos de sangre de la literatura mundial. Hasta mil son los textos que se refieren a la ira de Yahvé que se enciende y castiga con la muerte. En la Biblia cristiana, observa el mismo autor, el acontecimiento central es la monstruosa acción sangrienta del asesinato de Jesús de Nazaret, donde aparece también la imagen de un Dios sanguinario, al menos de manera indirecta, en la interpretación que algunos textos ofrecen de la muerte de Cristo. Muchas imágenes del Corán sobre Allah no son menos violentas que las de la Biblia judía y la cristiana. El Allah de Muhammad, como el Yahvé de los profetas, se muestra implacable con los que no creen en él. Las religiones se han manifestado también contra la libertad religiosa, hasta imponer la pena de muerte a los apóstatas, en clara contradicción con el Dios de la vida en quien dicen creer, y a favor de la discriminación de los seres humanos en función de sus creencias.
Las tradiciones religiosas que incitan a la violencia o la justifican, y las que discriminan a las mujeres y a los no creyentes no pueden imponerse como normativas a sus seguidores, sino que deben ser excluidas de las prácticas de las religiones, así como del imaginario colectivo de la humanidad. Ello exige llevar a cabo una interpretación de los textos sagrados desde la perspectiva de los derechos humanos.

2. Pero las religiones tienen su polo positivo. Son uno de los caudales culturales más preciados de la humanidad y una fuente inagotable de sabiduría. En ellas se encuentran algunas de las grandes preguntas antropológicas y cósmicas que el ser humano se ha planteado desde los orígenes de la humanidad, preguntas sobre el sentido o sinsentido de la vida, sobre el origen y el futuro del universo, y otros tantos intentos de respuesta, que han contribuido al desarrollo del pensamiento en sus diferentes modalidades: mítico, filosófico, científico, simbólico, etcétera. El espíritu religioso, decía Ernst Bloch, es algo más que ideología y alienación; es la manifestación más intensa y radical de la esperanza: "Donde hay esperanza, hay religión". Lo que define a las religiones es la relación directa, personal y gratuita con la divinidad o con las divinidades y la solidaridad con el prójimo. Ellas cuentan con importantes tradiciones pacificadoras y con personalidades comprometidas en la lucha no violenta por la paz y los derechos humanos: Buda, Confucio, Jesús de Nazaret, Francisco de Asís, Gandhi, Luther King, Dalai Lama, Shirim Ebadí, Ellacuría, etcétera.

3. El choque de civilizaciones y la guerra de religiones no pueden convertirse en leyes de la historia. Son, más bien, una construcción ideológica del Imperio para mantener el poder sobre la humanidad y, si nos descuidamos, sobre las conciencias de todos los ciudadanos. El Imperio considera al Dios judeo-cristiano como aliado suyo y al cristianismo como su religión, mientras que califica al islam como la civilización menos tolerante de las religiones monoteístas. La alternativa no puede ser otra que el diálogo entre religiones, pues "sin diálogo, el ser humano se asfixia y las religiones se anquilosan" (Raimon Panikkar). Y ello por varias razones. La primera procede de la historia de las religiones, que muestra la pluralidad de manifestaciones de lo sagrado, de lo divino y del misterio. La segunda emana de la filosofía, que muestra el carácter dialógico del conocimiento y de la razón: ésta es comunicativa, no autista. La tercera tiene su base en el enfoque intercultural: ninguna cultura ni religión poseen la verdad plena y en exclusiva; hay que buscarla juntamente. El diálogo interreligioso, en cuarto lugar, constituye un imperativo ético para la supervivencia de la humanidad, la paz en el mundo y la lucha contra la pobreza. En torno a 5.000 millones de seres humanos están vinculados a alguna tradición religiosa y espiritual; si se ponen en pie de guerra, el mundo se convertiría en un coloso en llamas, pero si se comprometen con la paz y la justicia, la humanidad será más justa y pacífica. Por eso, la Alianza de Civilizaciones, el Diálogo Interreligioso y la Alianza contra la Pobreza son propuestas complementarias".
Ser Pessoa

"Ser pessoa é ter curiosidade, é reagir às coisas, é ter uma posição perante as situações, é precisamente não renunciar".

Lúcia Sigalho, actriz e encenadora
Entrevista a Maria Inês de Almeida, in Pública, 11.9.2005

terça-feira, 6 de setembro de 2005

Uma lição de humildade
José Vítor Malheiros
Público, 6.9.2005

Não é preciso ser um religioso fundamentalista nem sequer ver no furacão Katrina a mão de Deus para constatar que ele constituiu para os Estados Unidos uma lição de humildade.
Uma lição de humildade perante a força dos elementos, que tornam evidente que mesmo para a nação mais poderosa da Terra não é sensato prescindir da ajuda internacional, mas também uma lição de humildade perante as violentas lacunas da organização social americana e perante a miséria preexistente que o desastre tornou dolorosamente visível.
Nos últimos dias, o mito nacionalista americano e o seu culto da competição, da força e da violência sofreu um banho de realidade e ouvimos multiplicar-se os apelos à entreajuda, à dádiva e à cooperação. Será sol de pouca dura, mas pode ser que as necessidades pungentes que o Katrina revelou ou originou deixem ficar algo destes apelos nos corações e nas mentes dos americanos.
2. Se as imagens que as televisões nos mostram lembram as de um país do terceiro mundo afectado por uma catástrofe natural é porque nos Estados Unidos existe um enorme país do terceiro mundo acocorado em torno das suas ilhas de sucesso.
Os EUA gostam de medir o vigor da sua sociedade pelos seus sucessos - incontestavelmente imensos. Mas se o critério incorporar alguma noção de justiça, a qualidade de uma sociedade tem de se medir pela extensão da sua pobreza e da sua violência tanto ou mais do que pelos êxitos científicos ou pela sofisticação das suas classes abastadas.
(...)

sábado, 3 de setembro de 2005

Por outras palavras
Manuel António Pina
Jornal de Notícias, 1 de Set. 2005

Provavelmente, está tudo dito. Mesmo o sentimento da ociosidade e da inutilidade das palavras é uma sensação infinitamente cansada. E, no entanto, temos que dizer tudo de novo todos os dias, de juntar os pedaços dispersos do mundo e, com eles, descobrir para nós um lugar do nosso tamanho ou, ao menos, uma forma de sentido para aquilo a que chamamos a nossa vida. E, para isso, tudo o que temos são palavras. O que sabemos palavras; o que sonhamos: palavras; o que sentimos: palavras; e a nossa própria boca que fala é, também ela, só uma frágil e insegura palavra. O cronista é filho de Cronos, o tempo que passa, e a crónica vive o mesmo redundante destino do jornal que, como os velhos tipógrafos diziam, no dia seguinte serve apenas para embrulhar peixe (e que outro destino tem tudo senão o esquecimento?). Está então o cronista diante do mundo e de si próprio. E só pode repetir (na melhor das hipóteses por outras palavras, donde o título genérico destas crónicas) aquilo que cada homem imemorialmente repete: o amor e a morte, o medo e a esperança, a alegria e a decepção. Acontece assim nos sonhos. Temos medo e sonhamos com a esfinge. A verdade, porém, não é a esfinge, a verdade é o medo; a esfinge é só a imprecisa forma do nosso medo. Também a crónica aqui falará, a partir de hoje, de gente, de factos, de acontecimentos, mas o que dirá é outra coisa. E essa coisa é que é a verdadeira.

quinta-feira, 25 de agosto de 2005

"Santo subito"

Repercutindo o desejo já manifestado pela Helena, do 2 Dedos de Conversa, parece que no funeral do Irmão Roger também se manifestou a vontade de que ele seja declarado "santo subito":
Le cercueil de bois clair a ensuite été porté par des frères à travers la foule qui avait suivi les funérailles sur écran géant. Les bras se sont tendus pour le toucher. Sur une pancarte, était écrit: "Santo Subito ("Saint tout de suite") Frère Roger". (La Croix)
Quem conhece os dias que virão, quando as fronteiras que delimitam os horizontes das almas puderem ser franqueadas sem a sensação de se poder estar a pisar uma terra alheia?
E em que consiste hoje ser santo, depois das fornadas de João Paulo II?

quinta-feira, 18 de agosto de 2005

Como por uma fonte

Quando passou por Taizé, há duas décadas, o Papa João Paulo II disse que se passava por lá como por uma fonte: o caminhante refresca-se e continua o seu caminho.
António Marujo, in Público, 18.Agosto.2005

quarta-feira, 17 de agosto de 2005

Irmão Roger



Foto de Dez.2002 - AFP/MARTIN BUREAU

Faz, dentro de dias, 65 anos que um jovem suiço, então com 25, chegou de bicileta à aldeia de Taizé, no Sudeste de França. Uma idosa ter-lhe-á dito: "Fica aqui connosco. O inverno é longo e estamos para aqui isolados". E foi ali que ganhou forma esse espaço único, verdadeira "parábola da fraternidade e da esperança". Prova de que o que une as confissões cristãs (e todas as pessoas de boa vontade) é muito mais do que aquilo que as separa.
Luminosidade, acolhimento, serenidade. Dificilmente se fica indiferente à qualidade do encontro, da oração. Tudo transcende, de longe, o que ali se passa.
O Pedro e a Teresa foram os que mais próximos estiveram dele, na semana que lá passámos em finais dos anos 80. Quando pouco depois da uma da manhã de hoje lhe telefonámos a dar-lhe a notícia, comentou que provavelmente este martírio vai tornar ainda mais forte e pregnante o sonho de unidade, justiça e paz que sempre animou Roger Schutz. O Irmão Roger.

quarta-feira, 20 de julho de 2005

Cabecinhas pensadoras
Joaquim Fidalgo

in Público, 20.7.2005

Eles autodenominam-se grupo "Pensar Bem", e que bem que eles pensam! Pensam tão bem e tanto que as suas próprias cabeças não lhes chegam para pensar: até querem pensar pela cabeça dos outros. Porque os outros, claro, não pensam bem. Os outros pensam mal. Os outros, a bem dizer, se calhar nem pensam: têm (diz o grupo que "pensa bem") muita confusão naquelas cabecinhas, e, se ouvem umas ideias mais frescas, ainda com mais confusão ficam. O que lhes vale, então, é que os tais do Pensar Bem decidem pensar por eles... Mais: decidem mesmo decidir por eles, porque os que não pensam bem também não decidem bem, coitados, precisam de mentes iluminadas que lhes indiquem os supostos caminhos do Senhor - caminhos que só eles, os do Pensar Bem, autenticamente conhecem. Confuso?...Vamos por partes. Numa recente entrevista ao PÚBLICO, o padre Vítor Feytor Pinto admitiu que, em circunstâncias excepcionais, o uso do preservativo se justificaria: quando se tratasse de, por exemplo, impedir a propagação da sida, ou seja, quando se tratasse de não matar (porque a sida, não sei se sabe quem pensa bem, mata). É o mínimo que se pode defender, não é?... E, embora a Igreja "oficial" continue avessa a todas as excepções - insistindo na solução da abstinência e, assim, pregando aos peixes -, o certo é que a opinião do padre Feytor Pinto não é exactamente uma voz isolada. Outras (poucas...) vozes da hierarquia católica têm revelado esse mínimo de abertura que decorre do mais elementar bom senso e de um genuíno amor à vida. Esperar-se-ia que todos os cristãos com o mesmo bom senso e genuíno amor à vida concordassem.Mas não. Nem todos. O tal grupo que se intitula Pensar Bem acha que não, que isso... nem pensar! Vai daí, pôs a circular na Net (o jornalista António Marujo contou aqui a história, no último fim-de-semana) uma carta de denúncia dos "desvios" do padre Feytor Pinto, apelando a que o maior número possível de pessoas a subescrevesse e enviasse para o Vaticano (eram até fornecidos os e-mails), decerto para ver se Roma puxa as orelhas a este seu (in)fiel e, eventualmente, o excomunga - que a coisa não deve ser para menos.Os tais do Pensar Bem têm "muita pena" que o padre Feytor Pinto tenha proferido aquelas "afirmações controversas", pois elas "podem suscitar confusão em muitas consciências, já bastante confusas" ou "até encaminhá-las por sendas gravemente erradas". Lá está: aquelas cabecinhas pensadoras estão preocupadíssimas com o facto de algum cristão poder, a certa altura, considerar a hipótese de usar um preservativo para impedir a transmissão da sida! Onde é que isto já se viu e onde é que isto vai parar... Se começa tudo a pensar pela sua cabeça e a decidir o que acha melhor, é o caos!Ah, o padre Feytor Pinto também disse que é difícil considerar criminosa uma mulher que, tendo engravidado na sequência de uma violação, e não tendo sido capaz de encontrar outra saída para o seu drama, decida interromper a gravidez. Imagine-se o despautério do clérigo... Pensando bem, à fogueira com ele!

terça-feira, 28 de junho de 2005

El filósofo paseaba por los campos cuando encontró en el río a un pescador muy atareado.
-¿Qué haces, buen hombre? -le preguntó.
-Echo las redes.
-¿Para qué?
-Para pescar.
-¿Para qué quieres pescar?
-Para vender el pescado.
-¿Para qué quieres venderlo?
-Para obtener algunas monedas.
-¿Y para qué quieres el dinero?
-Para comer.
-¿Pero, para qué quieres comer?
-¡Para vivir señor, para vivir!
-¿Pero para qué quieres vivir...?
El pescador se quedó perplejo, y enmudeció.
-¿Para qué quieres vivir ?- insistió el filósofo.
El pescador caviló unos momentos y al fin respondió:
-Para pescar.

Giovanni Papini

segunda-feira, 6 de junho de 2005

"Que venho procurar a Taizé?"
Pau Ricoeur (1925-2005)
cit. por Bento Domingues, in Público, 2.6.2005

"Que venho procurar a Taizé? Eu diria uma espécie de experimentação com aquilo em que acredito mais profundamente, nomeadamente que aquilo a que geralmente se chama religião tem que ver com bondade. Isto está um pouco esquecido, em particular em várias tradições do cristianismo. Quero dizer que há uma espécie de restrição, de fechamento na culpabilidade e no mal. Eu não subestimo de forma nenhuma este problema, que muito me ocupou durante várias décadas. Mas aquilo que, de alguma forma, tenho necessidade de verificar é que, por muito radical que seja o mal, não é tão profundo como a bondade. E se a religião, as religiões, têm um sentido, é precisamente o de libertar o fundo de bondade dos homens, de o procurar onde ele está completamente escondido. Ora, aqui em Taizé, eu vejo irrupções de bondade na fraternidade entre os irmãos, na sua hospitalidade tranquila, discreta e na oração onde vejo milhares de jovens que não têm nenhuma articulação conceptual do bem, do mal, de Deus, da graça, de Jesus Cristo, mas que têm um tropismo fundamental em direcção à bondade."
"Nós andamos sobrecarregados pelos discursos, pelas polémicas, pelo assalto do virtual; hoje há como que uma zona opaca, e existe esta certeza profunda a libertar, a resgatar: a bondade é mais profunda que o mal mais profundo. Não basta sentir isto. É preciso dar-lhe uma linguagem. A de Taizé não é a linguagem de uma filosofia nem de uma teologia. É a linguagem da liturgia. Para mim, a liturgia não é simplesmente uma acção. É um pensamento. Na liturgia encontra-se uma teologia escondida, discreta que se resume nesta ideia: "A lei da oração é a lei da fé.""
"Diria que a questão do pecado foi como que deslocada do centro por outra que é, sob determinado aspecto, ainda mais grave: pela questão do sentido e do sem-sentido, do absurdo. (...)
"Pertencemos à civilização que efectivamente matou Deus, isto é, que fez prevalecer o absurdo e o sem-sentido sobre o sentido. Eu penso que há nisso um protesto profundo (...) Em Taizé caminha-se do protesto para a atestação: o nada, o absurdo, a morte não são última palavra. Por aí voltamos à questão da bondade, que não é só uma resposta ao mal, mas também a resposta ao sem-sentido. O protesto situa-se ainda no pólo negativo: diz não ao não. O movimento do protesto para a atestação passa pela oração. Esta manhã os cânticos, as orações tinham a forma do vocativo: "Ó" no exortativo e na aclamação. Penso que aclamar a bondade é o hino fundamental."
"Gosto muito da palavra felicidade. (...) Ultrapassei, ou melhor dizendo aprofundei, o meu pudor em falar de felicidade. Tomo-o na variedade das suas significações. Diria que a fórmula da felicidade é esta: "Feliz aquele que..." Saúdo-a como um "re-conhecimento", nos três sentidos da palavra: reconheço-a como sendo minha, aprovo-a no outro e tenho gratidão por aquilo que dela conheci, essas pequenas felicidades, entre as quais as da memória para me curar das grandes desgraças do esquecimento.
"É precisamente aí que funciono simultaneamente como filósofo, alimentado nos gregos, como leitor da Bíblia e do Evangelho, onde se pode seguir o percurso da palavra felicidade, mas nesses dois registos. Porque o melhor da filosofia grega é a reflexão sobre a felicidade, a palavra grega eudeimon - falou-se do eudemonismo filosófico em Platão, em Aristóteles - e eu reencontro-me aí muito bem com a Bíblia. (...) As bem-aventuranças são o horizonte de felicidade de uma vida sob o signo da bondade, porque a felicidade não é simplesmente aquilo que não tenho, o que espero ter, mas também aquilo que saboreei."
"Reflectia recentemente sobre as três figuras da felicidade na vida. Diria que, em relação à criação - essa bela paisagem diante de mim -, a felicidade é a admiração. A segunda vem do reconhecimento dos outros e, no modelo nupcial do Cântico dos Cânticos, é o júbilo. A terceira está orientada para o futuro - eu ainda espero alguma coisa da vida - é a da "espectação", a da aspiração no sentido da 1Cor. 13 sobre a caridade: "aspirai, aspirai"..."
"Em Taizé vivi a ausência completa das relações de dominação. Tenho a impressão de que toda a gente obedece sem que ninguém comande. Daí a sensação de um serviço alegre, como dizer, da obediência do amor. É o contrário de uma submissão e o contrário de uma errância. (...) A comunidade não impõe um modelo intimidante, mas uma espécie de exortação amigável. (...) É a tranquilidade partilhada que para mim representa a felicidade da vida junto da Comunidade de Taizé."

segunda-feira, 30 de maio de 2005

De nada se sabe

La luna ignora que es tranquila y clara
Y ni siquiera sabe que es la luna;
La arena, que es la arena. No habrá una
Cosa que sepa que su forma es rara.
Las piezas de marfil son tan ajenas
Al abstracto ajedrez como la mano
Que las rige. Quizá el destino humano
De breves dichas y de largas penas
Es instrumento de otro. Lo ignoramos;
Darle nombre de Dios no nos ayuda.
Vanos también son el temor, la duda
Y la trunca plegaria que iniciamos.
¿Qué arco habrá arrojado esta saeta que soy?
¿Qué cumbre puede ser la meta?

Jorge Luis Borges
Publicado por J.Pacheco Pereira, no Abrupto

domingo, 15 de maio de 2005

Ter, ser, mostrar

Lembrei-me logo da minha avó Joana, que, não sendo plebeia, era muito sábia, e costumava dizer aos netos que "quem tem, não precisa de o mostrar; quem é, não precisa de o afirmar".
Helena Sacadura Cabral, DN, 15.5.2005

domingo, 1 de maio de 2005

"Has-de pôr os olhos em quem és"

"Empieza Don Quijote:
-Primeramente, oh hijo!, has de temer a Dios; porque en el temerle está la sabiduría, y siendo sabio no podrás errar en nada.
Lo segundo, has de poner los ojos en quien eres, procurando conocerte a ti mismo, que es el más difícil conocimiento que puede imaginarse."
(Fonte)

quarta-feira, 27 de abril de 2005

"Optimista por opção".

Um novo blogue, da autoria de José Maria Brito, sj. Já foi "haja o que houver", mas por razões que explicou, mudou de nome. Abre com este mote do jesuíta Vasco Pinto de Magalhães: "O contrário da alegria não é a tristeza, é o pessimismo" .
Fé e Política: "A Religião na sociedade Democrática"
Auditório do Colégio São João de Brito (Estrada da Torre, 28 ? Lumiar, Lisboa)
Sábado, 30 de Abril de 2005

Manhã
9.30 ? Acolhimento
10.00 ? Apresentação e enquadramento " A Religião na sociedadeDemocrática" - Hermínio Rico, sj ? Director da Revista Brotéria
10.45 ? Intervalo
11.00 - Painel "Há Lugar para a Religião na vida pública?"
Com: Francisco Sarsfield Cabral/Vital Moreira
Moderador: Pedro Machete
13.00 ? Almoço
Tarde
15.00 ? Painel "Ser Católico na Vida Pública"
Com Maria José Nogueira Pinto/Maria do Rosário Carneiro/Rui Machete
Moderadora: Joana Vasconcelos
16.30 ? Intervalo
17.00 ? Relator Final"Sínteses e Desafios" ? Joaquim Goes
17.30 ? Fim Trabalhos18.00 ? Apresentação do Livro: "P. António de Andrade, sj ? oDescobrimento do Tibete"
Organização: Revista Brotéria
Informações: 21 396 16 60

segunda-feira, 25 de abril de 2005

Desertos interiores e exteriores

"'Existe também o deserto da obscuridade de Deus, do vazio das almas sem consciência da sua dignidade nem do caminho do homem. Os desertos exteriores multiplicam-se no mundo porque se multiplicaram os desertos interiores.'"
Bento XVI, 24.4.2005

terça-feira, 19 de abril de 2005

O que poderá ser um papado de Ratzinger

"Outline of a Ratzinger papacy": escrito por John L. Allen, Jr., correspondente em Roma do National Catolic Reporter, texto escrito antes da eleição.

Homilia de Ratzinger na missa que antecedeu o conclave que o elegeu (extractos):
"Arrêtons-nous seulement sur deux points. Le premier est le chemin vers « la maturité du Christ », comme le dit, un peu en simplifiant, le texte italien. Plus précisément nous devrions, selon le texte grec, parler de la « mesure de la plénitude du Christ », à laquelle nous sommes appelés à parvenir pour être réellement adultes dans la foi. Nous ne devrions pas rester des enfants dans la foi, comme des mineurs. En quoi consiste être adulte dans la foi ? Saint Paul répond que cela signifie être « ballotté et emporté à tout vent de la doctrine » (Ep 4, 14). Description très actuelle !Combien de vents de doctrines avons-nous connu au cours de ces dernières décennies, combien de courants idéologiques, de modes de pensée? La petite barque de la pensée de nombreux chrétiens, bien souvent, a été agitée par ces vagues, jetée d?un extrême à l?autre : du marxisme au libéralisme, jusqu?au libertinisme ; du collectivisme à l?individualisme radical ; de l?athéisme à un vague mysticisme religieux ; de l?agnosticisme au syncrétisme et ainsi de suite. Chaque jour, naissent de nouvelle sectes, réalisant ce que disait saint Paul sur l?imposture des hommes, sur l?astuce qui entraîne dans l?erreur (cf Ep 4, 14). Avoir une foi claire, selon le Credo de l?Eglise, est souvent étiqueté comme fondamentalisme. Tandis que le relativisme, c?est-à-dire se laisser porter « à tout vent de la doctrine », apparaît comme l?unique attitude digne de notre époque. Une dictature du relativisme est en train de se constituer qui ne reconnaît rien comme définitif et qui retient comme ultime critère que son propre ego et ses désirs .
Nous, en revanche, nous avons une autre mesure : le Fils de Dieu, l?homme véritable. C?est lui la mesure du véritable humanisme. Une foi qui suit les vagues de la mode n?est pas « adulte ». Une foi adulte et mûre est profondément enracinée dans l?amitié avec le Christ. C?est cette amitié qui nous ouvre à tout ce qui est bon et nous donne le critère pour discerner entre le vrai et le faux, entre l?imposture et la vérité."
Inverno da Igreja Católica

Há, sempre, que admitir a possibilidade da surpresa. Numa instituição como a Igreja Católica, "o Espírito sopra onde quer" (Jo 3,8), apesar de haver sempre quem queira que ele sopre para determinado lado.
Mas o mais certo é que, em muitos aspectos, a Igreja continue a cerrar fileiras. Em nome de uma luta contra o relativismo entendido como incompatível com a diversidade e a pluralidade no pensar, no sentir e no expressar. É assim provável que, globalmente, nos tenhamos de preparar para um Inverno. É a estação que sucede ao Outono que foi, em certa medida, o pontificado de João Paulo II. O paradoxo do Inverno é que é o tempo em que, vergastadas pela intempérie, curtidas pelo frio, as vergônteas nuas vão ganhando forças para o despontar dos gomos.

segunda-feira, 18 de abril de 2005

Uma Igreja para os nossos filhos
Teresa Martinho Toldy, Teóloga, Professora na Universidade Fernando Pessoa (Porto)
In Público, 18.4.2005

Mais importante do que saber quem será o próximo Papa, é saber o que será a Igreja no futuro. Que Igreja para os nossos filhos? E, em função dela, que Papa para os próximos tempos?

Começa agora o Conclave para a eleição do novo Papa. As atenções de uma parte do mundo estão concentradas em Roma. Os católicos aguardam, muitos, com expectativa, outros, com preocupação. As especulações são muitas. Os "papáveis", ao que parece, também... Tem sido frequente, ao longo da história da Igreja Católica, a eleição de um candidato considerado "improvável" ou nem sequer mencionado. Foi, aliás, o que aconteceu na eleição do Papa João Paulo II.
Partilho esta expectativa, bem como a preocupação. Estou, contudo, convicta de que a Igreja constitui uma realidade e uma experiência que não se esgota na escolha de um Papa para a orientar. É convicção da Igreja que é o Espírito Santo que a conduz. E esta convicção fundamenta um adágio antigo segundo o qual a Igreja é sempre reformável, está em constante processo de evolução, numa tentativa permanente de se aproximar mais da vontade de Jesus Cristo e da experiência fundacional do grupo de discípulos e de discípulas que ele reuniu à sua volta.
Como tal, e, apesar de saber que corro o risco de ser "politicamente incorrecta", diria que, mais importante do que saber quem será o próximo Papa, é saber o que será a Igreja no futuro. Que Igreja para os nossos filhos? E, em função dela, que Papa para os próximos tempos?
Uma Igreja mais humana a Igreja para as futuras gerações deveria ser uma Igreja cuja opção radical pelos mais pobres fosse inquestionável e óbvia, antes de mais, para os próprios excluídos, mas também para os poderosos deste mundo. Esta humanidade da Igreja deveria ser acompanhada de uma atitude de escuta do mundo. Não ficaria mal à Igreja não se colocar tanto na posição de mestra, como na atitude de companheira de caminho de um mundo cuja história continua em aberto. Uma Igreja mais humana implicaria, então, da parte da sua hierarquia e do Papa, a perda do medo de enfrentar e de fazer experiência da existência quotidiana de todos os homens e mulheres deste mundo: o amor, a sexualidade, a paternidade e a maternidade, o trabalho, a intervenção sócio-política, mas também as perplexidades, as angústias, as incertezas, que fazem do ser humano aquilo que o define como simultaneamente próximo de Deus e frágil como o barro. Enquanto a orientação pastoral da Igreja estiver entregue exclusiva ou preponderantemente a pessoas que não fazem esta experiência comum a todos os seres mortais, a Igreja corre o risco de se tornar irrelevante, porque completamente alheia à realidade humana.
A Igreja das discípulas e dos discípulos de Jesus a Igreja para as futuras gerações deveria ser uma Igreja menos centrada em Roma, que abandonasse decididamente uma concepção piramidal - com o Papa no vértice, seguido pelos bispos, estes, pelos padres, e, por sua vez, estes últimos, pelos diáconos - para se converter à concepção de Igreja presente no Concílio Vaticano II - uma Igreja cujos membros são todos discípulos de Jesus, com funções diversas, mas com igual dignidade e possibilidade de intervenção. Seria necessário prosseguir corajosamente esta linha de pensamento, em particular, reconhecendo a todas as mulheres e a todos os homens cristãos um papel activo na determinação das linhas de intervenção sócio-pastoral da Igreja, portanto, o direito a participar nas decisões tomadas no interior da comunidade, o que deveria levar à valorização e revitalização das estruturas de participação já existentes, bem como à possibilidade de criação de novas estruturas, se necessário. A participação de todos nas decisões que têm implicações para todos deveria dar lugar a uma reflexão sobre a possibilidade de equacionar determinados cargos e funções de uma forma não vitalícia, mais ágil, mais colegial, mais democrática.
Nota final continuo a alimentar o sonho de que os nossos filhos vejam uma Igreja na qual o ministério ordenado, em todos seus graus, seja partilhado igualmente por homens e mulheres.

sexta-feira, 15 de abril de 2005

"E se fosse o Dalai Lama?"
Esther Mucznik
(investigadora em assuntos judaicos )
Público, 15.4.2005

Pluralismo não significa relativismo. A presença livre, pública e aberta de vários cultos não apaga a realidade evidente da presença dominante de uma religião, neste caso a católica. A separação entre Estado e religião não nega esta realidade, e muito menos a cultura religiosa dominante
Será permitido a um representante de um Estado laico chamar "Sua Santidade" ao Papa João Paulo II, sem ofender a neutralidade religiosa do Estado? Ou, na mesma ordem de ideias, não constituem as bandeiras a meia haste e os dias de luto nacional pelo seu falecimento um atentado à laicidade, como foram qualificados por alguns sectores, em países como a França, Espanha e, mais timidamente, em Portugal? O "Verde" Christophe Girard, por exemplo, adjunto do "maire" de Paris, afirmou-se "perturbado" pela "utilização do símbolo nacional", abrindo assim a porta ao "aguçar dos apetites comunitários", no que foi apoiado pelo senador socialista Yves Contassot, apelando às autoridades a porem em prática uma "laicidade absolutamente sem sombra, sem meias-tintas". Também a TVE pública foi criticada por ter dado uma "cobertura excessiva" ao acontecimento, infringindo o artigo 16 da sua Constituição, que afirma o carácter laico do Estado espanhol. Curiosamente, constatamos que estas questões são levantadas sobretudo em países de população maioritariamente católica, em particular pela "filha mais velha" da Igreja, a França. Como se sabe foi também a França o motor da guerra contra a introdução da referência à "herança cristã" na Constituição europeia.Estes episódios não passariam de meros "faits divers" se não fossem reveladores de um mal-estar em relação à religião. A realidade é que a Europa, sobretudo a Europa Ocidental de cultura religiosa católica, convive mal com a religião, confunde as fronteiras da laicidade, mistura cultura religiosa dominante e religião oficial.Porque, o que significa, na boca dos seus defensores, uma "laicidade absolutamente sem sombra, nem meias-tintas"? Significa, em primeiro lugar, a erradicação total e absoluta, a "purificação", diria eu, de todos os actos e edifícios públicos e, já agora, da linguagem também, de toda e qualquer referência de carácter religioso. Mas, mais do que isso, a laicidade "sem meias tintas", propõe-se ignorar o fenómeno religioso, em qualquer das suas expressões, impedi-lo de se exprimir publicamente, encerrá-lo na esfera privada dos cidadãos. No limite, o Estado teria de banir os feriados religiosos cristãos, e obrigar os eleitos a praticar a auto-censura da sua linguagem pública, banindo por exemplo, o "se Deus quiser"... Ou seja tapar com o manto branco da neutralidade asséptica, qualquer indício de cultura religiosa. Ou retirá-la da vida, musealizando-a... Em relação ao falecimento do Papa, por exemplo, noticiá-la como mais uma notícia que apenas diz respeito ao foro privado dos católicos. Acontece, porém, que os católicos são 90 por cento desses países e, mais importante do que isso, a cultura religiosa católica e cristã é dominante, é o fundamento da sua história, das suas tradições, costumes e valores, do essencial da sua identidade. Negar esta realidade é destruir uma das principais bases da coesão social, um dos principais elementos de comunhão de origem, clamorosamente manifestada em Roma nos milhões de pessoas que aí acorreram ou que assistiram pela televisão à agonia do Papa.Por detrás desta crispação laica está no fundo a negação da religião, está a velha convicção que data do século XIX europeu, que para libertar as consciências era preciso recalcar a religião: a razão contra a fé. A primeira metade do século XX pareceu confirmar esta ideia. Exceptuando os Estados Unidos, a prática religiosa recuou em todo o mundo ocidental, as igrejas esvaziaram-se, as crenças e instituições religiosas desempenhavam um papel cada vez menor e marginal. Na cena pública, a ideologia tomou o lugar da religião. Governos, povos e movimentos sociais definiam-se em função das ideologias laicas: comunismo, liberalismo, fascismo...Mas no último quartel do século XX, a marcha em direcção à secularização inverteu-se. A religião ressurgiu em força e contrariamente às previsões, os seus adeptos não se encontram apenas nas pessoas de idade e entre os mais pobres, mas em todas as idades, sobretudo em jovens instruídos e com profissões de sucesso. A tendência inverteu-se: os ateus e os anti-clericais puros e duros encontram-se hoje nas gerações mais velhas, na geração das ideologias. Na Europa de Leste, a religião e a Igreja Católica foram os símbolos da resistência nacional e de luta pela liberdade; na Europa Ocidental, pelo contrário, religião e liberdade estiveram frequentemente em campos opostos. A laicidade, no ocidente europeu, nasce assim do conflito. Em muitas consciências permanece ainda a memória da ruptura violenta entre Estado e religião.Mas esta realidade não pode obscurecer duas questões essenciais:Em primeiro lugar, a laicidade não é uma doutrina (mais uma) dogmática e agressiva, mas sim a expressão de uma liberdade essencial, de um direito do homem e do cidadão. Não representa uma vingança histórica contra a Igreja Católica, mas sim o reconhecimento do pluralismo religioso e do direito inalienável individual e colectivo ao exercício livre e aberto da diferença religiosa. Não conduz o Estado a ignorar o fenómeno religioso, mas pelo contrário a reconhecer a sua função social permitindo e ajudando, não apenas um único culto mas todos, a cumprir essa função. Em segundo lugar, pluralismo não significa relativismo. A presença livre, pública e aberta de vários cultos não apaga a realidade evidente da presença dominante de uma religião, neste caso a católica. A separação entre estado e religião não nega esta realidade, e muito menos a cultura religiosa dominante. Porque uma religião representa muito mais do que um rito e uma prática ou até do que uma fé. Representa uma cultura no seu sentido mais lato, de costumes e tradições, mitos e memória, ética e valores, língua e linguagem, esquema mental e pensamento... em relação íntima com a história, a geografia e até o clima. Voltando ao princípio: não sendo católica, não me choca, não me incomoda que um estado laico, como o português, celebre luto nacional pelo chefe espiritual da Igreja Católica, neste caso o Papa João Paulo II. Não só pela sua estatura humana e espiritual, não só pela sua imensa obra de reconciliação entre as religiões, mas também porque reconheço que a cultura religiosa dominante em Portugal é a católica, é ela que tece as malhas do tecido social; e que a laicidade não consiste em fazer de conta que não é assim, como o querem fazer crer os argumentos do tipo "Se fosse o Dalai Lama...", mas em exigir o respeito escrupuloso pela independência religiosa do Estado de direito, assim como da liberdade de expressão e organização pública e privada das outras confissões religiosas.Quanto à expressão de Sua Santidade, lembro a todos os puristas que quando pronunciarem a palavra "Rabi" se estão a referir ao "meu" mestre...

quinta-feira, 24 de março de 2005

Vibrant Cities Find One Thing Missing: Children
By TIMOTHY EGAN
The New York Times, March 24, 2005

PORTLAND, Ore. - The Pearl District in the heart of this perpetually self-improving city seems to have everything in new urban design and comfort, from the Whole Foods store where fresh-buffed bell peppers are displayed like runway models to the converted lofts that face sidewalk gardens.
Everything except children.
Crime is down. New homes and businesses are sprouting everywhere. But in what may be Portland's trendiest and fastest-growing neighborhood, the number of school-age children grew by only three between the census counts in 1990 and 2000, according to demographers at Portland State University.
"The neighborhood would love to have more kids, that's probably the top of our wish list," said Joan Pendergast of the Pearl Neighborhood Association. "We don't want to be a one-dimensional place."
It is a problem unlike the urban woes of cities like Detroit and Baltimore, where families have fled decaying neighborhoods, business areas and schools. Portland is one of the nation's top draws for the kind of educated, self-starting urbanites that midsize cities are competing to attract. But as these cities are remodeled to match the tastes of people living well in neighborhoods that were nearly abandoned a generation ago, they are struggling to hold on to enough children to keep schools running and parks alive with young voices.
San Francisco, where the median house price is now about $700,000, had the lowest percentage of people under 18 of any large city in the nation, 14.5 percent, compared with 25.7 percent nationwide, the 2000 census reported. Seattle, where there are more dogs than children, was a close second. Boston, Honolulu, Portland, Miami, Denver, Minneapolis, Austin and Atlanta, all considered, healthy, vibrant urban areas, were not far behind. The problem is not just that American women are having fewer children, reflected in the lowest birth rate ever recorded in the country.
Officials say that the very things that attract people who revitalize a city - dense vertical housing, fashionable restaurants and shops and mass transit that makes a car unnecessary - are driving out children by making the neighborhoods too expensive for young families.
Other cities have tried and failed to curb family flight. In Portland, the new mayor, Tom Potter, says demography does not have to be destiny. He has dedicated his term to trying to keep children in the city.
Every child a city loses, on average, can mean a loss of about $5,000 for the school district, officials say. Children also create a constituency for parks, trails and public safety improvements, Mr. Potter said, and their parents tend to favor upgrading those amenities through higher taxes. He has been bringing children in to speak to the City Council and has pushed for incentives for affordable housing with enough bedrooms to accommodate bigger families.
A former police chief who helped pioneer community patrolling, Mayor Potter has 14 grandchildren and says a city's health should be measured by its youngest citizens. "We can't let Portland become a retirement city or a city without neighborhood schools," he said.
New York and Los Angeles, because of their large immigrant populations, have maintained their base of children, but demographers, pointing to falling birth rates among Latinos and other ethnic groups, say the nation's biggest cities may soon follow the others.
In Portland, the trends are not in Mayor Potter's favor. From 1990 to 2003 the city added more than 90,000 people, growing to an estimated 529,121 residents, but Portland is now educating the fewest students in more than 80 years.
The problem is not that children are leaving for private schools, officials said. It is that new people attracted to the city tend to have higher incomes, having already raised a family; are retiring; or are single and unlikely to have children.
After interviewing 300 parents who had left the city, researchers at Portland State found that high housing costs and a desire for space were the top reasons.
Tina Ray lived in Portland for 12 years before moving to Gresham, where her 9-year-old daughter attends school. Her family left for a bigger house and more space, she said. "It's kid friendly, with a great sense of community, and lots of sports leagues," she said.
Many Portland families are relocating to the newest edge suburbs, where housing prices are cheapest, including Clark County across the Columbia River in Washington, Portland State demographers say.
After a drop of 10,000 students in the last decade, Portland officials called in March for the closing of six schools, prompting cries of grief from three generations of adults who say that nothing takes the heart out of a neighborhood like a shuttered school.
The pool of school-age children is shrinking so fast that Portland will have to close the equivalent of three or four elementary schools a year over the next decade, according to school district projections.
"I don't think we're going to become a nearly childless city like San Francisco, but the age structure is really changing," said Barry Edmonston, an urban studies professor at Portland State, who does demographic projections for the school district. "People are not turning over the houses like they used to. They're aging in place, at the same time that prices are really going up, making it hard for young families to move into the city."
Nationally, the birthrate has been dropping while the overall population is aging as life expectancy increases. The problem is not just in cities. New figures released this month showed North Dakota losing more children than any other state.
Scottsdale, Ariz., a fast-growing Phoenix suburb, lost 571 students last year. San Jose closed three schools last year and expects to close three more soon.
Between 2003 and 2004, only six states had an increase in their elementary school population, the census bureau reported in March.
In that sense, the United States is following Europe and the rest of the industrial world, where birthrates now rarely exceed the rate needed to replace the population.
"If you took immigrants out of the equation, the United States would be like the rest of Europe," said Phillip Longman, a senior fellow at the New America Foundation, a public policy research organization in Washington. He is the author of "The Empty Cradle: How Falling Birth Rates Threaten World Prosperity and What To Do About It."
Mr. Longman said a decline in children not only takes away "human capital" needed to sustain an aging population, but "having fewer children really diminishes the quality of life in a city."
Most city leaders seem to agree. Even in San Francisco, where officials are preparing for another round of school closings amid a projected decline of 4,000 students in the next five years, city officials are aggressively marketing the city and its schools to young families.
But what they cannot do, especially after the failure last year of a ballot measure sponsored by the Chamber of Commerce to encourage affordable housing, is bring housing prices down.
"It's a real challenge trying to raise a kid in San Francisco," said Jim Armstrong, a father of two who is active in Little League in the city and rents a home. "It takes a degree of fortitude for a parent to stay with the city."
Other cities that have tried to reverse the family outflow have had mixed success. As mayor of Seattle for 12 years, until 1990, Charles Royer started an initiative called KidsPlace, which has been widely copied by other cities. It included marketing the city's neighborhoods to young families, building a small mix of affordable housing, and zoning and policing changes to make urban parks more child-friendly.
Mr. Royer said he was ridiculed for signs placed around town proclaiming "Seattle is a KidsPlace" and took criticism from social service agencies who thought bringing in more families would only place more demands on the limited money they had. Mr. Royer said he was bucking historic changes, and Seattle now has some of the nation's highest-priced real estate and its lowest percentage of children.
"I said things like, 'We don't want to be like San Francisco,' but in the end, I don't think we were terribly effective at stemming that tide," Mr. Royer said. "It's not so much a social problem as it is a demographic and financial problem."
Here in Portland, the city is bemoaning the demographic cycle as it unfolds before their eyes. On the day of the announcement to close Kenton Elementary School, which has anchored a north Portland neighborhood for 91 years, some parents and residents reacted as if there had been a death in the family.
"I feel heartbroken," said Mary Krogh, who had planned to enroll her 4-year-old son, Chase, in the school. "It's just a terrible loss."
The school and a tightknit community were among the things that attracted Ms. Krogh and her husband to the neighborhood seven years ago, she said.
But now the school will be shuttered, and improvements from Portland's beloved light rail line have contributed to rising real estate prices, defeating the broad goals of the mayor's effort to bring and keep young families in the city.
"Portland is a great city that attracts a lot of educated people," she said. "But the real estate is becoming outrageously expensive. And then you get wealthy singles and wealthy retirees. What's missing are kids. And that feels really sterile to me."