O
que se sabe de Jesus permite estabelecer a sua biografia? Sabemos que Jesus
viveu em Nazaré da Galileia e que a sua família seria de Belém. Que ele se via
como um enviado messiânico e que anunciou a chegada do “reino de Deus”. No
final, foi morto, mas os seus discípulos anunciaram depois que ele tinha
ressuscitado. Conhecemos, também, alguns pormenores sobre a sua relação com as
pessoas, sobre o modo como encarava o poder político e religioso do seu tempo –
poderes que, aliás, o condenaram à morte.
Este
livro (ed. Gradiva), resultado do colóquio que decorreu em Valadares em Outubro de 2011,
tenta explicar porque passamos de Jesus (a personagem histórica) a Jesus Cristo
– a figura que está no centro da fé de milhões de pessoas. Coordenado por Anselmo Borges e com o contributo de
alguns dos melhores teólogos e especialistas de diferentes áreas, podemos aqui
aprofundar diversos aspectos sobre a pessoa e a mensagem de Jesus: que dados há
sobre a sua vida ou o que sabemos sobre o modo como se relacionava com Deus, as
religiões, a política, as mulheres ou o dinheiro. E ainda como podemos entender
a expressão “ressuscitou dos mortos” e o modo como foi visto e recebido pelos
seus seguidores ao longo dos tempos (a Igreja cristã) e pelo movimento da
gnose.
Como
dizia o biblista Joaquim Carreira das Neves numa das sessões de apresentação do
livro, em Lisboa, tudo, em relação a Jesus, “acontece porque as comunidades perguntavam: de onde vem
ele?” E alguns destes textos são deveras obrigatórios para quem queira
aprofundar de onde vem Jesus e que pretendia ele com a sua vida e a sua
mensagem.
Destaque-se,
entre todos, o contributo de Andrés Torres Queiruga, nome maior da teologia
contemporânea, acerca da ressurreição, “mistério-limite” que marca “ao mesmo
tempo a glória e a dificuldade da fé” e constitui um desafio à renovação da
teologia actual. A ressurreição, dizia Carreira das Neves na mesma ocasião,
“teve um grande impacto sobre a Igreja nascente”. A viagem de Queiruga,
colocando em diálogo os textos e relatos bíblicos com a cultura contemporânea, é
verdadeiramente estimulante e provocadora de novos horizontes.
Queiruga
começa por notar que a ressurreição é um dos desafios maiores para a “renovação
da teologia actual”, apontando em três direcções fundamentais: “a crítica
exegética, a mudança cultural e o diálogo das religiões”. Que implicam “o fim
do fundamentalismo bíblico, a superação da concepção ‘mítica’ da intervenção de
Deus no mundo e que o exclusivismo religioso é inaceitável”.
O
teólogo galego, um dos nomes fundamentais na teologia contemporânea, diz que a
ruptura com o fundamentalismo é “especialmente urgente neste caso, onde as
próprias narrações neotestamentárias, cheias de acenos, dissonâncias e até
contradições, proclamam gritantemente o seu carácter simbólico, catequético e
parenético”. E contesta a exaltação de Cristo “desencarnada e ‘monofisita’, que
pensa confessá-lo tanto mais divino quanto o afastar do humano”. A verdadeira
cristologia, ao contrário, será a que compreende que a divindade de Jesus “se
manifesta e realiza” na mais “profunda humanidade: tanto mais divino quanto
mais radical e autenticamente humano”.
Os
relatos bíblicos, insiste Queiruga, são “testemunhos de fé” que pretendem
afirmar que, “apesar da sua morte real e terrível, Jesus de Nazaré não foi
aniquilado; que, pelo contrário, de uma maneira nova e misteriosa, continua
mais vivo do que antes e plenamente glorioso; que não se desentendeu dos seus,
que, pelo contrário, continua presente e acompanhando-os a partir da sua
transcendência divina...”
Como
novo paradigma, Andrés Torres Queiruga propõe os conceitos de acção de Deus
como criador que está “desde sempre a trabalhar” na criação do mundo; de
revelação como expressão de presença de Deus que o revelador descobre e
interpreta; e da cristologia como “plena realização da antropologia”, na
esteira da expressão de Karl Rahner.
Um
livro obrigatório para o conhecimento e o debate.
(Para
conhecer outros aspectos abordados neste livro, pode ler-se aqui)