quarta-feira, 20 de julho de 2005

Cabecinhas pensadoras
Joaquim Fidalgo

in Público, 20.7.2005

Eles autodenominam-se grupo "Pensar Bem", e que bem que eles pensam! Pensam tão bem e tanto que as suas próprias cabeças não lhes chegam para pensar: até querem pensar pela cabeça dos outros. Porque os outros, claro, não pensam bem. Os outros pensam mal. Os outros, a bem dizer, se calhar nem pensam: têm (diz o grupo que "pensa bem") muita confusão naquelas cabecinhas, e, se ouvem umas ideias mais frescas, ainda com mais confusão ficam. O que lhes vale, então, é que os tais do Pensar Bem decidem pensar por eles... Mais: decidem mesmo decidir por eles, porque os que não pensam bem também não decidem bem, coitados, precisam de mentes iluminadas que lhes indiquem os supostos caminhos do Senhor - caminhos que só eles, os do Pensar Bem, autenticamente conhecem. Confuso?...Vamos por partes. Numa recente entrevista ao PÚBLICO, o padre Vítor Feytor Pinto admitiu que, em circunstâncias excepcionais, o uso do preservativo se justificaria: quando se tratasse de, por exemplo, impedir a propagação da sida, ou seja, quando se tratasse de não matar (porque a sida, não sei se sabe quem pensa bem, mata). É o mínimo que se pode defender, não é?... E, embora a Igreja "oficial" continue avessa a todas as excepções - insistindo na solução da abstinência e, assim, pregando aos peixes -, o certo é que a opinião do padre Feytor Pinto não é exactamente uma voz isolada. Outras (poucas...) vozes da hierarquia católica têm revelado esse mínimo de abertura que decorre do mais elementar bom senso e de um genuíno amor à vida. Esperar-se-ia que todos os cristãos com o mesmo bom senso e genuíno amor à vida concordassem.Mas não. Nem todos. O tal grupo que se intitula Pensar Bem acha que não, que isso... nem pensar! Vai daí, pôs a circular na Net (o jornalista António Marujo contou aqui a história, no último fim-de-semana) uma carta de denúncia dos "desvios" do padre Feytor Pinto, apelando a que o maior número possível de pessoas a subescrevesse e enviasse para o Vaticano (eram até fornecidos os e-mails), decerto para ver se Roma puxa as orelhas a este seu (in)fiel e, eventualmente, o excomunga - que a coisa não deve ser para menos.Os tais do Pensar Bem têm "muita pena" que o padre Feytor Pinto tenha proferido aquelas "afirmações controversas", pois elas "podem suscitar confusão em muitas consciências, já bastante confusas" ou "até encaminhá-las por sendas gravemente erradas". Lá está: aquelas cabecinhas pensadoras estão preocupadíssimas com o facto de algum cristão poder, a certa altura, considerar a hipótese de usar um preservativo para impedir a transmissão da sida! Onde é que isto já se viu e onde é que isto vai parar... Se começa tudo a pensar pela sua cabeça e a decidir o que acha melhor, é o caos!Ah, o padre Feytor Pinto também disse que é difícil considerar criminosa uma mulher que, tendo engravidado na sequência de uma violação, e não tendo sido capaz de encontrar outra saída para o seu drama, decida interromper a gravidez. Imagine-se o despautério do clérigo... Pensando bem, à fogueira com ele!