Bispo do Porto Defende Despenalização do Aborto
Bispo do Porto defende despenalização do aborto
Por ALEXANDRA CAMPOS
Público, 14 de Dezembro de 2003
"Correndo o risco de ser interpretado como uma voz dissonante dentro da Igreja Católica, o bispo do Porto, D. Armindo Lopes Coelho, afirma-se contra a penalização das mulheres que praticam o aborto, numa entrevista ontem publicada no 'Expresso'.
D. Armindo é 'uma pessoa muitíssimo inteligente, um bom teólogo e as pessoas devem estar atentas ao que ele diz', comenta, a propósito, o antigo bispo de Setúbal, D. Manuel Martins , escusando-se a fazer mais declarações.
Na entrevista ao semanário, o bispo do Porto diz claramente que é 'contra a penalização' e defende que 'as crianças devem viver e ser amadas pelos pais', até porque 'as instituições onde se colocam crianças indesejadas nunca são as melhores soluções'.
D. Armindo assume igualmente uma posição crítica relativamente aos grupos organizados contra e a favor da despenalização do aborto: enquanto existirem, acentua, 'haverá sempre tensão e guerra no ar'.
Sublinhando que os abortos clandestinos se continuarão a praticar mesmo após a entrada em vigor de uma hipotética despenalização, o bispo do Porto considera ainda que a 'única' solução para o problema é a 'criação de condições sociais para que as famílias possam criar os seus filhos'.
Apesar de preferir esperar que D. Armindo venha a público 'explicar o que quis dizer', José Paulo Carvalho, presidente da Federação Portuguesa pela Vida (que congrega várias associações contra a despenalizaçãodo aborto), foi ontem adiantando ao PÚBLICO que as afirmações do bispo mostram que o debate sobre o aborto "não é uma questão religiosa, não é uma guerra de católicos contra o resto do mundo".
"Acho que ele deve explicar o que quis dizer. Também se tem afirmado que Bagão Félix é contra a penalização, quando ele apenas disse que se deve discutir se a pena de prisão é a mais adequada" para quem interrompe voluntariamente a gravidez, acrescentou.
Frisando que não pretende "meter-se em polémicas com bispos", José Paulo Carvalho concluiu que o que D. Armindo pretendeu acentuar na entrevista foi que "a legalização não resolve o problema do aborto clandestino".
Vozes na Igreja contra a penalização do aborto
DN, 14.12.2003
ELSA COSTA E SILVARUTE ARAÚJO
Um novo debate sobre a despenalização do aborto volta a estar em cima da mesa, motivado por afirmações que surgem do interior da própria Igreja e contrárias à posição oficial católica. Em entrevista ao Expresso, D. Armindo Coelho, Bispo do Porto, afirmou ser «contra a penalização», apesar de ver «como solução única a criação de condições sociais para que as famílias possam criar os seus filhos». Uma liberalização da interrupção voluntária da gravidez mantém-se fora de questão, mas o afastamento das mulheres que praticaram aborto da barra dos tribunais reúne novos apoios.
D. Jacinto Botelho, Bispo de Lamego e membro da Comissão Episcopal da Família e da Educação Cristão, também diz que «ninguém está interessado em que as mulheres sejam penalizadas». Não vê nas palavras de Armindo Coelho grande discordância com a posição oficial da Igreja, já que «uma coisa é criminalizar as pessoas e outra é penalizar o acto».
«Temos de condenar o mal, mas ser tolerante com quem o pratica», afirma o prelado. Uma atitude que estende ao julgamento das mulheres acusadas de terem praticado aborto, a decorrer em Aveiro: «Deve haver da parte da Igreja uma atitude de perdão que é, aliás, a do Evangelho». Quanto a uma nova iniciativa legislativa, D. Jacinto Botelho é mais cauteloso, lembrando que a «Igreja não aceita o aborto» e que não pode aceitar ambiguidades que considerassem a descriminalização «como um entendimento de que esse acto não é grave».
A visão é partilhada por António Pires de Lima. Para o porta-voz do CDS-PP, «está fora de causa que a Igreja modifique a sua posição». O partido popular «partilha a ideia humanista da Igreja - se para nós a liberalização não é solução, também não queremos ver estas mulheres na barra dos tribunais». Por isso, «a solução do ponto de vista jurídico não é fácil». António Pires de Lima concorda ainda com o Bispo do Porto noutro ponto: mesmo liberalizando, haverá sempre grávidas a recorrerem a abortos ilegais, devido «ao estigma social».
Já para Francisco Louçã, do Bloco de Esquerda, D. Armindo «revelou um enorme sentido de responsabilidade, que traduz uma corrente de opinião muito forte: é preciso acabar com a perseguição a estas mulheres». Mais: «Há uns anos, nenhuma voz dentro da Igreja se levantava neste sentido. Se o Bispo do Porto o fez, é porque tem por base uma profunda convicção e porque contacta com outros bispos que a partilham».
Por seu lado, José Paulo Carvalho, da Federação Defesa da Vida, apenas admite uma «discussão da pena em cada um dos casos, consoante as condições atenuantes». Mas, acrescenta, «não há nada de insultuoso em uma mulher ir a tribunal, o único local onde se pode defender com toda a dignidade sobre a sua culpa ou inocência».
Estas declarações surgem num momento em que está a ser lançada uma nova petição para despenalizar a interrupção voluntária da gravidez. Iniciativa que terá de enfrentar o acordo de coligação entre o PSD e o CDS-PP (que antecedeu a formação do Governo), no qual os partidos se comprometem a não mexer na questão do aborto.
Vários bispos contactados pelo DN preferiram não fazer qualquer comentário sobre o assunto.
domingo, 14 de dezembro de 2003
sexta-feira, 12 de dezembro de 2003
...::: TodosUno :::...:
"Descubrir nuestro ser complementario,
debe ser primordial en la existencia;
es fácil cuando existe coincidencia
de gustos, de pensar y de escenario.
Mas, si el otro es ajeno o es contrario
y no existe siquiera la presencia,
solamente será mi competencia
si lo siento de Dios como emisario.
No hay que tener un único estandarte,
ni buscar en los míos mi acomodo,
pues Dios a todo el mundo se reparte,
mas se muestra en distinta forma y modo,
por lo tanto, dejemos ya la parte,
y vayamos a Dios, que es uno y todo. "
"Descubrir nuestro ser complementario,
debe ser primordial en la existencia;
es fácil cuando existe coincidencia
de gustos, de pensar y de escenario.
Mas, si el otro es ajeno o es contrario
y no existe siquiera la presencia,
solamente será mi competencia
si lo siento de Dios como emisario.
No hay que tener un único estandarte,
ni buscar en los míos mi acomodo,
pues Dios a todo el mundo se reparte,
mas se muestra en distinta forma y modo,
por lo tanto, dejemos ya la parte,
y vayamos a Dios, que es uno y todo. "
sábado, 6 de dezembro de 2003
Pontes, em vez de muros
Manuel Pinto
O “Diário de Notícias” tem em curso uma iniciativa que é merecedora de “distinção e louvor”. Há umas semanas atrás, começou a publicar nas suas edições dominicais uma troca de cartas públicas entre dois conhecidos intelectuais do nosso país: o cardeal-patriarca de Lisboa D. José Policarpo e o professor da Universidade Nova, colunista e ensaísta Eduardo Prado Coelho.
As cartas são uma forma de diálogo entre duas pessoas que se posicionam em horizontes filosóficos e ideológicos distintos, mas que, ao aceitarem este desafio do jornal, colocam diante dos nossos olhos argumentos de um lado e de outro sobre grandes questões dos nossos dias.
A iniciativa não é totalmente inédita: há perto de dez anos algo de semelhante foi feito em Itália, pelo diário “Corriere della Será”, tendo por protagonistas Umberto Eco e o cardeal Carlo Martini. De qualquer modo, no nosso meio, não é frequente ver oportunidades que permitam o diálogo entre mundos e referências que não só andam distantes como muitas vezes se desconhecem. As vicissitudes da nossa História fizeram com que se criassem clivagens que levaram a que a dimensão religiosa fosse como que “evacuada” dos grandes debates culturais, processo de que todos, tanto na esfera religiosa e como na esfera laica - somos responsáveis e de que todos saímos a perder.
É claro que estes diálogos só fazem sentido se os intervenientes partirem de uma base simples mas decisiva, que consiste em reconhecer o interlocutor e o universo de onde ele enuncia o que sente e pensa. E exige, ao mesmo tempo, a vontade de aprender e de progredir numa consciência mais larga e rica da vida e do mundo.
A este propósito, o esforço que se tem vindo a fazer em Braga, nos últimos tempos, a propósito da visita pastoral do Arcebispo às paróquias da cidade é, de algum modo, convergente com essa procura de um diálogo que não se limita àqueles que são iguais a nós e que pensam como nós. O convite a pessoas diversas – e não faria mal alargar bastante mais o leque desses convites – para que se pronunciem sobre o que entendem dever ser, hoje em dia, a presença da Igreja na cidade é uma iniciativa meritória. Assim como o weblog que é um espaço de partilha e debate aberto na Internet e que tem tido algumas achegas bem interessantes.
Vivemos num mundo em que, em todos os lados e em todos os terrenos, precisamos de valorizar mais o que nos aproxima uns dos outros do que aquilo que nos separa. Precisamos, em suma, muito mais de pontes do que de muros.
(in Diário do Minho, 8.12.2003)
Manuel Pinto
O “Diário de Notícias” tem em curso uma iniciativa que é merecedora de “distinção e louvor”. Há umas semanas atrás, começou a publicar nas suas edições dominicais uma troca de cartas públicas entre dois conhecidos intelectuais do nosso país: o cardeal-patriarca de Lisboa D. José Policarpo e o professor da Universidade Nova, colunista e ensaísta Eduardo Prado Coelho.
As cartas são uma forma de diálogo entre duas pessoas que se posicionam em horizontes filosóficos e ideológicos distintos, mas que, ao aceitarem este desafio do jornal, colocam diante dos nossos olhos argumentos de um lado e de outro sobre grandes questões dos nossos dias.
A iniciativa não é totalmente inédita: há perto de dez anos algo de semelhante foi feito em Itália, pelo diário “Corriere della Será”, tendo por protagonistas Umberto Eco e o cardeal Carlo Martini. De qualquer modo, no nosso meio, não é frequente ver oportunidades que permitam o diálogo entre mundos e referências que não só andam distantes como muitas vezes se desconhecem. As vicissitudes da nossa História fizeram com que se criassem clivagens que levaram a que a dimensão religiosa fosse como que “evacuada” dos grandes debates culturais, processo de que todos, tanto na esfera religiosa e como na esfera laica - somos responsáveis e de que todos saímos a perder.
É claro que estes diálogos só fazem sentido se os intervenientes partirem de uma base simples mas decisiva, que consiste em reconhecer o interlocutor e o universo de onde ele enuncia o que sente e pensa. E exige, ao mesmo tempo, a vontade de aprender e de progredir numa consciência mais larga e rica da vida e do mundo.
A este propósito, o esforço que se tem vindo a fazer em Braga, nos últimos tempos, a propósito da visita pastoral do Arcebispo às paróquias da cidade é, de algum modo, convergente com essa procura de um diálogo que não se limita àqueles que são iguais a nós e que pensam como nós. O convite a pessoas diversas – e não faria mal alargar bastante mais o leque desses convites – para que se pronunciem sobre o que entendem dever ser, hoje em dia, a presença da Igreja na cidade é uma iniciativa meritória. Assim como o weblog que é um espaço de partilha e debate aberto na Internet e que tem tido algumas achegas bem interessantes.
Vivemos num mundo em que, em todos os lados e em todos os terrenos, precisamos de valorizar mais o que nos aproxima uns dos outros do que aquilo que nos separa. Precisamos, em suma, muito mais de pontes do que de muros.
(in Diário do Minho, 8.12.2003)
quinta-feira, 4 de dezembro de 2003
Os Cristãos na Europa de Hoje
O Centro de Reflexão Cristã realiza na próxima terça-feira, dia 9, às 18.30, na sua sede em Lisboa (Rua Castilho, 61-2º Dto) uma conferência intitulada "Os Cristãos na Europa de Hoje", pelo Bispo auxiliar de Lisboa Manuel Clemente.
O CRC anuncia, entretanto, para Janeiro um ciclo de colóquios centrado nos temas recentemente lançados pela Conferência Episcopal "Sete Pecados sociais, Sete sinais de Esperança". (E-mail do CRC aqui)
O Centro de Reflexão Cristã realiza na próxima terça-feira, dia 9, às 18.30, na sua sede em Lisboa (Rua Castilho, 61-2º Dto) uma conferência intitulada "Os Cristãos na Europa de Hoje", pelo Bispo auxiliar de Lisboa Manuel Clemente.
O CRC anuncia, entretanto, para Janeiro um ciclo de colóquios centrado nos temas recentemente lançados pela Conferência Episcopal "Sete Pecados sociais, Sete sinais de Esperança". (E-mail do CRC aqui)
segunda-feira, 24 de novembro de 2003
Breve conversa
entre Laura Ferreira dos Santos e Osvaldo Manuel Silvestre
(a propósito do livro de Laura Ferreira dos Santos
"Diário de uma Mulher Católica a Caminho da Descrença - I"
(Angelus Novus Editora, 2003)
Osvaldo Manuel Silvestre (OMS) - O teu livro, desde o título - Diário de uma
mulher católica a caminho da descrença - parece sugerir que o caminho da
descrença é tão duro e tortuoso como o da fé. Será? E se é, a que se
deve isso? A tudo o que se deixa para trás? Ou antes ao facto de nunca
se deixar tudo para trás?
Laura Ferreira dos Santos (LFS) - Só posso dizer que, no meu caso, esse caminho
para a descrença foi de facto tão duro e tortuoso como o da fé. Depois
de aderir mais convictamente ao cristianismo, há uns vinte anos atrás,
uma missa era para mim um grande motivo de alegria, um espaço físico e
espiritual em que tudo parecia bater certo, lugar de um grande
apaziguamento e harmonia interiores. Tinha os meus problemas com o que a
igreja hierárquica ia dizendo e escrevendo, mas tentava relativizá-los
em função do que me parecia muito mais importante do que os seus
desacertos "ideológicos". No fundo, talvez a minha maior dificuldade no
caminho da descrença seja o facto de continuar a aceitar a maior parte
ou a totalidade dos ensinamentos evangélicos, mas sem conseguir aderir
ao Deus para que se julga remeterem, aparecendo-me a Igreja católica
sobretudo como um clube para homens, legitimando de diversos modos o
papel inferior da mulher na sociedade.
O. M. S. Inspiraste-te nalgum modelo de diarística para o teu livro?
Sentes-te mais próxima, quanto a isso, de Santo Agostinho ou de Virgina
Woolf (ou de Santa Teresa)?
L. F. S. Como muitas e muitos de nós, li os textos referidos, assim como
outros do género. Até que ponto me influenciaram, é algo que não consigo
avaliar bem. Se Agostinho e Teresa de Ávila me estão até certo ponto
próximos pela temática religiosa, dir-se-ia que a certeza das suas
convicções religiosas me afasta deles, sentindo-me mais identificada com
alguns dos tormentos de fé expostos por João da Cruz ou Teresa de
Lisieux, não a Teresa edulcorada pelas suas irmãs carmelitas, mas a
Teresa para quem o "pensamento do céu" já não é um tema pacífico, mas um
tema de combate e de tormento, temendo que depois da morte já só haja
uma "noite do nada", ou escrevendo que quando canta a alegria de estar
em Deus canta apenas aquilo em que ela quer crer, não aquilo em que crê
na verdade. Diários ou não, sinto-me portanto mais próxima dos escritos
em que se capta à saciedade uma luta de corpo a corpo com a crença ou
com esse ser que tem vindo a ser designado androcentricamente por Deus.
Por outras palavras, textos cujas autoras ou cujos autores têm descrito
a vivência da crença como se o fizessem num processo que deixa sangue
entre os dedos, textos aliás escritos do único modo que Nietzsche
respeitava. Algo assim como o Diário íntimo de Unamuno, texto que
"saltou" das minhas memórias antigas (li-o quando tinha 19 anos) quando
me deparei com esta pergunta.
O. M. S. Como explicas a raridade lusa de obras que, como a tua, façam
da fé uma questão tão agónica quanto polémica? Ou seja, como explicas
que a um país de inquestionada tradição católica corresponda uma tão
débil produção teológica?
L. F. S. De imediato, o que me apetece dizer é que em Portugal é tudo
tão pequenino quanto os sinais de trânsito ou as placas que indicam os
nomes das diversas localidades, que, numa viagem de automóvel, só
conseguimos decifrar quando acabámos de passar por elas. Basta comparar
os sinais de limite de velocidade que encontramos nas auto-estradas
portuguesas e nas espanholas. Bom, a questão é obviamente complexa,
aproveitando desde já para esclarecer que o meu Diário não se enquadra
na dita "produção teológica", pelo menos no sentido habitual do termo.
No entanto, é verdade que, no nosso país, essa produção é de facto
débil. Aliás, penso que, em Portugal, uma investigação aprofundada, pelo
menos no campo das letras, que é o âmbito que conheço melhor, poucos
incentivos recebe. Veja-se, por ex., o que se passa na maior parte (ou
totalidade) dos centros de investigação universitários, em que é
sobretudo o número de artigos publicados a ser contabilizado, não se
atendendo à sua qualidade. Nesta óptica, cinquenta filmes feitos pelo
mesmo realizador num único ano seriam muito mais subsidiados que A vida
é bela, talvez o único filme que Roberto Begnini realizou no mesmo
espaço de tempo. Por outro lado, só os trabalhos em equipa parecem ser
subsidiados. Se Nietzsche, nos tempos actuais, se propusesse fazer um
trabalho de índole semelhante ao que realizou, nunca obteria um centavo.
Mas se se associasse a Peter Gast, à irmã, a Paul Rée, a Wagner, etc,
poderia eventualmente receber uns cobres. Mas, nesse caso, alguém o
leria hoje? Claro que não estou contra o trabalho em equipa,
imprescindível em certas áreas. Fazer dele um dogma é que me parece um
fundamentalismo.
Neste Diário, a temática religiosa, entendida num sentido muito amplo,
aparece perspectivada tendo em conta a situação da mulher e o modo como
o "religioso" intervém nela. Perante a raridade para que a pergunta
aponta, talvez se deva colocar a hipótese de que, em Portugal, a maior
parte das pessoas que poderia produzir textos deste género tenha
rapidamente deixado de acreditar em Deus, acrescentando-se, por outro
lado, a questão óbvia de que o nosso país se encontra longe de temáticas
ditas "feministas", nem sequer utilizando uma linguagem inclusiva, que
trate, sem discriminação, homens e mulheres. Por aqui, só há "homens" e
"filhos", pois já se sabe há muito que todas as mulheres são homens e
todas as filhas são filhos. A meu ver, só o cruzamento das duas
temáticas por uma pessoa que as levasse muito a sério poderia dar um
texto como o meu. E, pelos vistos, por uma razão ou outra, não deve
haver em Portugal muita gente nessas circunstâncias. Daí a minha própria
dificuldade em conseguir encontrar um padre com quem possa dialogar
sobre estes assuntos, pois oiço frequentemente dizerem-me que nunca se
tinham confrontado com as minhas questões, alguns assumindo honestamente
que talvez por serem homens...
O. M. S. Como vês a intransigência da igreja de Roma no que toca ao
ordenamento de mulheres como sacerdotes? A verificar-se uma alteração do
estado de coisas com um novo Papa, pensas que isso se deverá a boas
razões (teológicas) ou à falta de vocações masculinas?
L. F. S. Perante as vistas curtas que a Igreja católica manifesta em
tantas áreas, apetece brincar e dizer: se essa ordenação for devida à
falta de vocações masculinas, as boas razões teológicas serão com
certeza encontradas.
Durante milhares de anos, um acto particularmente importante nas
religiões como o sacrifício cruento foi interdito às mulheres. Segundo
uma teoria, para que os homens, sem o privilégio de dar à luz, pudessem
dispor de um outro privilégio que aplacasse a sua inveja da maternidade:
o privilégio do sacrifício cruento, vertendo o sangue de uma vítima para
que uma certa forma de "vida" pudesse surgir. Por esta ou por outras
razões, o facto é que as grandes religiões monoteístas (judaísmo,
cristianismo e islamismo), nas suas versões mais "oficiais", foram
declarando o papel subordinado da mulher, pois, como diz Paulo, "a
cabeça da mulher é o homem". E, se pudesse, creio que a Igreja Católica
reescreveria o discurso das Bem-aventuranças, pondo de um lado as
adequadas aos homens, e do outro as adequadas às mulheres. Penso que
Cristo foi um grande defensor das mulheres, mas a sua (?) Igreja não
conseguiu manter-se ao mesmo nível. Pela voz da Igreja católica e de
outras religiões continua a manifestar-se um antigo horror à mulher que,
se por um lado pode quase configurar uma espécie de crime contra a
humanidade, por outro é uma posição merecedora de estudo aprofundado,
pois esclarece-nos muito sobre as questões de género, ajudando-nos a
perceber por que é que os homens actuam em sociedade como se
pertencessem a uma espécie de "raça" superior.
O. M. S. O teu livro aparece com a indicação de que se trata do volume
I. Significa isso que pensas publicar mais volumes? Com que
regularidade? Se entretanto o caminho te conduzir de facto à descrença,
admites a possibilidade de uma alteração de título?
L. F. S. De facto, não tencionava "descontinuar" este Diário. Aliás, no
meu computador, lá vai crescendo, ao sabor dos tempos. Agora a respeito
da regularidade de publicação, não posso prevê-la neste momento, tanto
mais quanto não sei se os problemas de saúde de que padeço irão diminuir
ou aumentar a sua escrita. Um outro volume para daqui a um ano?...
Quanto à eventualidade de ser conduzida "de facto" à descrença, eis aí
um problema que começa logo pela definição de crença e descrença, cujo
conteúdo irei tentando delimitar ao longo do "caminho". Um determinado
tipo de descrença não elimina radicalmente a possibilidade da crença.
Falta saber em quê. Seja como for, para já, não entrevejo uma mudança de
título, como se aí estivesse um ponto de partida (ou de chegada)
demasiado marcante para ser deitado fora antes de ser devidamente
explorado. E vontade para efectuar essa exploração é algo que não me falta.
entre Laura Ferreira dos Santos e Osvaldo Manuel Silvestre
(a propósito do livro de Laura Ferreira dos Santos
"Diário de uma Mulher Católica a Caminho da Descrença - I"
(Angelus Novus Editora, 2003)
Osvaldo Manuel Silvestre (OMS) - O teu livro, desde o título - Diário de uma
mulher católica a caminho da descrença - parece sugerir que o caminho da
descrença é tão duro e tortuoso como o da fé. Será? E se é, a que se
deve isso? A tudo o que se deixa para trás? Ou antes ao facto de nunca
se deixar tudo para trás?
Laura Ferreira dos Santos (LFS) - Só posso dizer que, no meu caso, esse caminho
para a descrença foi de facto tão duro e tortuoso como o da fé. Depois
de aderir mais convictamente ao cristianismo, há uns vinte anos atrás,
uma missa era para mim um grande motivo de alegria, um espaço físico e
espiritual em que tudo parecia bater certo, lugar de um grande
apaziguamento e harmonia interiores. Tinha os meus problemas com o que a
igreja hierárquica ia dizendo e escrevendo, mas tentava relativizá-los
em função do que me parecia muito mais importante do que os seus
desacertos "ideológicos". No fundo, talvez a minha maior dificuldade no
caminho da descrença seja o facto de continuar a aceitar a maior parte
ou a totalidade dos ensinamentos evangélicos, mas sem conseguir aderir
ao Deus para que se julga remeterem, aparecendo-me a Igreja católica
sobretudo como um clube para homens, legitimando de diversos modos o
papel inferior da mulher na sociedade.
O. M. S. Inspiraste-te nalgum modelo de diarística para o teu livro?
Sentes-te mais próxima, quanto a isso, de Santo Agostinho ou de Virgina
Woolf (ou de Santa Teresa)?
L. F. S. Como muitas e muitos de nós, li os textos referidos, assim como
outros do género. Até que ponto me influenciaram, é algo que não consigo
avaliar bem. Se Agostinho e Teresa de Ávila me estão até certo ponto
próximos pela temática religiosa, dir-se-ia que a certeza das suas
convicções religiosas me afasta deles, sentindo-me mais identificada com
alguns dos tormentos de fé expostos por João da Cruz ou Teresa de
Lisieux, não a Teresa edulcorada pelas suas irmãs carmelitas, mas a
Teresa para quem o "pensamento do céu" já não é um tema pacífico, mas um
tema de combate e de tormento, temendo que depois da morte já só haja
uma "noite do nada", ou escrevendo que quando canta a alegria de estar
em Deus canta apenas aquilo em que ela quer crer, não aquilo em que crê
na verdade. Diários ou não, sinto-me portanto mais próxima dos escritos
em que se capta à saciedade uma luta de corpo a corpo com a crença ou
com esse ser que tem vindo a ser designado androcentricamente por Deus.
Por outras palavras, textos cujas autoras ou cujos autores têm descrito
a vivência da crença como se o fizessem num processo que deixa sangue
entre os dedos, textos aliás escritos do único modo que Nietzsche
respeitava. Algo assim como o Diário íntimo de Unamuno, texto que
"saltou" das minhas memórias antigas (li-o quando tinha 19 anos) quando
me deparei com esta pergunta.
O. M. S. Como explicas a raridade lusa de obras que, como a tua, façam
da fé uma questão tão agónica quanto polémica? Ou seja, como explicas
que a um país de inquestionada tradição católica corresponda uma tão
débil produção teológica?
L. F. S. De imediato, o que me apetece dizer é que em Portugal é tudo
tão pequenino quanto os sinais de trânsito ou as placas que indicam os
nomes das diversas localidades, que, numa viagem de automóvel, só
conseguimos decifrar quando acabámos de passar por elas. Basta comparar
os sinais de limite de velocidade que encontramos nas auto-estradas
portuguesas e nas espanholas. Bom, a questão é obviamente complexa,
aproveitando desde já para esclarecer que o meu Diário não se enquadra
na dita "produção teológica", pelo menos no sentido habitual do termo.
No entanto, é verdade que, no nosso país, essa produção é de facto
débil. Aliás, penso que, em Portugal, uma investigação aprofundada, pelo
menos no campo das letras, que é o âmbito que conheço melhor, poucos
incentivos recebe. Veja-se, por ex., o que se passa na maior parte (ou
totalidade) dos centros de investigação universitários, em que é
sobretudo o número de artigos publicados a ser contabilizado, não se
atendendo à sua qualidade. Nesta óptica, cinquenta filmes feitos pelo
mesmo realizador num único ano seriam muito mais subsidiados que A vida
é bela, talvez o único filme que Roberto Begnini realizou no mesmo
espaço de tempo. Por outro lado, só os trabalhos em equipa parecem ser
subsidiados. Se Nietzsche, nos tempos actuais, se propusesse fazer um
trabalho de índole semelhante ao que realizou, nunca obteria um centavo.
Mas se se associasse a Peter Gast, à irmã, a Paul Rée, a Wagner, etc,
poderia eventualmente receber uns cobres. Mas, nesse caso, alguém o
leria hoje? Claro que não estou contra o trabalho em equipa,
imprescindível em certas áreas. Fazer dele um dogma é que me parece um
fundamentalismo.
Neste Diário, a temática religiosa, entendida num sentido muito amplo,
aparece perspectivada tendo em conta a situação da mulher e o modo como
o "religioso" intervém nela. Perante a raridade para que a pergunta
aponta, talvez se deva colocar a hipótese de que, em Portugal, a maior
parte das pessoas que poderia produzir textos deste género tenha
rapidamente deixado de acreditar em Deus, acrescentando-se, por outro
lado, a questão óbvia de que o nosso país se encontra longe de temáticas
ditas "feministas", nem sequer utilizando uma linguagem inclusiva, que
trate, sem discriminação, homens e mulheres. Por aqui, só há "homens" e
"filhos", pois já se sabe há muito que todas as mulheres são homens e
todas as filhas são filhos. A meu ver, só o cruzamento das duas
temáticas por uma pessoa que as levasse muito a sério poderia dar um
texto como o meu. E, pelos vistos, por uma razão ou outra, não deve
haver em Portugal muita gente nessas circunstâncias. Daí a minha própria
dificuldade em conseguir encontrar um padre com quem possa dialogar
sobre estes assuntos, pois oiço frequentemente dizerem-me que nunca se
tinham confrontado com as minhas questões, alguns assumindo honestamente
que talvez por serem homens...
O. M. S. Como vês a intransigência da igreja de Roma no que toca ao
ordenamento de mulheres como sacerdotes? A verificar-se uma alteração do
estado de coisas com um novo Papa, pensas que isso se deverá a boas
razões (teológicas) ou à falta de vocações masculinas?
L. F. S. Perante as vistas curtas que a Igreja católica manifesta em
tantas áreas, apetece brincar e dizer: se essa ordenação for devida à
falta de vocações masculinas, as boas razões teológicas serão com
certeza encontradas.
Durante milhares de anos, um acto particularmente importante nas
religiões como o sacrifício cruento foi interdito às mulheres. Segundo
uma teoria, para que os homens, sem o privilégio de dar à luz, pudessem
dispor de um outro privilégio que aplacasse a sua inveja da maternidade:
o privilégio do sacrifício cruento, vertendo o sangue de uma vítima para
que uma certa forma de "vida" pudesse surgir. Por esta ou por outras
razões, o facto é que as grandes religiões monoteístas (judaísmo,
cristianismo e islamismo), nas suas versões mais "oficiais", foram
declarando o papel subordinado da mulher, pois, como diz Paulo, "a
cabeça da mulher é o homem". E, se pudesse, creio que a Igreja Católica
reescreveria o discurso das Bem-aventuranças, pondo de um lado as
adequadas aos homens, e do outro as adequadas às mulheres. Penso que
Cristo foi um grande defensor das mulheres, mas a sua (?) Igreja não
conseguiu manter-se ao mesmo nível. Pela voz da Igreja católica e de
outras religiões continua a manifestar-se um antigo horror à mulher que,
se por um lado pode quase configurar uma espécie de crime contra a
humanidade, por outro é uma posição merecedora de estudo aprofundado,
pois esclarece-nos muito sobre as questões de género, ajudando-nos a
perceber por que é que os homens actuam em sociedade como se
pertencessem a uma espécie de "raça" superior.
O. M. S. O teu livro aparece com a indicação de que se trata do volume
I. Significa isso que pensas publicar mais volumes? Com que
regularidade? Se entretanto o caminho te conduzir de facto à descrença,
admites a possibilidade de uma alteração de título?
L. F. S. De facto, não tencionava "descontinuar" este Diário. Aliás, no
meu computador, lá vai crescendo, ao sabor dos tempos. Agora a respeito
da regularidade de publicação, não posso prevê-la neste momento, tanto
mais quanto não sei se os problemas de saúde de que padeço irão diminuir
ou aumentar a sua escrita. Um outro volume para daqui a um ano?...
Quanto à eventualidade de ser conduzida "de facto" à descrença, eis aí
um problema que começa logo pela definição de crença e descrença, cujo
conteúdo irei tentando delimitar ao longo do "caminho". Um determinado
tipo de descrença não elimina radicalmente a possibilidade da crença.
Falta saber em quê. Seja como for, para já, não entrevejo uma mudança de
título, como se aí estivesse um ponto de partida (ou de chegada)
demasiado marcante para ser deitado fora antes de ser devidamente
explorado. E vontade para efectuar essa exploração é algo que não me falta.
terça-feira, 4 de novembro de 2003
Receios
Leio no Aviz:
«O nosso sentimento actual de desorientação, de recaída na violência, de perda na insensibilidade moral; a nossa viva impressão de uma quebra profunda no campo dos valores da arte e no da decadência dos códigos pessoais e sociais; os nossos receios de uma nova ?idade das trevas? em que a própria civilização, tal como a conhecemos, possa desaparecer ou se restrinja a pequenas ilhas de preservação arcaica ? esses receios tão palpáveis e generalizados que se transformaram num cliché do estado de espírito da época ? tiram de uma comparação a sua força e a sua evidência aparente. [?] A nossa experiência do presente, os juízos, tantas vezes negativos, que fazemos acerca do nosso lugar na história, vivem continuamente contra o fundo daquilo a que eu gostaria de chamar o ?mito do século XIX? ou o ?jardim imaginário da cultura liberal?. [?] A minha tese é que certas origens da inumanidade, da crise que nos obriga hoje a uma redefinição da cultura, devem ser procuradas na longa paz do século XIX e no nó mais denso do tecido complexo da civilização. [?] A arte, as investigações intelectuais, o desenvolvimento das ciências, múltiplos sectores de actividade universitária, floresceram numa estreita proximidade espacial e temporal relativamente aos campos de extermínio. Ao contrário do que acontecia nas fantasias das fábulas apocalípticas do século XIX, a barbárie irrompeu do coração da Europa.»
"GEORGE STEINER, in Bluebeard's Castle
Leio no Aviz:
«O nosso sentimento actual de desorientação, de recaída na violência, de perda na insensibilidade moral; a nossa viva impressão de uma quebra profunda no campo dos valores da arte e no da decadência dos códigos pessoais e sociais; os nossos receios de uma nova ?idade das trevas? em que a própria civilização, tal como a conhecemos, possa desaparecer ou se restrinja a pequenas ilhas de preservação arcaica ? esses receios tão palpáveis e generalizados que se transformaram num cliché do estado de espírito da época ? tiram de uma comparação a sua força e a sua evidência aparente. [?] A nossa experiência do presente, os juízos, tantas vezes negativos, que fazemos acerca do nosso lugar na história, vivem continuamente contra o fundo daquilo a que eu gostaria de chamar o ?mito do século XIX? ou o ?jardim imaginário da cultura liberal?. [?] A minha tese é que certas origens da inumanidade, da crise que nos obriga hoje a uma redefinição da cultura, devem ser procuradas na longa paz do século XIX e no nó mais denso do tecido complexo da civilização. [?] A arte, as investigações intelectuais, o desenvolvimento das ciências, múltiplos sectores de actividade universitária, floresceram numa estreita proximidade espacial e temporal relativamente aos campos de extermínio. Ao contrário do que acontecia nas fantasias das fábulas apocalípticas do século XIX, a barbárie irrompeu do coração da Europa.»
"GEORGE STEINER, in Bluebeard's Castle
sábado, 1 de novembro de 2003
"Señas de nuestro tiempo
: [Marcial Romero]
'Una pieza de teatro que corresponda a la situación del mundo
hoy. ¿De qué debería tratar? De la respiración desasosegada.'
(E. Canetti, 1979, Apuntes 1973-1984)
Nuestro tiempo como preocupación, como problemático, como desorientación, como cierre y apertura, como tiempo que navega en aguas turbulentas, como tiempo histórico y a-histórico, vamos, un tiempo de orillas, en el que el puente entre el antes y el después está roto (1).
Hay que reconocer que nuestro siglo XX ha resultado un tiempo emocionalmente intenso, a poco que nos fijemos en los constantes movimientos de masas humanas reventadas en el orbe mundial (2) o en la violencia endémica que afecta a poblaciones enteras. Y esta ya es una razón suficiente que empuja por sí misma a pararse a considerarlo. La idea de nuestro tiempo no puede borrar esta memoria fatídica, cruel y dolorosa (3). Nuestro tiempo está impregnado de ese blanco y negro nocturno de entreguerras que, sobre todo en Occidente, ha mantenido a nuestros abuelos y padres en una rumia de víctimas y verdugos (4): una constante reiteración de la muerte. (...) "
: [Marcial Romero]
'Una pieza de teatro que corresponda a la situación del mundo
hoy. ¿De qué debería tratar? De la respiración desasosegada.'
(E. Canetti, 1979, Apuntes 1973-1984)
Nuestro tiempo como preocupación, como problemático, como desorientación, como cierre y apertura, como tiempo que navega en aguas turbulentas, como tiempo histórico y a-histórico, vamos, un tiempo de orillas, en el que el puente entre el antes y el después está roto (1).
Hay que reconocer que nuestro siglo XX ha resultado un tiempo emocionalmente intenso, a poco que nos fijemos en los constantes movimientos de masas humanas reventadas en el orbe mundial (2) o en la violencia endémica que afecta a poblaciones enteras. Y esta ya es una razón suficiente que empuja por sí misma a pararse a considerarlo. La idea de nuestro tiempo no puede borrar esta memoria fatídica, cruel y dolorosa (3). Nuestro tiempo está impregnado de ese blanco y negro nocturno de entreguerras que, sobre todo en Occidente, ha mantenido a nuestros abuelos y padres en una rumia de víctimas y verdugos (4): una constante reiteración de la muerte. (...) "
La vida y la poesía
Entrevista: Francisco Brines -nº 22 Espéculo (UCM): "Es que el hombre no es el poeta. La vida es una cosa y la poesía otra. La poesía es un espejo al que nos asomamos y en el que aparece un personaje que no tiene nuestro rostro, pero que sabemos somos nosotros, pero nosotros de una manera muy peculiar; es como cuando aparecemos u aparecen personas que nos son cercanas en los sueños: somos nosotros o ellas, pero con otro rostro. La poesía devela aspectos oscuros y desconocidos en nosotros y que sólo por el método poético llegamos a conocer; pero también podemos opacar otros que son muy nuestros."
Francisco Brines, 2003
Entrevista: Francisco Brines -nº 22 Espéculo (UCM): "Es que el hombre no es el poeta. La vida es una cosa y la poesía otra. La poesía es un espejo al que nos asomamos y en el que aparece un personaje que no tiene nuestro rostro, pero que sabemos somos nosotros, pero nosotros de una manera muy peculiar; es como cuando aparecemos u aparecen personas que nos son cercanas en los sueños: somos nosotros o ellas, pero con otro rostro. La poesía devela aspectos oscuros y desconocidos en nosotros y que sólo por el método poético llegamos a conocer; pero también podemos opacar otros que son muy nuestros."
Francisco Brines, 2003
terça-feira, 21 de outubro de 2003
RECOMENDAÇÕES DE S. BERNARDO
«Ainda que conhecesses todos os mistérios, toda a vastidão da terra, toda a altura do céu e a profundidade do mar, se te ignorasses a ti mesmo, serias como aquele que constrói sem alicerces e prepara não um edifício, mas uma ruína. Tudo o que construíres a teu lado não será senão um monte de poeira que o vento dispersa. (...). O sábio será sábio em relação a si e será o primeiro a beber a água do seu poço.»
(via Abrupto)
«Ainda que conhecesses todos os mistérios, toda a vastidão da terra, toda a altura do céu e a profundidade do mar, se te ignorasses a ti mesmo, serias como aquele que constrói sem alicerces e prepara não um edifício, mas uma ruína. Tudo o que construíres a teu lado não será senão um monte de poeira que o vento dispersa. (...). O sábio será sábio em relação a si e será o primeiro a beber a água do seu poço.»
(via Abrupto)
sexta-feira, 17 de outubro de 2003
Não durmais já, não durmais
Todos os que militais
debaixo desta bandeira,
não durmais já, não durmais,
pois que não há paz na terra.
E como capitão forte
o nosso Deus quis morrer,
sigamo-lo sem nos deter,
pois nós lhe demos a morte.
Oh que venturosa sorte
teve ele após esta guerra!
Não durmais já, não durmais,
porque Deus falta na terra.
Com grande contentamento
se oferece a morrer na cruz,
para a todos nos dar luz
com seu grande sofrimento.
Oh glorioso vencimento!
Oh que ditosa esta guerra!
Não durmais já, não durmais,
porque deus falta na terra.
Aventuremos a vida!
Não há quem melhor a guarde
que quem a deu por perdida.
Pois é Jesus nosso guia,
sendo o prémio desta guerra.
Não durmais já, não durmais
porque não há paz na terra.
Ofereçamo-nos inteiras,
a morrer por Cristo todas,
para nas celestiais bodas
nós estarmos prazenteiras.
Sigamos esta bandeira,
pois Cristo vai na dianteira.
Nada a temer, não durmais,
pois que não há paz na terra.
Santa Teresa de Ávila
(no Intrusos)
Todos os que militais
debaixo desta bandeira,
não durmais já, não durmais,
pois que não há paz na terra.
E como capitão forte
o nosso Deus quis morrer,
sigamo-lo sem nos deter,
pois nós lhe demos a morte.
Oh que venturosa sorte
teve ele após esta guerra!
Não durmais já, não durmais,
porque Deus falta na terra.
Com grande contentamento
se oferece a morrer na cruz,
para a todos nos dar luz
com seu grande sofrimento.
Oh glorioso vencimento!
Oh que ditosa esta guerra!
Não durmais já, não durmais,
porque deus falta na terra.
Aventuremos a vida!
Não há quem melhor a guarde
que quem a deu por perdida.
Pois é Jesus nosso guia,
sendo o prémio desta guerra.
Não durmais já, não durmais
porque não há paz na terra.
Ofereçamo-nos inteiras,
a morrer por Cristo todas,
para nas celestiais bodas
nós estarmos prazenteiras.
Sigamos esta bandeira,
pois Cristo vai na dianteira.
Nada a temer, não durmais,
pois que não há paz na terra.
Santa Teresa de Ávila
(no Intrusos)
segunda-feira, 13 de outubro de 2003
Le principe de lucidité
"« LE FEU SACRÉ », DE RÉGIS DEBRAY
Le principe de lucidité
Par MICHEL COOL
Rédacteur en chef de Témoignage chrétien.
Dans l’inventaire que Régis Debray dresse des valeurs supposées démodées de notre modernité, le fait religieux succède à Dieu, héros de son précédent ouvrage (1). Dans cet essai (2), on retrouve son verbe érudit et ciselé pour tordre le cou à certains poncifs sur le fait religieux, objet de ressentiments souvent injustes et injustifiés.
Première cible du président du tout nouvel Institut européen en sciences des religions, la présomption laïque de la France. Non contente d’avoir été « la fille aînée » de l’Eglise catholique, « elle se prend parfois pour la fille aînée de la laïcité. Ce droit d’aînesse reviendrait plutôt au Mexique, où la Séparation fut inscrite dans la Constitution par Benito Juarez, bien avant [1860]. » Raison de plus, insiste l’auteur, pour être modeste et ne pas confondre la « piété républicaine », dont il reste lui-même imprégné, avec « un combat antireligieux que la laïcité n’est aucunement ».
Régis Debray remet ainsi plusieurs pendules à l’heure. Non, les religions ne sont ni plus bellicistes qu’hier ni plus criminelles de guerre que ne le prétendent leurs procureurs amnésiques des crimes commis au XXe siècle au nom d’idéologies athées : « A Athènes comme à Rome, la guerre était déjà une entreprise religieuse. (...) L’imbrication du divin et du sanglant ne date pas d’hier. (...) Ce sont les hommes qui font la guerre des dieux. » Quant à l’islam, qui fait rugir les nouveaux dévots d’une laïcité radicale, son extrême pluralité culturelle et spirituelle devrait amener à plus de discernement.
En bon horloger soucieux que les aiguilles tournent dans le bon sens, l’auteur appelle son lecteur à être enfin à l’heure à l’école du fait religieux. A s’émanciper de la « censure faraude et suicidaire », cause de l’inculture religieuse depuis plusieurs générations. Or, pour lire un journal, comprendre le monde ou se comprendre soi-même, le fait religieux demeure un gué indispensable.
Le principe de lucidité gouverne chaque page de ce livre. Il offre, en outre, une sélection de photographies et de citations qui illustrent fort à propos l’extraordinaire fécondité du religieux dans notre histoire. Debray ne cache pas son admiration pour le « chef-d’oeuvre idéologique » que représente à ses yeux l’Eglise catholique romaine. Mieux que tout autre système de croyance et de gouvernement, elle a su résister aux assauts des époques, des modes et des révolutions. Elle accrédite la maxime de Goethe selon laquelle « le génie est de durer ». Fût-ce au prix de l’immobilisme, du conservatisme et du statu quo institutionnel qu’incarne Jean Paul II, qui, sur ce point, contredit la volonté rénovatrice du concile Vatican II.
Quitte à en déconcerter plus d’un, Régis Debray trouve des circonstances atténuantes à cette théocratie immuable : elle eut, selon lui, le mérite d’inventer, dès la fin du Ve siècle, des « îlots de démocratie représentative » : les monastères bénédictins.
A sa façon, ce livre est un plaidoyer pour que la France, mais aussi l’Europe, n’enterrent pas leurs racines religieuses. Leur « feu sacré » n’est pas superflu, pense Debray, pour regonfler les voiles humanistes d’un continent tenté de n’être plus qu’une zone économique."
"« LE FEU SACRÉ », DE RÉGIS DEBRAY
Le principe de lucidité
Par MICHEL COOL
Rédacteur en chef de Témoignage chrétien.
Dans l’inventaire que Régis Debray dresse des valeurs supposées démodées de notre modernité, le fait religieux succède à Dieu, héros de son précédent ouvrage (1). Dans cet essai (2), on retrouve son verbe érudit et ciselé pour tordre le cou à certains poncifs sur le fait religieux, objet de ressentiments souvent injustes et injustifiés.
Première cible du président du tout nouvel Institut européen en sciences des religions, la présomption laïque de la France. Non contente d’avoir été « la fille aînée » de l’Eglise catholique, « elle se prend parfois pour la fille aînée de la laïcité. Ce droit d’aînesse reviendrait plutôt au Mexique, où la Séparation fut inscrite dans la Constitution par Benito Juarez, bien avant [1860]. » Raison de plus, insiste l’auteur, pour être modeste et ne pas confondre la « piété républicaine », dont il reste lui-même imprégné, avec « un combat antireligieux que la laïcité n’est aucunement ».
Régis Debray remet ainsi plusieurs pendules à l’heure. Non, les religions ne sont ni plus bellicistes qu’hier ni plus criminelles de guerre que ne le prétendent leurs procureurs amnésiques des crimes commis au XXe siècle au nom d’idéologies athées : « A Athènes comme à Rome, la guerre était déjà une entreprise religieuse. (...) L’imbrication du divin et du sanglant ne date pas d’hier. (...) Ce sont les hommes qui font la guerre des dieux. » Quant à l’islam, qui fait rugir les nouveaux dévots d’une laïcité radicale, son extrême pluralité culturelle et spirituelle devrait amener à plus de discernement.
En bon horloger soucieux que les aiguilles tournent dans le bon sens, l’auteur appelle son lecteur à être enfin à l’heure à l’école du fait religieux. A s’émanciper de la « censure faraude et suicidaire », cause de l’inculture religieuse depuis plusieurs générations. Or, pour lire un journal, comprendre le monde ou se comprendre soi-même, le fait religieux demeure un gué indispensable.
Le principe de lucidité gouverne chaque page de ce livre. Il offre, en outre, une sélection de photographies et de citations qui illustrent fort à propos l’extraordinaire fécondité du religieux dans notre histoire. Debray ne cache pas son admiration pour le « chef-d’oeuvre idéologique » que représente à ses yeux l’Eglise catholique romaine. Mieux que tout autre système de croyance et de gouvernement, elle a su résister aux assauts des époques, des modes et des révolutions. Elle accrédite la maxime de Goethe selon laquelle « le génie est de durer ». Fût-ce au prix de l’immobilisme, du conservatisme et du statu quo institutionnel qu’incarne Jean Paul II, qui, sur ce point, contredit la volonté rénovatrice du concile Vatican II.
Quitte à en déconcerter plus d’un, Régis Debray trouve des circonstances atténuantes à cette théocratie immuable : elle eut, selon lui, le mérite d’inventer, dès la fin du Ve siècle, des « îlots de démocratie représentative » : les monastères bénédictins.
A sa façon, ce livre est un plaidoyer pour que la France, mais aussi l’Europe, n’enterrent pas leurs racines religieuses. Leur « feu sacré » n’est pas superflu, pense Debray, pour regonfler les voiles humanistes d’un continent tenté de n’être plus qu’une zone économique."
quarta-feira, 8 de outubro de 2003
Tertullian : Some quoted passages: "Nec ratio enim sine bonitate ratio est, nec bonitas sine ratione bonitas ...
A razão sem bondade não é razão, tal como a bondade sem razão não é bondade.
Tertuliano
Adversus Marcionem II, 6, 2.
A razão sem bondade não é razão, tal como a bondade sem razão não é bondade.
Tertuliano
Adversus Marcionem II, 6, 2.
LA MUSIQUE DANS LA LITURGIE.
Tout être humain a une disposition naturelle pour s’élever et contempler:
"Le Concile Vatican II n’a jamais cessé de réaffirmer que le chant grégorien, la polyphonie et l’orgue à tuyaux étaient l’expression par excellence des mystères de la Mort-Résurrection du Christ. Dans un souci de pédagogie et de bonne compréhension de tous, il a favorisé un langage vernaculaire. Cela ne peut qu’être
qu’une bonne chose. Les défis à relever sont nombreux au plan de la création musicale et, si, pendant quelques temps, les musiciens professionnels ont fait la sourde oreille à cette invitation d’écrire dans cette nouvelle manière, on constate avec joie qu’enfin, beaucoup se mettent à l’ouvrage.
Certes, il y a beaucoup à faire et disons-le franchement, fort d’un répertoire inexistant, plusieurs personnes de bonne volonté ont composé des musiques qui sont parfois loin d’être édifiantes. La bonne volonté ne donne pas la compétence.
Il me semble difficile de prier sur une musique qui ne correspond pas à la justesse de ce qui se vit dans une liturgie alors qu’elle nous invite à passer un moment hors d’un monde étourdissant, assourdissant, et qui vit son enfer cacophonique que crie une musique torturée et tonitruante. On ne peut parler de ce cas d’introspection spirituelle, d’appel en soi-même, là où, dans le silence de son for interne, on peut se trouver bien sûr, mais surtout, faire en nous-mêmes la rencontre de ce Dieu unique et merveilleux qui nous parle au cœur de nos émotions.
L’appel est lancé, le défi est grand et magnifique. A nous d’y répondre."
Pierre Grandmaison
Titulaire des orgues de Notre-Dame de Montréal
Tout être humain a une disposition naturelle pour s’élever et contempler:
"Le Concile Vatican II n’a jamais cessé de réaffirmer que le chant grégorien, la polyphonie et l’orgue à tuyaux étaient l’expression par excellence des mystères de la Mort-Résurrection du Christ. Dans un souci de pédagogie et de bonne compréhension de tous, il a favorisé un langage vernaculaire. Cela ne peut qu’être
qu’une bonne chose. Les défis à relever sont nombreux au plan de la création musicale et, si, pendant quelques temps, les musiciens professionnels ont fait la sourde oreille à cette invitation d’écrire dans cette nouvelle manière, on constate avec joie qu’enfin, beaucoup se mettent à l’ouvrage.
Certes, il y a beaucoup à faire et disons-le franchement, fort d’un répertoire inexistant, plusieurs personnes de bonne volonté ont composé des musiques qui sont parfois loin d’être édifiantes. La bonne volonté ne donne pas la compétence.
Il me semble difficile de prier sur une musique qui ne correspond pas à la justesse de ce qui se vit dans une liturgie alors qu’elle nous invite à passer un moment hors d’un monde étourdissant, assourdissant, et qui vit son enfer cacophonique que crie une musique torturée et tonitruante. On ne peut parler de ce cas d’introspection spirituelle, d’appel en soi-même, là où, dans le silence de son for interne, on peut se trouver bien sûr, mais surtout, faire en nous-mêmes la rencontre de ce Dieu unique et merveilleux qui nous parle au cœur de nos émotions.
L’appel est lancé, le défi est grand et magnifique. A nous d’y répondre."
Pierre Grandmaison
Titulaire des orgues de Notre-Dame de Montréal
terça-feira, 30 de setembro de 2003
Das palmas e das danças
Manuel Pinto
O papa João Paulo II conhece como ninguém as danças e as palmas nas celebrações. E, o que é mais, dá repetidos sinais de gostar desse modo de celebrar. Tem vindo a crescer, por outro lado, o uso de algumas formas de expressão corporal nas eucaristias. Não é necessário frequentar as igrejas para verificar isso mesmo: basta estar atento às transmissões da missa nos canais televisivos.
De modo que não poderiam deixar de provocar espanto e incredulidade as notícias sobre um esboço de documento que estaria a ser preparado entre congregações do Vaticano, no sentido de identificar e condenar uma lista de abusos litúrgicos e, o que seria ainda mais preocupante, incentivar os cristãos que os testemunhem a denunciá-los à autoridade eclesiástica.
Boa parte dos media gostam imenso deste tipo de notícias, porque vem justificar em cheio o primarismo religioso de muitos jornalistas, que disfarça mal uma profunda ignorância do fenómeno sobre o qual emitem as opiniões mais categóricas. É ver que, com base nos elementos divulgados, quase ninguém procurou responder a perguntas muito simples que poderiam ajudar a compreender o que se está a passar.
Desde logo, estas perguntas básicas: porque é que uma matéria “quente” como esta é filtrada para a revista “Jesus” dos Paulistas italianos? Quais são as congregações envolvidas na elaboração do documento? E, dentro dessas comissões, quem são os protagonistas? E que notícias há sobre a receptividade dos bispos, nas consultas que foram feitas? E quais os problemas reais que o documento pretende tratar? E como sentem e percebem os responsáveis da pastoral da Igreja, e mesmo os cristãos comuns, este assunto? Sobre todos estes pontos é possível inquirir e, em alguns casos, há vasta matéria publicada. Só que isso já não interessa porque desactiva a polémica e o escândalo.
Pela parte que me toca, julgo sensato que a Igreja cuide da dignidade e da qualidade das suas celebrações. Estas não podem ser actos gélidos e entediantes, mas também não é lógico que se transformem em números espanpanantes de show biz, com um mestre de cerimónias à frente. Entendo, por outro lado, que não está resolvida, no interior da Igreja, a tensão entre um ascetismo essencialista e um cuidado com as linguagens, incluindo as do corpo. Há grupos de pressão fortíssimos, que já não acharam graça nenhuma às inovações pós-conciliares, que aproveitam agora a conjuntura para marcar a agenda e determinar o quadro normativo. Quero crer que o bom senso prevalecerá. A divulgação prévia do borrão de texto é, para mim, sinal disso mesmo.
(Crónica no Diário do Minho, 29.09.2003)
Manuel Pinto
O papa João Paulo II conhece como ninguém as danças e as palmas nas celebrações. E, o que é mais, dá repetidos sinais de gostar desse modo de celebrar. Tem vindo a crescer, por outro lado, o uso de algumas formas de expressão corporal nas eucaristias. Não é necessário frequentar as igrejas para verificar isso mesmo: basta estar atento às transmissões da missa nos canais televisivos.
De modo que não poderiam deixar de provocar espanto e incredulidade as notícias sobre um esboço de documento que estaria a ser preparado entre congregações do Vaticano, no sentido de identificar e condenar uma lista de abusos litúrgicos e, o que seria ainda mais preocupante, incentivar os cristãos que os testemunhem a denunciá-los à autoridade eclesiástica.
Boa parte dos media gostam imenso deste tipo de notícias, porque vem justificar em cheio o primarismo religioso de muitos jornalistas, que disfarça mal uma profunda ignorância do fenómeno sobre o qual emitem as opiniões mais categóricas. É ver que, com base nos elementos divulgados, quase ninguém procurou responder a perguntas muito simples que poderiam ajudar a compreender o que se está a passar.
Desde logo, estas perguntas básicas: porque é que uma matéria “quente” como esta é filtrada para a revista “Jesus” dos Paulistas italianos? Quais são as congregações envolvidas na elaboração do documento? E, dentro dessas comissões, quem são os protagonistas? E que notícias há sobre a receptividade dos bispos, nas consultas que foram feitas? E quais os problemas reais que o documento pretende tratar? E como sentem e percebem os responsáveis da pastoral da Igreja, e mesmo os cristãos comuns, este assunto? Sobre todos estes pontos é possível inquirir e, em alguns casos, há vasta matéria publicada. Só que isso já não interessa porque desactiva a polémica e o escândalo.
Pela parte que me toca, julgo sensato que a Igreja cuide da dignidade e da qualidade das suas celebrações. Estas não podem ser actos gélidos e entediantes, mas também não é lógico que se transformem em números espanpanantes de show biz, com um mestre de cerimónias à frente. Entendo, por outro lado, que não está resolvida, no interior da Igreja, a tensão entre um ascetismo essencialista e um cuidado com as linguagens, incluindo as do corpo. Há grupos de pressão fortíssimos, que já não acharam graça nenhuma às inovações pós-conciliares, que aproveitam agora a conjuntura para marcar a agenda e determinar o quadro normativo. Quero crer que o bom senso prevalecerá. A divulgação prévia do borrão de texto é, para mim, sinal disso mesmo.
(Crónica no Diário do Minho, 29.09.2003)
quarta-feira, 24 de setembro de 2003
Religious Blogs Provide Forum for Personal Opinions on Faith, Worship and Spirituality
By Cary McMullen
Ledger Religion Editor
cary.mcmullen@theledger.com
"And on the 2,893,402,568th day, man created blogs. And he used them to post all manner of links and opinions and digital photos. And man saw that the blogs were good for speaking with others about God. And he caused the blogs to be fruitful and multiply, so that they covered the Internet."
Once, members of churches, synagogues and mosques were limited in the times and places they could express their personal beliefs and opinions. Then came blogs.
If you're behind the technological curve, Weblogs -- blogs, for short -- are a kind of interactive Web page that is easily updated. Blogs can be used as a catalogue or magazine of links to articles on a particular topic. But most bloggers, as they are known, use their Weblogs as public journals, posting on them their musings on their personal lives or on any subject of interest to them -- literature, movies, politics or religion -- and inviting responses from anyone who reads them.
Blogging readily became a forum for political commentary, but people of faith discovered it was a tool to exchange news and views. And even if cyberspace isn't exactly the same as a place of worship, bloggers say that it creates a kind of community that bridges huge distances.
As an example of what you might find on a religious blog, consider this posting from Catholic writer and former Lakeland resident Amy Welborn about the current state of the Mass:
"It's just such a disconnected, staticy, jostled mess. There is just such a stop-and-go feeling about it, such a feeling of tension as we enter the Church, wonder what we're going to have to do this week, as we warily watch the music minister, wondering what he's going to scold us for this time. . . . What is this connected to? Are the parts connected to each other? Is this connected to the universal Church? Are we connecting to God?"
Or this from the Weblog Mark Byron of Lake Wales on Alabama Gov. Bob Riley's proposed tax plan:
"The tax package is the brainchild of a tax lawyer named Susan Hamill, who found a so-so Methodist faith strengthened during a sabatical (sic) at Samford University's Beeson Divinity School. Hamill started seriously studying the Bible and grafted a help-the-poor message of the Bible to a left-leaning political outlook."
Religious bloggers say that blogs have proliferated just within the past few years. A "semi-definitive list of Christian blogs," http://blogs4god.com, cites 844 blogs. A humorous Weblog ring, www.thinkhalal.com, lists 179 Muslim blogs. And a Jewish Weblogring, www.gavroche.org/jblog. html, lists 110 blogs.
There are even a couple of bloggers who have near-celebrity status. Andrew Sullivan, the self-proclaimed conservative gay Catholic writer, has a much-referenced blog (www.andrewsullivan.com). And Jewish World Review columnist Eve Tushnet is similarly admired for her blog (http://eve-tushnet.blogspot.com).
Momentous events, such as Sept. 11 or the war in Iraq, tend to cause new ones to spring up, as a way of exchanging articles and opinions. Welborn said for Catholics, the sex-abuse scandal in the church had the same effect.
"People started coming to us for news and opinions. It seemed no one else was trustworthy. The secular press had news but not trustworthy motives, and the Catholic press is a glorified church bulletin. We wanted the truth about what was happening and to talk about it honestly. Blogs gave a real forum for that," she said.
INSPIRING OTHERS
Welborn has had her blog, titled Open Book (http://amywelborn.typepad.com/openbook) for about two years. It replaced her personal Web page, which she used to promote her articles and books but found difficult to update. Welborn said blogs are like a seminar or creative writing class.
"It gives you a forum to hash out ideas," she said, speaking by phone from Fort Wayne, Ind., where she lives with her husband and children. "It gives me a way to work out columns and articles in a more intimate setting."
"Intimate" may seem a strange word to use for such a public device, but Welborn said there are about 20 or 30 people who regularly comment on her blog postings that she thinks of as a circle.
"In the Catholic church, there's a lot of division. Blogs give people a chance to hook up with like-minded people. It doesn't replace a face-to-face church, but for people interested in ideas and issues, it's a great place," she said.
Byron, an assistant professor of business at Warner Southern College, started his blog (http://markbyron.blogspot.com) in January 2002. A reader of other blogs, especially political ones, he decided to start his own.
"At first, I wrote more on secular politics and economics, albeit from a Christian perspective. Now I'm putting more Christian content on it," he said.
Byron began adding a scripture verse -- "Edifier du jour," he calls it -- in the margin of the blog, then began adding a devotional comment to it. Christian readers began responding to them.
"The value is that it's a way to express yourself, to vent your spleen in a way you might not be able to in real life, at a fairly high intellectual level. It allows you to assume what you're doing is of value, of edification to others. You share your struggles and maybe that touches someone else's heart," he said.
GETTING PERSONAL
Sharing your personal problems with the world might seem risky. Byron occasionally writes about his wife's struggle with depression.
"It takes some nerve. I'm fairly open about myself, but I have to clear things with my wife before I post them," he said.
Writing too much about one's own life can also seem egocentric, a perennial danger for bloggers, Welborn said.
"I try to balance what I do. I have family and friends who read my personal stuff, but I'm not under the delusion everyone's going to be interested. But the kind of writing I've been doing for a long time is digging out spirituality in everyday life. If I mention my kids, it's because I'm drawing something out of it," she said.
For those who think that the media gives a distorted view of religion, individuals and organizations can set up blogs to serve as a corrective.
"A vast majority of blogs do have some sort of media watchdog function, as a fact-checker," said Ted Olsen, online managing editor of Christianity Today, who began running a Weblog within the magazine's Web page (www.christianitytoday.com) in 1999. "When Weblogs started, it was `Here's an interesting article.' Now it's `Here's a really stupid article.' Ranting is a fun thing to do, and blogs make that easy."
FUTURE BLOGS
A new blog in the works aims to give visibility to unreported stories about religion. The blog, tentatively titled faithwatch.org, will "purposely look for stories where they missed the religion angle," said Terry Mattingly, a columnist and associate professor of communications at Palm Beach Atlantic University, who is helping start the blog along with the Ethics and Public Policy Center, a Washington, D.C., think tank.
Yet another future for blogs may lie in theological education. The Rev. A.K.M. Adam, associate professor of New Testament at Seabury-Western Seminary in Evanston, Ill., is helping to organize a "disseminary" -- an alternative online seminary -- that borrows a page from Napster.
According to The Disseminary Web site (http://disseminary.org), the alternative seminary would consist initially of group blogs on a couple of topics that would run for six or seven weeks. Organizers started accepting applications this week. Eventually, Adam said, he hopes The Disseminary would offer a slate of courses led by top scholars and run online academic journals.
"It's imperative to let our imaginations be instructed by the medium," he said by phone from his office. "If we make an opportunity for people to get information they're interested in, they'll follow it. The academy prevents that by requiring people to relocate, put up vast sums of money and meet certain requirements. Theologians especially ought to be willing to extend knowledge to people who are interested in it,"
Adam also suggested that congregations could use blogs as a way of giving prospective visitors an honest look at the inner life of a church, synagogue or mosque.
"If we don't make that public at the start, it's asking someone to invest the energy to find the church before having a strong reason to know if he wants to go there," he said.
The public aspect of blogs offers a chance to engage the world in a positive way, said Olsen, the Christianity Today editor.
"I think there needs to be more thought given to what we're trying to do with blogs. Are we trying to influence culture? Rant? Talk to a circle of friends? I'm not sure most bloggers have thought it through," he said.
"It's too ad hoc -- `here's a bunch of stuff I like.' There needs to be a mission, a focus, more intentionality."
Cary McMullen can be reached via e-mail at cary.mcmullen@ theledger.com or by calling 863-802-7509.
(dica de ContraFactos & Argumentos)
By Cary McMullen
Ledger Religion Editor
cary.mcmullen@theledger.com
"And on the 2,893,402,568th day, man created blogs. And he used them to post all manner of links and opinions and digital photos. And man saw that the blogs were good for speaking with others about God. And he caused the blogs to be fruitful and multiply, so that they covered the Internet."
Once, members of churches, synagogues and mosques were limited in the times and places they could express their personal beliefs and opinions. Then came blogs.
If you're behind the technological curve, Weblogs -- blogs, for short -- are a kind of interactive Web page that is easily updated. Blogs can be used as a catalogue or magazine of links to articles on a particular topic. But most bloggers, as they are known, use their Weblogs as public journals, posting on them their musings on their personal lives or on any subject of interest to them -- literature, movies, politics or religion -- and inviting responses from anyone who reads them.
Blogging readily became a forum for political commentary, but people of faith discovered it was a tool to exchange news and views. And even if cyberspace isn't exactly the same as a place of worship, bloggers say that it creates a kind of community that bridges huge distances.
As an example of what you might find on a religious blog, consider this posting from Catholic writer and former Lakeland resident Amy Welborn about the current state of the Mass:
"It's just such a disconnected, staticy, jostled mess. There is just such a stop-and-go feeling about it, such a feeling of tension as we enter the Church, wonder what we're going to have to do this week, as we warily watch the music minister, wondering what he's going to scold us for this time. . . . What is this connected to? Are the parts connected to each other? Is this connected to the universal Church? Are we connecting to God?"
Or this from the Weblog Mark Byron of Lake Wales on Alabama Gov. Bob Riley's proposed tax plan:
"The tax package is the brainchild of a tax lawyer named Susan Hamill, who found a so-so Methodist faith strengthened during a sabatical (sic) at Samford University's Beeson Divinity School. Hamill started seriously studying the Bible and grafted a help-the-poor message of the Bible to a left-leaning political outlook."
Religious bloggers say that blogs have proliferated just within the past few years. A "semi-definitive list of Christian blogs," http://blogs4god.com, cites 844 blogs. A humorous Weblog ring, www.thinkhalal.com, lists 179 Muslim blogs. And a Jewish Weblogring, www.gavroche.org/jblog. html, lists 110 blogs.
There are even a couple of bloggers who have near-celebrity status. Andrew Sullivan, the self-proclaimed conservative gay Catholic writer, has a much-referenced blog (www.andrewsullivan.com). And Jewish World Review columnist Eve Tushnet is similarly admired for her blog (http://eve-tushnet.blogspot.com).
Momentous events, such as Sept. 11 or the war in Iraq, tend to cause new ones to spring up, as a way of exchanging articles and opinions. Welborn said for Catholics, the sex-abuse scandal in the church had the same effect.
"People started coming to us for news and opinions. It seemed no one else was trustworthy. The secular press had news but not trustworthy motives, and the Catholic press is a glorified church bulletin. We wanted the truth about what was happening and to talk about it honestly. Blogs gave a real forum for that," she said.
INSPIRING OTHERS
Welborn has had her blog, titled Open Book (http://amywelborn.typepad.com/openbook) for about two years. It replaced her personal Web page, which she used to promote her articles and books but found difficult to update. Welborn said blogs are like a seminar or creative writing class.
"It gives you a forum to hash out ideas," she said, speaking by phone from Fort Wayne, Ind., where she lives with her husband and children. "It gives me a way to work out columns and articles in a more intimate setting."
"Intimate" may seem a strange word to use for such a public device, but Welborn said there are about 20 or 30 people who regularly comment on her blog postings that she thinks of as a circle.
"In the Catholic church, there's a lot of division. Blogs give people a chance to hook up with like-minded people. It doesn't replace a face-to-face church, but for people interested in ideas and issues, it's a great place," she said.
Byron, an assistant professor of business at Warner Southern College, started his blog (http://markbyron.blogspot.com) in January 2002. A reader of other blogs, especially political ones, he decided to start his own.
"At first, I wrote more on secular politics and economics, albeit from a Christian perspective. Now I'm putting more Christian content on it," he said.
Byron began adding a scripture verse -- "Edifier du jour," he calls it -- in the margin of the blog, then began adding a devotional comment to it. Christian readers began responding to them.
"The value is that it's a way to express yourself, to vent your spleen in a way you might not be able to in real life, at a fairly high intellectual level. It allows you to assume what you're doing is of value, of edification to others. You share your struggles and maybe that touches someone else's heart," he said.
GETTING PERSONAL
Sharing your personal problems with the world might seem risky. Byron occasionally writes about his wife's struggle with depression.
"It takes some nerve. I'm fairly open about myself, but I have to clear things with my wife before I post them," he said.
Writing too much about one's own life can also seem egocentric, a perennial danger for bloggers, Welborn said.
"I try to balance what I do. I have family and friends who read my personal stuff, but I'm not under the delusion everyone's going to be interested. But the kind of writing I've been doing for a long time is digging out spirituality in everyday life. If I mention my kids, it's because I'm drawing something out of it," she said.
For those who think that the media gives a distorted view of religion, individuals and organizations can set up blogs to serve as a corrective.
"A vast majority of blogs do have some sort of media watchdog function, as a fact-checker," said Ted Olsen, online managing editor of Christianity Today, who began running a Weblog within the magazine's Web page (www.christianitytoday.com) in 1999. "When Weblogs started, it was `Here's an interesting article.' Now it's `Here's a really stupid article.' Ranting is a fun thing to do, and blogs make that easy."
FUTURE BLOGS
A new blog in the works aims to give visibility to unreported stories about religion. The blog, tentatively titled faithwatch.org, will "purposely look for stories where they missed the religion angle," said Terry Mattingly, a columnist and associate professor of communications at Palm Beach Atlantic University, who is helping start the blog along with the Ethics and Public Policy Center, a Washington, D.C., think tank.
Yet another future for blogs may lie in theological education. The Rev. A.K.M. Adam, associate professor of New Testament at Seabury-Western Seminary in Evanston, Ill., is helping to organize a "disseminary" -- an alternative online seminary -- that borrows a page from Napster.
According to The Disseminary Web site (http://disseminary.org), the alternative seminary would consist initially of group blogs on a couple of topics that would run for six or seven weeks. Organizers started accepting applications this week. Eventually, Adam said, he hopes The Disseminary would offer a slate of courses led by top scholars and run online academic journals.
"It's imperative to let our imaginations be instructed by the medium," he said by phone from his office. "If we make an opportunity for people to get information they're interested in, they'll follow it. The academy prevents that by requiring people to relocate, put up vast sums of money and meet certain requirements. Theologians especially ought to be willing to extend knowledge to people who are interested in it,"
Adam also suggested that congregations could use blogs as a way of giving prospective visitors an honest look at the inner life of a church, synagogue or mosque.
"If we don't make that public at the start, it's asking someone to invest the energy to find the church before having a strong reason to know if he wants to go there," he said.
The public aspect of blogs offers a chance to engage the world in a positive way, said Olsen, the Christianity Today editor.
"I think there needs to be more thought given to what we're trying to do with blogs. Are we trying to influence culture? Rant? Talk to a circle of friends? I'm not sure most bloggers have thought it through," he said.
"It's too ad hoc -- `here's a bunch of stuff I like.' There needs to be a mission, a focus, more intentionality."
Cary McMullen can be reached via e-mail at cary.mcmullen@ theledger.com or by calling 863-802-7509.
(dica de ContraFactos & Argumentos)
segunda-feira, 22 de setembro de 2003
EL DIÁLOGO DE LAS RELIGIONES ENTRE LA TEOLOGÍA Y LA TEOPRAXIS:
"... creo que el camino tendrá que pasar por la elaboración de una integración verdaderamente dialéctica, que intente, en lo posible, hacer justicia a ambas instancias. Personalmente he propuesto la categoría de pluralismo asimétrico. Pluralismo, en cuanto que, igual a la segunda postura, deberá reconocer ?con realismo histórico? la independencia y originalidad de cada religión. Asimétrico, en cuanto que ?con realismo epistemológico? deberá admitir, recogiendo la preocupación de la primera postura, que, siendo todas verdaderas, no todas las religiones lo son en el mismo grado (ni lo son dentro de cada una las diferentes corrientes o propuestas)".
IGLESIA VIVA, Nº 208, oct-dic, 2001, pgs. 63-72
"... creo que el camino tendrá que pasar por la elaboración de una integración verdaderamente dialéctica, que intente, en lo posible, hacer justicia a ambas instancias. Personalmente he propuesto la categoría de pluralismo asimétrico. Pluralismo, en cuanto que, igual a la segunda postura, deberá reconocer ?con realismo histórico? la independencia y originalidad de cada religión. Asimétrico, en cuanto que ?con realismo epistemológico? deberá admitir, recogiendo la preocupación de la primera postura, que, siendo todas verdaderas, no todas las religiones lo son en el mismo grado (ni lo son dentro de cada una las diferentes corrientes o propuestas)".
IGLESIA VIVA, Nº 208, oct-dic, 2001, pgs. 63-72
EL DIÁLOGO DE LAS RELIGIONES ENTRE LA TEOLOGÍA Y LA TEOPRAXIS:
"... creo que el camino tendrá que pasar por la elaboración de una integración verdaderamente dialéctica, que intente, en lo posible, hacer justicia a ambas instancias. Personalmente he propuesto la categoría de pluralismo asimétrico. Pluralismo, en cuanto que, igual a la segunda postura, deberá reconocer ?con realismo histórico? la independencia y originalidad de cada religión. Asimétrico, en cuanto que ?con realismo epistemológico? deberá admitir, recogiendo la preocupación de la primera postura, que, siendo todas verdaderas, no todas las religiones lo son en el mismo grado (ni lo son dentro de cada una las diferentes corrientes o propuestas)".
IGLESIA VIVA, Nº 208, oct-dic, 2001, pgs. 63-72
"... creo que el camino tendrá que pasar por la elaboración de una integración verdaderamente dialéctica, que intente, en lo posible, hacer justicia a ambas instancias. Personalmente he propuesto la categoría de pluralismo asimétrico. Pluralismo, en cuanto que, igual a la segunda postura, deberá reconocer ?con realismo histórico? la independencia y originalidad de cada religión. Asimétrico, en cuanto que ?con realismo epistemológico? deberá admitir, recogiendo la preocupación de la primera postura, que, siendo todas verdaderas, no todas las religiones lo son en el mismo grado (ni lo son dentro de cada una las diferentes corrientes o propuestas)".
IGLESIA VIVA, Nº 208, oct-dic, 2001, pgs. 63-72
O mapa dos bispos
Manuel Pinto
Se quiséssemos procurar exemplos para justificar a actualidade da Nota Pastoral dos bispos portugueses divulgada há dias, não haveria quase dia em que não encontrássemos pano para mangas.
O documento, intitulado «Responsabilidade Solidária pelo Bem Comum», chama a atenção, em primeiro lugar, pela clareza da linguagem e pela pertinência dos assuntos que aborda. Destaca-se ainda pelo seu carácter positivo, aberto, construtivo e até didáctico. Os bispos são certeiros ao fazer o elenco daquilo a que chamam «pecados sociais»: os egoísmos individualistas, o consumismo, a corrupção, a desarmonia do sistema fiscal, a irresponsabilidade na estrada, a exagerada comercialização do fenómeno desportivo, e a exclusão social. Os comportamentos e atitudes que estão por detrás destes «pecados» exigem «uma conversão à solidariedade responsável na construção do bem comum». A frase, em si mesma, faz parte da gíria eclesiástica e, se por aqui ficasse, pouco traria de novo. Ora o Episcopado traduz o fraseado para o concreto, mostrando os problemas e as linhas do que pode ser feito na família, na escola, na economia, nos impostos, na circulação rodoviária, no ambiente, na comunicação social. E terminam com outra conta de sete «sinais positivos, imbuídos de esperança e de responsabilidade dos cidadãos, que necessitam de ser continuamente revitalizados».
Enquanto os bispos propunham este mapa de referências éticas para a vida pública, voltamos a ver aflorar, nos últimos dias, o discurso cruel e demagógico de sectores políticos que, para agradar a segmentos mais impressionáveis do eleitorado, não hesitam em acenar com o papão dos emigrantes, em vez de apelar ao dever da solidariedade da parte de quem já demandou, às centenas de milhar, terras estrangeiras.
É apenas um sinal entre muitos que ganham outro sentido à luz do alerta e do apelo ao compromisso pelo bem comum lançado pelos bispos.
Falta na Nota, a meu ver, um ponto que me parece fundamental, sobre o urbanismo e o cuidado da cidade enquanto espaço de vida e de encontro e não de sobrevivência e de morte. Falta talvez uma maior atenção às assimetrias regionais e ao abandono do espaço rural. Falta ainda uma mais clara ênfase na dimensão global e transnacional de alguns dos problemas enunciados. Mas está ali um referencial incontornável de acção, para todos, independentemente do seu posto, do seu estatuto, do seu saber. A mim ficou-me nos ouvidos um alerta que já ouvira a Jorge Sampaio, no discurso do 25 de Abril: «Não se pode conceber um mercado livre sem limites. Tal é incompatível com os princípios orientadores da lei natural, da justiça social, dos direitos humanos e do bem comum».
Crónica semanal no Diário do Minho
Manuel Pinto
Se quiséssemos procurar exemplos para justificar a actualidade da Nota Pastoral dos bispos portugueses divulgada há dias, não haveria quase dia em que não encontrássemos pano para mangas.
O documento, intitulado «Responsabilidade Solidária pelo Bem Comum», chama a atenção, em primeiro lugar, pela clareza da linguagem e pela pertinência dos assuntos que aborda. Destaca-se ainda pelo seu carácter positivo, aberto, construtivo e até didáctico. Os bispos são certeiros ao fazer o elenco daquilo a que chamam «pecados sociais»: os egoísmos individualistas, o consumismo, a corrupção, a desarmonia do sistema fiscal, a irresponsabilidade na estrada, a exagerada comercialização do fenómeno desportivo, e a exclusão social. Os comportamentos e atitudes que estão por detrás destes «pecados» exigem «uma conversão à solidariedade responsável na construção do bem comum». A frase, em si mesma, faz parte da gíria eclesiástica e, se por aqui ficasse, pouco traria de novo. Ora o Episcopado traduz o fraseado para o concreto, mostrando os problemas e as linhas do que pode ser feito na família, na escola, na economia, nos impostos, na circulação rodoviária, no ambiente, na comunicação social. E terminam com outra conta de sete «sinais positivos, imbuídos de esperança e de responsabilidade dos cidadãos, que necessitam de ser continuamente revitalizados».
Enquanto os bispos propunham este mapa de referências éticas para a vida pública, voltamos a ver aflorar, nos últimos dias, o discurso cruel e demagógico de sectores políticos que, para agradar a segmentos mais impressionáveis do eleitorado, não hesitam em acenar com o papão dos emigrantes, em vez de apelar ao dever da solidariedade da parte de quem já demandou, às centenas de milhar, terras estrangeiras.
É apenas um sinal entre muitos que ganham outro sentido à luz do alerta e do apelo ao compromisso pelo bem comum lançado pelos bispos.
Falta na Nota, a meu ver, um ponto que me parece fundamental, sobre o urbanismo e o cuidado da cidade enquanto espaço de vida e de encontro e não de sobrevivência e de morte. Falta talvez uma maior atenção às assimetrias regionais e ao abandono do espaço rural. Falta ainda uma mais clara ênfase na dimensão global e transnacional de alguns dos problemas enunciados. Mas está ali um referencial incontornável de acção, para todos, independentemente do seu posto, do seu estatuto, do seu saber. A mim ficou-me nos ouvidos um alerta que já ouvira a Jorge Sampaio, no discurso do 25 de Abril: «Não se pode conceber um mercado livre sem limites. Tal é incompatível com os princípios orientadores da lei natural, da justiça social, dos direitos humanos e do bem comum».
Crónica semanal no Diário do Minho
terça-feira, 9 de setembro de 2003
Crónicas matinais
Por um atalho que já não sei reconstituir, fui ter às Crónicas Matinais. Touché.
Daqui saltei ao já conhecido Aviz. Preciso de continuar estes diálogos, mesmo que silenciosos.
Por um atalho que já não sei reconstituir, fui ter às Crónicas Matinais. Touché.
Daqui saltei ao já conhecido Aviz. Preciso de continuar estes diálogos, mesmo que silenciosos.
segunda-feira, 8 de setembro de 2003
... comme une brebis egarée
J’ai longtemps erré comme une brebis égarée…
Je t’ai cherché dans les merveilles que tu as créées.
J’ai demandé à la Terre si elle était mon Dieu,
elle m’a répondu que non.
Je l’ai demandé à la mer, à ses abîmes,
tous les êtres qu’ils contiennent m’ont répondu :
cherchez-le au-dessus de nous.
J’ai interrogé le ciel, la lune, le soleil, les étoiles,
toutes m’ont répondu : nous ne sommes pas votre Dieu.
Maudit soit l’aveuglement qui m’empêchait de te voir.
Maudite soit la surdité
qui ne me permettait pas d’entendre ta voix!
Sourd et aveugle que j’étais,
je ne m’attachais qu’aux merveilles de ta création.
Je me suis fatigué à te chercher hors de moi,
toi qui habites en moi, pourvu que j’en aie le désir.
J’ai parcouru les bourgs et les places publiques,
et je n’ai pas trouvé,
parce que je cherchais en vain ce qui était en moi.
Mais tu m’as éclairé de ta lumière,
alors je t’ai vu et je t’ai aimé,
car on ne peut t’aimer sans te voir,
ni te voir sans t’aimer.
Ô temps malheureux où je ne t’ai point aimé !
(Saint Augustin. Extrait des Soliloques)
J’ai longtemps erré comme une brebis égarée…
Je t’ai cherché dans les merveilles que tu as créées.
J’ai demandé à la Terre si elle était mon Dieu,
elle m’a répondu que non.
Je l’ai demandé à la mer, à ses abîmes,
tous les êtres qu’ils contiennent m’ont répondu :
cherchez-le au-dessus de nous.
J’ai interrogé le ciel, la lune, le soleil, les étoiles,
toutes m’ont répondu : nous ne sommes pas votre Dieu.
Maudit soit l’aveuglement qui m’empêchait de te voir.
Maudite soit la surdité
qui ne me permettait pas d’entendre ta voix!
Sourd et aveugle que j’étais,
je ne m’attachais qu’aux merveilles de ta création.
Je me suis fatigué à te chercher hors de moi,
toi qui habites en moi, pourvu que j’en aie le désir.
J’ai parcouru les bourgs et les places publiques,
et je n’ai pas trouvé,
parce que je cherchais en vain ce qui était en moi.
Mais tu m’as éclairé de ta lumière,
alors je t’ai vu et je t’ai aimé,
car on ne peut t’aimer sans te voir,
ni te voir sans t’aimer.
Ô temps malheureux où je ne t’ai point aimé !
(Saint Augustin. Extrait des Soliloques)
sábado, 30 de agosto de 2003
A dignidade dos símbolos religiosos
"(...) A tentativa de promoção a herói nacional do tenente-coronel Maggiolo Gouveia revelou mais uma vez a falta de quaisquer escrúpulos que caracteriza Paulo Portas. No seu afã exibicionista, nada o detém - nem o respeito devido a uma pessoa morta e à sua família, nem o mínimo sentido da verdade histórica, nem a contenção necessária face a feridas por sarar, nem o relacionamento com as autoridades timorenses, nem as regras e a cultura da instituição militar, nem a dignidade dos valores e símbolos religiosos. Devo dizer que me irrita particularmente esta última dimensão. A exibição obscena, em cerimónias do Estado, de supostas poses de devoto e a manipulação descarada para fins políticos (desde os tempos em que a Senhora de Fátima interveio para afastar a mancha negra do "Prestige"...) da linguagem e do ritual católico fazem-me lembrar um dos aspectos mais sinistros do salazarismo. A Igreja Católica não terá nada a dizer? (...)"
Augusto Santos Silva, in Público, 30.08.2003
"(...) A tentativa de promoção a herói nacional do tenente-coronel Maggiolo Gouveia revelou mais uma vez a falta de quaisquer escrúpulos que caracteriza Paulo Portas. No seu afã exibicionista, nada o detém - nem o respeito devido a uma pessoa morta e à sua família, nem o mínimo sentido da verdade histórica, nem a contenção necessária face a feridas por sarar, nem o relacionamento com as autoridades timorenses, nem as regras e a cultura da instituição militar, nem a dignidade dos valores e símbolos religiosos. Devo dizer que me irrita particularmente esta última dimensão. A exibição obscena, em cerimónias do Estado, de supostas poses de devoto e a manipulação descarada para fins políticos (desde os tempos em que a Senhora de Fátima interveio para afastar a mancha negra do "Prestige"...) da linguagem e do ritual católico fazem-me lembrar um dos aspectos mais sinistros do salazarismo. A Igreja Católica não terá nada a dizer? (...)"
Augusto Santos Silva, in Público, 30.08.2003
quinta-feira, 28 de agosto de 2003
"I Have a Dream..."
Quarenta anos: pouco mais que uma geração. Ontem. Há bocadinho.
A "não-violência activa", que alguns consideravam - e consideram uma claudicação e uma fraqueza. Certamente bem mais do que uma utopia "soissant-huitard".
Martin Luther King Jr.:
"(... ... ...)
I have a dream that one day this nation will rise up and live out the true meaning of its creed: "We hold these truths to be self-evident: that all men are created equal." I have a dream that one day on the red hills of Georgia the sons of former slaves and the sons of former slaveowners will be able to sit down together at a table of brotherhood. I have a dream that one day even the state of Mississippi, a desert state, sweltering with the heat of injustice and oppression, will be transformed into an oasis of freedom and justice. I have a dream that my four children will one day live in a nation where they will not be judged by the color of their skin but by the content of their character. I have a dream today.
I have a dream that one day the state of Alabama, whose governor's lips are presently dripping with the words of interposition and nullification, will be transformed into a situation where little black boys and black girls will be able to join hands with little white boys and white girls and walk together as sisters and brothers. I have a dream today. I have a dream that one day every valley shall be exalted, every hill and mountain shall be made low, the rough places will be made plain, and the crooked places will be made straight, and the glory of the Lord shall be revealed, and all flesh shall see it together. This is our hope. This is the faith with which I return to the South. With this faith we will be able to hew out of the mountain of despair a stone of hope. With this faith we will be able to transform the jangling discords of our nation into a beautiful symphony of brotherhood. With this faith we will be able to work together, to pray together, to struggle together, to go to jail together, to stand up for freedom together, knowing that we will be free one day.
This will be the day when all of God's children will be able to sing with a new meaning, "My country, 'tis of thee, sweet land of liberty, of thee I sing. Land where my fathers died, land of the pilgrim's pride, from every mountainside, let freedom ring." And if America is to be a great nation, this must become true. So let freedom ring from the prodigious hilltops of New Hampshire. Let freedom ring from the mighty mountains of New York. Let freedom ring from the heightening Alleghenies of Pennsylvania! Let freedom ring from the snowcapped Rockies of Colorado! Let freedom ring from the curvaceous peaks of California! But not only that; let freedom ring from Stone Mountain of Georgia! Let freedom ring from Lookout Mountain of Tennessee! Let freedom ring from every hill and every molehill of Mississippi. From every mountainside, let freedom ring.
When we let freedom ring, when we let it ring from every village and every hamlet, from every state and every city, we will be able to speed up that day when all of God's children, black men and white men, Jews and Gentiles, Protestants and Catholics, will be able to join hands and sing in the words of the old Negro spiritual, "Free at last! free at last! thank God Almighty, we are free at last!"
Quarenta anos: pouco mais que uma geração. Ontem. Há bocadinho.
A "não-violência activa", que alguns consideravam - e consideram uma claudicação e uma fraqueza. Certamente bem mais do que uma utopia "soissant-huitard".
Martin Luther King Jr.:
"(... ... ...)
I have a dream that one day this nation will rise up and live out the true meaning of its creed: "We hold these truths to be self-evident: that all men are created equal." I have a dream that one day on the red hills of Georgia the sons of former slaves and the sons of former slaveowners will be able to sit down together at a table of brotherhood. I have a dream that one day even the state of Mississippi, a desert state, sweltering with the heat of injustice and oppression, will be transformed into an oasis of freedom and justice. I have a dream that my four children will one day live in a nation where they will not be judged by the color of their skin but by the content of their character. I have a dream today.
I have a dream that one day the state of Alabama, whose governor's lips are presently dripping with the words of interposition and nullification, will be transformed into a situation where little black boys and black girls will be able to join hands with little white boys and white girls and walk together as sisters and brothers. I have a dream today. I have a dream that one day every valley shall be exalted, every hill and mountain shall be made low, the rough places will be made plain, and the crooked places will be made straight, and the glory of the Lord shall be revealed, and all flesh shall see it together. This is our hope. This is the faith with which I return to the South. With this faith we will be able to hew out of the mountain of despair a stone of hope. With this faith we will be able to transform the jangling discords of our nation into a beautiful symphony of brotherhood. With this faith we will be able to work together, to pray together, to struggle together, to go to jail together, to stand up for freedom together, knowing that we will be free one day.
This will be the day when all of God's children will be able to sing with a new meaning, "My country, 'tis of thee, sweet land of liberty, of thee I sing. Land where my fathers died, land of the pilgrim's pride, from every mountainside, let freedom ring." And if America is to be a great nation, this must become true. So let freedom ring from the prodigious hilltops of New Hampshire. Let freedom ring from the mighty mountains of New York. Let freedom ring from the heightening Alleghenies of Pennsylvania! Let freedom ring from the snowcapped Rockies of Colorado! Let freedom ring from the curvaceous peaks of California! But not only that; let freedom ring from Stone Mountain of Georgia! Let freedom ring from Lookout Mountain of Tennessee! Let freedom ring from every hill and every molehill of Mississippi. From every mountainside, let freedom ring.
When we let freedom ring, when we let it ring from every village and every hamlet, from every state and every city, we will be able to speed up that day when all of God's children, black men and white men, Jews and Gentiles, Protestants and Catholics, will be able to join hands and sing in the words of the old Negro spiritual, "Free at last! free at last! thank God Almighty, we are free at last!"
quarta-feira, 20 de agosto de 2003
criar um novo olhar
"(...) De repente, o mundo mudou e somos forçados a procurar os nossos demónios dentro de casa. O inimigo, o pior dos inimigos, sempre esteve dentro de nós. Descobrimos essa verdade tão simples e ficamos a sós com os nossos próprios fantasmas. E isso nunca nos aconteceu antes. Este é um momento de abismo e desesperanças. Mas pode ser, ao mesmo tempo, um momento de crescimento. Confrontados com as nossas mais fundas fragilidades, cabe-nos criar um novo olhar, inventar outras falas, ensaiar outras escritas. (...)"
Mia Couto, Economia- A FRONTEIRA DA CULTURA, Maputo Julho 2003 (via Pra Melhor)
"(...) De repente, o mundo mudou e somos forçados a procurar os nossos demónios dentro de casa. O inimigo, o pior dos inimigos, sempre esteve dentro de nós. Descobrimos essa verdade tão simples e ficamos a sós com os nossos próprios fantasmas. E isso nunca nos aconteceu antes. Este é um momento de abismo e desesperanças. Mas pode ser, ao mesmo tempo, um momento de crescimento. Confrontados com as nossas mais fundas fragilidades, cabe-nos criar um novo olhar, inventar outras falas, ensaiar outras escritas. (...)"
Mia Couto, Economia- A FRONTEIRA DA CULTURA, Maputo Julho 2003 (via Pra Melhor)
segunda-feira, 11 de agosto de 2003
Deus é músico e dançarino
Imagina você, leitor, um grupo de Zés P´reiras, com seus bombos, caixas e gaita de foles, a entrar por uma igreja minhota dentro e a conferir solenidade, com seus sons e os seus ritmos, a uma celebração da eucaristia? E um rancho folclórico a entrar com seus trajes na mesma celebração e, disposto na capela-mor, começar a dançar em louvor de Cristo ou da Virgem?
E porque não? - perguntar-se-á. Se houver dignidade e valia nesse tipo de manifestações e se elas fazem parte das tradições populares que sobrevivem e animam as gentes, porque não há-de a Igreja acolhê-las nos seus actos litúrgicos, em funções e lugares que não sejam apenas decorativos?
Ocorreu-me esta possibilidade quando há dias pude assistir a um momento de rara beleza, no encerramento do Festival Intercéltico, celebrado desde há alguns anos, na vila de Sendim, em terras de Miranda. A culminar três dias de festival, e ainda nele integrado, realizou-se uma celebração festiva da missa, presidida pelo pároco, que incluiu um rufar verdadeiramente impressionante de um agrupamento de caixas de percussão e, noutros momentos da celebração, “laços” dançados pelo grupo de pauliteiros local, em plena capela-mor. Não faltou uma homilia brilhante, em que o pároco, tomando a linguagem musical do festival por motivo, comparou Deus a um músico – mais do que isso, a um maestro, que também executa a sua música e que sabe e quer escutar a música de todos nós, mesmo a daqueles que não afinam pelo seu diapasão.
Nada disto tirou dignidade à missa. Eu creio mesmo que – descontado o facto de ser forasteiro e de gostar há muito de apreciar estas tradições – o que se passou em Sendim elevou manifestamente a qualidade e a grandeza dos mistérios que ali se celebravam.
A Igreja precisa, como de pão para a boca, de se abrir a novas formas de expressão. A dança, que já fez parte integrante de algumas celebrações litúrgicas, está hoje autenticamente banida dos espaços sagrados. O corpo, que é uma mediação decisiva da humanidade de cada pessoa, é reduzido a pouco mais do que uma múmia nos actos da liturgia. Estas novas linguagens, quer recorram a coreografias e movimentos tradicionais ou modernos, podem constituir, quando devidamente cuidados e cultivados, mediações importantes para dizer a fé e a vida. Deixados à porta das igrejas, significam uma amputação da riqueza da expressão humana. Ora, quando amputamos a vida, amputamos também a fé. Ou pelo menos, corremos esse risco.
Crónica no «Diário do Minho, 11.8.2003
Imagina você, leitor, um grupo de Zés P´reiras, com seus bombos, caixas e gaita de foles, a entrar por uma igreja minhota dentro e a conferir solenidade, com seus sons e os seus ritmos, a uma celebração da eucaristia? E um rancho folclórico a entrar com seus trajes na mesma celebração e, disposto na capela-mor, começar a dançar em louvor de Cristo ou da Virgem?
E porque não? - perguntar-se-á. Se houver dignidade e valia nesse tipo de manifestações e se elas fazem parte das tradições populares que sobrevivem e animam as gentes, porque não há-de a Igreja acolhê-las nos seus actos litúrgicos, em funções e lugares que não sejam apenas decorativos?
Ocorreu-me esta possibilidade quando há dias pude assistir a um momento de rara beleza, no encerramento do Festival Intercéltico, celebrado desde há alguns anos, na vila de Sendim, em terras de Miranda. A culminar três dias de festival, e ainda nele integrado, realizou-se uma celebração festiva da missa, presidida pelo pároco, que incluiu um rufar verdadeiramente impressionante de um agrupamento de caixas de percussão e, noutros momentos da celebração, “laços” dançados pelo grupo de pauliteiros local, em plena capela-mor. Não faltou uma homilia brilhante, em que o pároco, tomando a linguagem musical do festival por motivo, comparou Deus a um músico – mais do que isso, a um maestro, que também executa a sua música e que sabe e quer escutar a música de todos nós, mesmo a daqueles que não afinam pelo seu diapasão.
Nada disto tirou dignidade à missa. Eu creio mesmo que – descontado o facto de ser forasteiro e de gostar há muito de apreciar estas tradições – o que se passou em Sendim elevou manifestamente a qualidade e a grandeza dos mistérios que ali se celebravam.
A Igreja precisa, como de pão para a boca, de se abrir a novas formas de expressão. A dança, que já fez parte integrante de algumas celebrações litúrgicas, está hoje autenticamente banida dos espaços sagrados. O corpo, que é uma mediação decisiva da humanidade de cada pessoa, é reduzido a pouco mais do que uma múmia nos actos da liturgia. Estas novas linguagens, quer recorram a coreografias e movimentos tradicionais ou modernos, podem constituir, quando devidamente cuidados e cultivados, mediações importantes para dizer a fé e a vida. Deixados à porta das igrejas, significam uma amputação da riqueza da expressão humana. Ora, quando amputamos a vida, amputamos também a fé. Ou pelo menos, corremos esse risco.
Crónica no «Diário do Minho, 11.8.2003
domingo, 27 de julho de 2003
Paragem, silêncio, respiração
De Francisco José Viegas, do AVIZ:
"A vida devia ter sábados longos. O tema «a vida devia» é vasto como campo de problemas e como repositório de banalidades. A vida devia ser assim mesmo. Como a fizemos, como ela nos fez. E devia ser de outra maneira. Devia ter um sábado longo e desligado do resto das coisas. Há quem não entenda isto, o dever de uma paragem, de um silêncio, deixar que o próprio sábado invada a sala, a casa, a respiração."
Digo eu: sábados longos, ou domingos, ou outro dia (para quem folga noutros dias ou para quem pode gerir o seu tempo), ou em bocados de dias - o que for melhor para a paragem, o silêncio. Por vezes, não resta mais do que alimentar religiosamente esse desejo...
De Francisco José Viegas, do AVIZ:
"A vida devia ter sábados longos. O tema «a vida devia» é vasto como campo de problemas e como repositório de banalidades. A vida devia ser assim mesmo. Como a fizemos, como ela nos fez. E devia ser de outra maneira. Devia ter um sábado longo e desligado do resto das coisas. Há quem não entenda isto, o dever de uma paragem, de um silêncio, deixar que o próprio sábado invada a sala, a casa, a respiração."
Digo eu: sábados longos, ou domingos, ou outro dia (para quem folga noutros dias ou para quem pode gerir o seu tempo), ou em bocados de dias - o que for melhor para a paragem, o silêncio. Por vezes, não resta mais do que alimentar religiosamente esse desejo...
Desafiar a cultura da morte
Manuel Pinto
Mete-se pelos olhos dentro que o discurso da desgraça cria e adensa a desgraça ? e mesmo assim os seus profetas não param. As palavras são da escritora Inês Pedrosa e vêm na revista ?Única?, do ?Expresso?, a propósito do filme O Amor É Tudo. No filme, e ao contrário da história em que terá sido inspirado, o mal vence, o que leva a colunista a comentar com ironia: Obra onde o mal não vença, como se sabe, não é obra inteligente.
É interessante e esperançoso observar estes sinais do cansaço com uma ?cultura da morte? (julgo que a expressão é de João Paulo II), que frequentemente cintilam por entre obscuridades e contradições, mas que não deixam de se manifestar.
Cultivar essa cultura da morte, da depressão, do abismo, leva, com muita frequência, a destacar (quando não a enaltecer) as facetas mais escuras, esconsas e negativas da vida dos indivíduos e sociedades, deixando na sombra do esquecimento os gestos e as práticas mais radiosas e interpelativas.
Noutros tempos, impingiam-nos histórias de proveito e exemplo, com sagas de heróis e martírios de santos ? histórias tantas vezes embrulhadas num espírito piegas e moralista que chegava a estragar a frescura do conteúdo embrulhado. Mas eram certamente um modo de falar e de invocar um novo horizonte possível para a prosaica vida de cada dia. Hoje, possivelmente em reacção contra o tal ?embrulho? infantilizante, talvez tenhamos deitado pela borda fora não apenas o embrulho, mas também o que nele estava embrulhado.
Para não dizerem que me fico por ideias vagas, concretizo: na mesma revista do ?Expresso? vem a história de O papa léguas que gostei muito de ler. Conta, resumidamente, o que tem sido a vida daquele que, no momento em que escrevo, se prepara para ganhar pela quinta vez a volta à França em bicicleta. Outros já alcançaram, no passado, esta proeza e não é por aí que quero ir. O que é tocante, no caso de Lance Armstrong, é que conseguiu estas vitórias à custa de enorme trabalho e persistência. Pelo caminho, surgiu-lhe um cancro que o deixou com os pés para a cova. Enfrentou o pesadelo e não só o superou ? a ponto de voltar repetidamente ao pódio ? como decidiu dedicar parte do seu tempo e do seu dinheiro à causa dos que viveram o seu drama e não têm quem os apoie. ?O seu contacto com a morte deu-lhe aquela claridade de objectivos que muitas pessoas nunca conseguem encontrar entre as distracções da vida?, escreve Tony Jenks, o autor do texto.
E para terminar: tudo isto que hoje vos trago o li num jornal que, apesar dos protestos de conduta ética, tantas vezes deprime e enoja. Também isto é positivo.
(Texto semanal no Diário do Minho, 28.07.2003)
Manuel Pinto
Mete-se pelos olhos dentro que o discurso da desgraça cria e adensa a desgraça ? e mesmo assim os seus profetas não param. As palavras são da escritora Inês Pedrosa e vêm na revista ?Única?, do ?Expresso?, a propósito do filme O Amor É Tudo. No filme, e ao contrário da história em que terá sido inspirado, o mal vence, o que leva a colunista a comentar com ironia: Obra onde o mal não vença, como se sabe, não é obra inteligente.
É interessante e esperançoso observar estes sinais do cansaço com uma ?cultura da morte? (julgo que a expressão é de João Paulo II), que frequentemente cintilam por entre obscuridades e contradições, mas que não deixam de se manifestar.
Cultivar essa cultura da morte, da depressão, do abismo, leva, com muita frequência, a destacar (quando não a enaltecer) as facetas mais escuras, esconsas e negativas da vida dos indivíduos e sociedades, deixando na sombra do esquecimento os gestos e as práticas mais radiosas e interpelativas.
Noutros tempos, impingiam-nos histórias de proveito e exemplo, com sagas de heróis e martírios de santos ? histórias tantas vezes embrulhadas num espírito piegas e moralista que chegava a estragar a frescura do conteúdo embrulhado. Mas eram certamente um modo de falar e de invocar um novo horizonte possível para a prosaica vida de cada dia. Hoje, possivelmente em reacção contra o tal ?embrulho? infantilizante, talvez tenhamos deitado pela borda fora não apenas o embrulho, mas também o que nele estava embrulhado.
Para não dizerem que me fico por ideias vagas, concretizo: na mesma revista do ?Expresso? vem a história de O papa léguas que gostei muito de ler. Conta, resumidamente, o que tem sido a vida daquele que, no momento em que escrevo, se prepara para ganhar pela quinta vez a volta à França em bicicleta. Outros já alcançaram, no passado, esta proeza e não é por aí que quero ir. O que é tocante, no caso de Lance Armstrong, é que conseguiu estas vitórias à custa de enorme trabalho e persistência. Pelo caminho, surgiu-lhe um cancro que o deixou com os pés para a cova. Enfrentou o pesadelo e não só o superou ? a ponto de voltar repetidamente ao pódio ? como decidiu dedicar parte do seu tempo e do seu dinheiro à causa dos que viveram o seu drama e não têm quem os apoie. ?O seu contacto com a morte deu-lhe aquela claridade de objectivos que muitas pessoas nunca conseguem encontrar entre as distracções da vida?, escreve Tony Jenks, o autor do texto.
E para terminar: tudo isto que hoje vos trago o li num jornal que, apesar dos protestos de conduta ética, tantas vezes deprime e enoja. Também isto é positivo.
(Texto semanal no Diário do Minho, 28.07.2003)
domingo, 13 de julho de 2003
Donde vem o universo?, pergunta um discípulo ao seu mestre zen.
Donde vem a vida? Donde vem o espírito?
Resposta do mestre: donde vem a tua pergunta?
Donde vem a vida? Donde vem o espírito?
Resposta do mestre: donde vem a tua pergunta?
Enigmas e Perguntas
"Porque existe algo e não apenas nada? Porque é que aconteceu o Big Bang em vez de permanecer eternamente o vazio do nada? Como e porque terá surgido o cosmos? O que é que existia antes do Big Bang?
Ou era que esta pergunta não tem sentido, pois o tempo começou, também ele, com o mundo, como observou Santo Agostinho?
O que é a vida e o seu milagre? Como é que ela apareceu? O que é o espírito, o que é a consciência? O que é o homem e qual é o seu lugar na história da evolução? E se o enigma fundamental não for o espírito, mas precisamente a matéria?
Existirá Deus? Será ele o Criador? A natureza deve entender-se pura e simplesmente como natureza ou como criação? Por outras palavras: Deus e a natureza identificam-se ou Deus distingue-se da natureza e é o seu Criador, de tal maneira que se deveria dizer que Deus está presente no mundo, mas excedendo e transcendendo o mundo?
Qual é a responsabilidade do homem em relação à natureza?
Embora sejam diferentes os seus campos, a ciência e a religião poderão e deverão dialogar?"
Bento Domingues,
apresentando o livro "Enigmas de Deus, da Matéria e do Homem", da Editorial Notícias (introdução de Anselmo Borges, professor de Filosofia da Religião na Universidade de Coimbra, e traduçãod de Teresa Martinho Toldy).
"Porque existe algo e não apenas nada? Porque é que aconteceu o Big Bang em vez de permanecer eternamente o vazio do nada? Como e porque terá surgido o cosmos? O que é que existia antes do Big Bang?
Ou era que esta pergunta não tem sentido, pois o tempo começou, também ele, com o mundo, como observou Santo Agostinho?
O que é a vida e o seu milagre? Como é que ela apareceu? O que é o espírito, o que é a consciência? O que é o homem e qual é o seu lugar na história da evolução? E se o enigma fundamental não for o espírito, mas precisamente a matéria?
Existirá Deus? Será ele o Criador? A natureza deve entender-se pura e simplesmente como natureza ou como criação? Por outras palavras: Deus e a natureza identificam-se ou Deus distingue-se da natureza e é o seu Criador, de tal maneira que se deveria dizer que Deus está presente no mundo, mas excedendo e transcendendo o mundo?
Qual é a responsabilidade do homem em relação à natureza?
Embora sejam diferentes os seus campos, a ciência e a religião poderão e deverão dialogar?"
Bento Domingues,
apresentando o livro "Enigmas de Deus, da Matéria e do Homem", da Editorial Notícias (introdução de Anselmo Borges, professor de Filosofia da Religião na Universidade de Coimbra, e traduçãod de Teresa Martinho Toldy).
sábado, 28 de junho de 2003
Destaco, no Público de hoje, o texto Uma Igreja Que Acorda?, de Augusto Santos Silva, a pretexto dos 25 anos de ordenação episcopal de D. José Policarpo. Um (longo) extracto:
" (...) Como explicar a enorme adesão que este Papa - moral e institucionalmente conservador, manifestando, até, elementos de doutrina e crença que julgávamos ultrapassados, pelo seu tradicionalismo quase mágico, mas inimigo das ditaduras, paladino das liberdades cívicas e da paz, prudente mas efectivo adepto da comunicação entre religiões e éticas e assim aceitando, se não a gosto pelo menos de facto, a realidade pluralista da contemporaneidade - suscita em milhões e milhões de pessoas, e, em particular, junto dos jovens?
Eu encontro múltiplas razões. O uso perfeito, a agilidade com que o Papa se move nos espaços e com os instrumentos constitutivos da modernidade: o movimento, a velocidade, a presença constante, a comunicação fácil, a "respiração" dos "media". Nesse sentido, este Papa tão conservador na doutrina e na organização é o contrário de um asceta ou de um hierarca fechado no Vaticano; é um homem do mundo, que se dirige a multidões em ambientes de encenação festiva e participação emocional. A elas oferece uma diferença, que elas têm sabido reconhecer: a diferença da convicção, de ter e propor valores e opções próprias, de contrapor ao relativismo cego ou passivo a coragem das escolhas, assumidas e duradouras. As novas gerações são as que mais notoriamente engrandecem esta recusa de ceder à dissolução, à apatia e à astenia. A Igreja de João Paulo II é, também, a voz do social, da atenção às pessoas, da demarcação face à teologia do mercado e à rasura neoliberal dos laços sociais. Trouxe, assim, com muita força, ao espaço público, os problemas e as causas das pessoas e da humanidade das pessoas - a pobreza, as migrações, os velhos, os desvalidos, os excluídos. E, com isso, reclamou e conseguiu, para si própria, a primazia na atitude do cuidado, da coesão, esses nomes modernos para os muito antigos e enraizados valores de misericórdia e comunhão. Essa ideia de fazermos todos parte do mesmo mundo, determos todos a mesma responsabilidade comum, salvarmo-nos e perdermo-nos todos (e não uns à custa dos outros), eis o ponto de convergência que identifico entre o apostolado de João Paulo II e, por exemplo, movimentos e tomadas de palavra que provêm de pontos muito diferentes do campo social e ideológico, como os defensores dos direitos humanos, do comércio justo ou do desenvolvimento sustentável.
Esta Igreja, que assim ganhou tanta força, que assim reconquistou tanta gente, que assim foi superando tantos dos erros e crimes passados, conseguirá, na transição que necessariamente sucederá ao fim do actual pontificado (e que, este, em tantos aspectos, já vem preparando), cortar com os pontos de bloqueamento que ainda hoje, e de forma não menos óbvia, impedem a plena comunicação com a modernidade?
Refiro-me à relação com a democracia: não com o regime democrático dos Estados, que essa está adquirida, mas a outra, não menos importante, a democratização da própria Igreja, ainda hoje tão verticalizada, tão sujeita a argumentos de autoridade, tão avessa à participação dos seus próprios membros, tão fechada ao debate livre de ideias. Refiro-me à inacreditável permanência do poder e da violência masculina, no interior da Igreja: à resistência, que nada justifica, à voz e à presença das mulheres, e à assunção plena, por estas, de responsabilidades eclesiais. Refiro-me à ainda tão ambígua relação com as sexualidades, a tão difícil aceitação daquilo que é, contudo, a mais natural das vivências dos homens e das mulheres. E refiro-me a essa forma particular, e particularmente violenta e ilegítima, de desconforto com a sexualidade e a natureza que é a imposição da regra do celibato.
Terá a Igreja vontade de enfrentar sem tibiezas estes pontos críticos? E, no caso português, estará também disposta a abandonar de vez o que ainda há nela da lógica do poder fáctico, e a praticar melhor uma comunicação aberta e despreconceituada com o país de hoje, mais heterogéneo, mais plural e mais cosmopolita?
É que nós - nós todos, crentes ou não crentes de várias confissões - precisamos da Igreja Católica portuguesa, como instituição religiosa, como referência ética, como actor social, como interpelação política. De uma Igreja com identidade própria, mas acordada, aberta e viva."
" (...) Como explicar a enorme adesão que este Papa - moral e institucionalmente conservador, manifestando, até, elementos de doutrina e crença que julgávamos ultrapassados, pelo seu tradicionalismo quase mágico, mas inimigo das ditaduras, paladino das liberdades cívicas e da paz, prudente mas efectivo adepto da comunicação entre religiões e éticas e assim aceitando, se não a gosto pelo menos de facto, a realidade pluralista da contemporaneidade - suscita em milhões e milhões de pessoas, e, em particular, junto dos jovens?
Eu encontro múltiplas razões. O uso perfeito, a agilidade com que o Papa se move nos espaços e com os instrumentos constitutivos da modernidade: o movimento, a velocidade, a presença constante, a comunicação fácil, a "respiração" dos "media". Nesse sentido, este Papa tão conservador na doutrina e na organização é o contrário de um asceta ou de um hierarca fechado no Vaticano; é um homem do mundo, que se dirige a multidões em ambientes de encenação festiva e participação emocional. A elas oferece uma diferença, que elas têm sabido reconhecer: a diferença da convicção, de ter e propor valores e opções próprias, de contrapor ao relativismo cego ou passivo a coragem das escolhas, assumidas e duradouras. As novas gerações são as que mais notoriamente engrandecem esta recusa de ceder à dissolução, à apatia e à astenia. A Igreja de João Paulo II é, também, a voz do social, da atenção às pessoas, da demarcação face à teologia do mercado e à rasura neoliberal dos laços sociais. Trouxe, assim, com muita força, ao espaço público, os problemas e as causas das pessoas e da humanidade das pessoas - a pobreza, as migrações, os velhos, os desvalidos, os excluídos. E, com isso, reclamou e conseguiu, para si própria, a primazia na atitude do cuidado, da coesão, esses nomes modernos para os muito antigos e enraizados valores de misericórdia e comunhão. Essa ideia de fazermos todos parte do mesmo mundo, determos todos a mesma responsabilidade comum, salvarmo-nos e perdermo-nos todos (e não uns à custa dos outros), eis o ponto de convergência que identifico entre o apostolado de João Paulo II e, por exemplo, movimentos e tomadas de palavra que provêm de pontos muito diferentes do campo social e ideológico, como os defensores dos direitos humanos, do comércio justo ou do desenvolvimento sustentável.
Esta Igreja, que assim ganhou tanta força, que assim reconquistou tanta gente, que assim foi superando tantos dos erros e crimes passados, conseguirá, na transição que necessariamente sucederá ao fim do actual pontificado (e que, este, em tantos aspectos, já vem preparando), cortar com os pontos de bloqueamento que ainda hoje, e de forma não menos óbvia, impedem a plena comunicação com a modernidade?
Refiro-me à relação com a democracia: não com o regime democrático dos Estados, que essa está adquirida, mas a outra, não menos importante, a democratização da própria Igreja, ainda hoje tão verticalizada, tão sujeita a argumentos de autoridade, tão avessa à participação dos seus próprios membros, tão fechada ao debate livre de ideias. Refiro-me à inacreditável permanência do poder e da violência masculina, no interior da Igreja: à resistência, que nada justifica, à voz e à presença das mulheres, e à assunção plena, por estas, de responsabilidades eclesiais. Refiro-me à ainda tão ambígua relação com as sexualidades, a tão difícil aceitação daquilo que é, contudo, a mais natural das vivências dos homens e das mulheres. E refiro-me a essa forma particular, e particularmente violenta e ilegítima, de desconforto com a sexualidade e a natureza que é a imposição da regra do celibato.
Terá a Igreja vontade de enfrentar sem tibiezas estes pontos críticos? E, no caso português, estará também disposta a abandonar de vez o que ainda há nela da lógica do poder fáctico, e a praticar melhor uma comunicação aberta e despreconceituada com o país de hoje, mais heterogéneo, mais plural e mais cosmopolita?
É que nós - nós todos, crentes ou não crentes de várias confissões - precisamos da Igreja Católica portuguesa, como instituição religiosa, como referência ética, como actor social, como interpelação política. De uma Igreja com identidade própria, mas acordada, aberta e viva."
segunda-feira, 23 de junho de 2003
Fundação Betânia
A Fundação foi criada em 1990. O sítio na Internet, esse, é que acaba de nascer. A personalidade inspiradora é a Profª Manuela Silva, uma cristã comprometida, que já teve responsabilidades governativas.
De entre os seus objectivos, a Fundação quer “suscitar a procura de novos alicerces culturais e espirituais, que conduzam à realização harmoniosa do ser humano, na sua globalidade, e abram caminho a modos de vida e a relações sociais orientadas segundo o primado do amor; criar espaços de beleza, de interioridade e de comunhão, que incentivem o encontro mais fundo de cada pessoa consigo própria, com os outros, com a natureza e com o Absoluto; e catalisar formas de vivenciar e testemunhar estilos de vida fraterna, inspirados pela primazia do Ser, a simplicidade, a gratuidade, a disponibilidade e uma atitude contemplativa activa na fidelidade ao Amor”. Para isso acolhe pessoas que buscam espaços e tempos de encontro consigo mesmas e com os outros. O site refere palavras de Etty Hillesum: “Recolher-se para lutar e impedir que as suas forças se pulverizem”. As temáticas dos encontros que a Fundação organiza apontam nessa mesma direcção; por exemplo, no final de Junho, a proposta consistia em “Aprender a escutar a sabedoria do coração”, com a teóloga e psicoterapeuta Emma Ocaña. (O contacto com a Fundação pode ser feito para Travessa Deolinda Catarino, n.º 5, 2705-001, Colares, Tel.: 21 9291537)
A Fundação foi criada em 1990. O sítio na Internet, esse, é que acaba de nascer. A personalidade inspiradora é a Profª Manuela Silva, uma cristã comprometida, que já teve responsabilidades governativas.
De entre os seus objectivos, a Fundação quer “suscitar a procura de novos alicerces culturais e espirituais, que conduzam à realização harmoniosa do ser humano, na sua globalidade, e abram caminho a modos de vida e a relações sociais orientadas segundo o primado do amor; criar espaços de beleza, de interioridade e de comunhão, que incentivem o encontro mais fundo de cada pessoa consigo própria, com os outros, com a natureza e com o Absoluto; e catalisar formas de vivenciar e testemunhar estilos de vida fraterna, inspirados pela primazia do Ser, a simplicidade, a gratuidade, a disponibilidade e uma atitude contemplativa activa na fidelidade ao Amor”. Para isso acolhe pessoas que buscam espaços e tempos de encontro consigo mesmas e com os outros. O site refere palavras de Etty Hillesum: “Recolher-se para lutar e impedir que as suas forças se pulverizem”. As temáticas dos encontros que a Fundação organiza apontam nessa mesma direcção; por exemplo, no final de Junho, a proposta consistia em “Aprender a escutar a sabedoria do coração”, com a teóloga e psicoterapeuta Emma Ocaña. (O contacto com a Fundação pode ser feito para Travessa Deolinda Catarino, n.º 5, 2705-001, Colares, Tel.: 21 9291537)
segunda-feira, 9 de junho de 2003
Pentecostes
João César das Neves
A Igreja Católica é uma instituição aberrante, corpo estranho e insólito na sociedade. Por exemplo, quem entende que se seja feliz trabalhando mais que todos sem ordenado ou relações sexuais, sujeito a autoridade alheia ou até vivendo livre atrás de grades? Não admiraria, pois, se um dia destes se declarassem inconstitucionais os votos de pobreza, castidade e obediência e a clausura das ordens religiosas; ou se uma directiva comunitária proibisse jejuns, vigílias e promessas em Fátima em nome da saúde pública. A Europa vê os templos, mas ignora as bem-aventuranças. A Igreja é familiar e desconhecida.
Entretanto reina o paganismo. Ligar a televisão ou seguir as conversas de café é mergulhar na idolatria. A sociedade burguesa gosta de se apresentar como humanista, livre, moderna, mas estes conceitos são inertes e inconsequentes. Na realidade, as pessoas entregam a vida aos velhos deuses da mitologia, prestando culto atento e venerador ao dinheiro (Mercúrio), ao prazer (Vénus), à farra (Baco), ao prestígio (Júpiter), à natureza (Ceres). Não é uma reprodução exacta dos mitos antigos, mas uma superstição pós-cristã, a quem a Igreja libertou dos medos dos espíritos malignos e ensinou a tolerar (não chega a amar) o próximo. Mas é sem dúvida politeísmo.
O paradoxo é que toda a cultura e raiz do Ocidente é cristã. Os positivistas dos últimos séculos limitaram-se a encadernar os princípios cristãos numa capa laica. Por exemplo, o projecto de Constituição Europeia, que se esqueceu de mencionar a herança cristã, só é compreensível dentro da cultura religiosa. Não é possível ler um artigo da lei, ou sequer entender qualquer elemento da nossa vida, incluindo o ateísmo, sem a referência à Igreja. O nosso tempo fala cristão sem saber o que diz.
Mas isso não impede que os critérios de Jesus sejam hoje mais alheios à vida comum que os nomes dos dinossáurios. Que devemos fazer acerca disto? Atacar e denunciar furiosamente a situação? Lamentar e chorar o seu destino? O pior do paganismo seria levar os cristãos a estas atitudes pagãs. Porque no fundo o fosso entre mundo e Igreja é natural. Foi sempre assim. A culpa é do ser humano, que só pode ser salvo da forma aberrante e insólita que Cristo usou. Só pobreza, castidade e obediência, na vida dos leigos ou plena nos votos, salva a sociedade dos deuses do luxo, fastio, miséria. «Não há debaixo do céu qualquer outro nome, dado aos homens, pelo qual possamos ser salvos» (Act 4, 12).
A Europa deve tudo à Igreja e despreza-a. A Igreja derrotada canta vitória, porque Cristo venceu: «No mundo tereis aflições. Mas tende coragem! Eu venci o mundo!» (Jo 16, 33). O mundo longe da Igreja manifesta essa vitória. Todos os avanços e progressos de políticos, empresários, cientistas e filósofos levam ao desespero. A sociedade mais avançada conduz à perdição. A televisão e os cafés mostram o paganismo e o ódio dos pagãos ao paganismo. Nunca foi tão claro que «não há qualquer outro nome...».
Depois da Ressurreição de Cristo, os cristãos estão salvos. Não vão ser salvos. Estão já salvos. A sua alegria e felicidade, a sua vida livre e redimida é a salvação desta Europa, como foi de Roma. «Alegrai-vos sempre no Senhor. Novamente vos digo: alegrai-vos. Seja a vossa bondade conhecida de todos. O Senhor está perto» (Fl 4, 4-5).
Estamos no tempo depois do Pentecostes.
naohaalmocosgratis@fcee.ucp.pt
(in Diário de Notícias, 9.6.2003)
Comentário: reflexão interessante; partilho bastante do diagnóstico; sou reticente ou mesmo discordante do que há de terapêutica sugerida no texto.
João César das Neves
A Igreja Católica é uma instituição aberrante, corpo estranho e insólito na sociedade. Por exemplo, quem entende que se seja feliz trabalhando mais que todos sem ordenado ou relações sexuais, sujeito a autoridade alheia ou até vivendo livre atrás de grades? Não admiraria, pois, se um dia destes se declarassem inconstitucionais os votos de pobreza, castidade e obediência e a clausura das ordens religiosas; ou se uma directiva comunitária proibisse jejuns, vigílias e promessas em Fátima em nome da saúde pública. A Europa vê os templos, mas ignora as bem-aventuranças. A Igreja é familiar e desconhecida.
Entretanto reina o paganismo. Ligar a televisão ou seguir as conversas de café é mergulhar na idolatria. A sociedade burguesa gosta de se apresentar como humanista, livre, moderna, mas estes conceitos são inertes e inconsequentes. Na realidade, as pessoas entregam a vida aos velhos deuses da mitologia, prestando culto atento e venerador ao dinheiro (Mercúrio), ao prazer (Vénus), à farra (Baco), ao prestígio (Júpiter), à natureza (Ceres). Não é uma reprodução exacta dos mitos antigos, mas uma superstição pós-cristã, a quem a Igreja libertou dos medos dos espíritos malignos e ensinou a tolerar (não chega a amar) o próximo. Mas é sem dúvida politeísmo.
O paradoxo é que toda a cultura e raiz do Ocidente é cristã. Os positivistas dos últimos séculos limitaram-se a encadernar os princípios cristãos numa capa laica. Por exemplo, o projecto de Constituição Europeia, que se esqueceu de mencionar a herança cristã, só é compreensível dentro da cultura religiosa. Não é possível ler um artigo da lei, ou sequer entender qualquer elemento da nossa vida, incluindo o ateísmo, sem a referência à Igreja. O nosso tempo fala cristão sem saber o que diz.
Mas isso não impede que os critérios de Jesus sejam hoje mais alheios à vida comum que os nomes dos dinossáurios. Que devemos fazer acerca disto? Atacar e denunciar furiosamente a situação? Lamentar e chorar o seu destino? O pior do paganismo seria levar os cristãos a estas atitudes pagãs. Porque no fundo o fosso entre mundo e Igreja é natural. Foi sempre assim. A culpa é do ser humano, que só pode ser salvo da forma aberrante e insólita que Cristo usou. Só pobreza, castidade e obediência, na vida dos leigos ou plena nos votos, salva a sociedade dos deuses do luxo, fastio, miséria. «Não há debaixo do céu qualquer outro nome, dado aos homens, pelo qual possamos ser salvos» (Act 4, 12).
A Europa deve tudo à Igreja e despreza-a. A Igreja derrotada canta vitória, porque Cristo venceu: «No mundo tereis aflições. Mas tende coragem! Eu venci o mundo!» (Jo 16, 33). O mundo longe da Igreja manifesta essa vitória. Todos os avanços e progressos de políticos, empresários, cientistas e filósofos levam ao desespero. A sociedade mais avançada conduz à perdição. A televisão e os cafés mostram o paganismo e o ódio dos pagãos ao paganismo. Nunca foi tão claro que «não há qualquer outro nome...».
Depois da Ressurreição de Cristo, os cristãos estão salvos. Não vão ser salvos. Estão já salvos. A sua alegria e felicidade, a sua vida livre e redimida é a salvação desta Europa, como foi de Roma. «Alegrai-vos sempre no Senhor. Novamente vos digo: alegrai-vos. Seja a vossa bondade conhecida de todos. O Senhor está perto» (Fl 4, 4-5).
Estamos no tempo depois do Pentecostes.
naohaalmocosgratis@fcee.ucp.pt
(in Diário de Notícias, 9.6.2003)
Comentário: reflexão interessante; partilho bastante do diagnóstico; sou reticente ou mesmo discordante do que há de terapêutica sugerida no texto.
sábado, 31 de maio de 2003
Quatro Cardeais da Nova Evangelização querem Igreja mais aberta ao mundo
.
Os quatro cardeais promotores do Congresso Internacional para a Nova Evangelização, a decorrer em Viena de 23 de Maio a 1 de Junho, sentaram-se diante de uma famosa apresentadora de televisão na manhã de ontem, 29 de Maio, e tomaram posição em favor de uma Igreja decididamente aberta ao mundo.
Os cardeais Christoph Schönborn, Jean-Marie Lustiger, Godfried Danneels e José Policarpo responderam às questões de Barbara Stoeckl sobre a proximidade da Igreja com o homem moderno, o lugar das mulheres na Igreja e a abertura da Europa em direcção ao Leste.
O Cardeal Schönborn foi confrontado com o facto de ter vindo a passar mais tempo na rua, nos cafés, etc. “A função de Cardeal cria uma distância para com as pessoas, mas não me limita irremediavelmente. Nunca me hei-de esquecer do que me disse um comerciante, ao receber-me no seu estabelecimento: Você deve ir para o meio das pessoas”, retorquiu o Cardeal de Viena.
Em relação à utilização dos Meios de Comunicação Social, o Cardeal Lustiger não hesitou em defender a sua utilização para difundir o Evangelho. “Quem pensar em fazer penetrar a Fé na cultura moderna deve colocar o Evangelho nas mãos de especialistas de Marketing e relações públicas. A nossa civilização remonta às origens do cristianismo, mas o Evangelho continua jovem no meio dessa velha civilização”, destacou.
A assembleia teve o seu momento de riso quando os cardeais fizeram menção de passar uns para os outros a responsabilidade de responder à questão sobre o sacerdócio das mulheres. “A questão está mal colocada, mas isso não resolve o problema”, respondeu o Cardeal Danneels. “É preciso voltar ao que fez Jesus: escolheu uma mãe, a primeira pessoa que o viu depois da ressurreição foi Maria Madalena e era preciso ser uma mulher para acolher o mistério e o segredo deste facto”, acrescentou.
Foi o Patriarca de Lisboa, D. José Policarpo, quem completou a resposta: “O que eu espero de uma mulher na Igreja é que ela exprima com muita eloquência o coração dessa mesma Igreja, com toda a sua ternura. Se estiverdes convencidas de que quereis ser sacerdotes – disse o Cardeal Patriarca às mulheres presentes – dizei-o a Deus e ao Espírito Santo, porque não somos nós quem pode resolver este problema. Só o Espírito Santo!”, concluiu.
(Fonte: Agência Ecclesia, 30.5.2003)
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Os quatro cardeais promotores do Congresso Internacional para a Nova Evangelização, a decorrer em Viena de 23 de Maio a 1 de Junho, sentaram-se diante de uma famosa apresentadora de televisão na manhã de ontem, 29 de Maio, e tomaram posição em favor de uma Igreja decididamente aberta ao mundo.
Os cardeais Christoph Schönborn, Jean-Marie Lustiger, Godfried Danneels e José Policarpo responderam às questões de Barbara Stoeckl sobre a proximidade da Igreja com o homem moderno, o lugar das mulheres na Igreja e a abertura da Europa em direcção ao Leste.
O Cardeal Schönborn foi confrontado com o facto de ter vindo a passar mais tempo na rua, nos cafés, etc. “A função de Cardeal cria uma distância para com as pessoas, mas não me limita irremediavelmente. Nunca me hei-de esquecer do que me disse um comerciante, ao receber-me no seu estabelecimento: Você deve ir para o meio das pessoas”, retorquiu o Cardeal de Viena.
Em relação à utilização dos Meios de Comunicação Social, o Cardeal Lustiger não hesitou em defender a sua utilização para difundir o Evangelho. “Quem pensar em fazer penetrar a Fé na cultura moderna deve colocar o Evangelho nas mãos de especialistas de Marketing e relações públicas. A nossa civilização remonta às origens do cristianismo, mas o Evangelho continua jovem no meio dessa velha civilização”, destacou.
A assembleia teve o seu momento de riso quando os cardeais fizeram menção de passar uns para os outros a responsabilidade de responder à questão sobre o sacerdócio das mulheres. “A questão está mal colocada, mas isso não resolve o problema”, respondeu o Cardeal Danneels. “É preciso voltar ao que fez Jesus: escolheu uma mãe, a primeira pessoa que o viu depois da ressurreição foi Maria Madalena e era preciso ser uma mulher para acolher o mistério e o segredo deste facto”, acrescentou.
Foi o Patriarca de Lisboa, D. José Policarpo, quem completou a resposta: “O que eu espero de uma mulher na Igreja é que ela exprima com muita eloquência o coração dessa mesma Igreja, com toda a sua ternura. Se estiverdes convencidas de que quereis ser sacerdotes – disse o Cardeal Patriarca às mulheres presentes – dizei-o a Deus e ao Espírito Santo, porque não somos nós quem pode resolver este problema. Só o Espírito Santo!”, concluiu.
(Fonte: Agência Ecclesia, 30.5.2003)
terça-feira, 27 de maio de 2003
Excerto de uma entrevista a Jorge Luís Borges, feita em 1963 por Mario Vargas Llosa:
-Para terminar, le voy a hacer otra pregunta convencional: si tuviera que pasar el resto de sus días en una isla desierta con cinco libros, ¿cuáles elegiría?
-Es una pregunta difícil, porque cinco es poco o es demasiado. Además, no sé si se trata de cinco libros o de cinco volúmenes.
-Digamos, cinco volúmenes.
-¿Cinco volúmenes? Bueno, yo creo que llevaría la "Historia de la Declinación y Caída del lmperio Romano" de Gibbons. No creo que llevaría ninguna novela, sino más bien un libro de historia. Bueno, vamos a suponer que eso sea en una edición de dos volúmenes. Luego, me gustaría llevar algún libro que yo no comprendiera del todo, para poder leerlo y releerlo, digamos la "Introducción a la Filosofía de las Matemáticas" de Russell, o algún libro de Henri Poincaré. Me gustaría llevar eso también. Ya tenemos tres volúmenes. Luego, podría llevar un volumen cualquiera, elegido el azar, de una enciclopedia. Ahí ya podría haber muchas lecturas. Sobre todo, no de una enciclopedia actual, porque las enciclopedias actuales son libros de consulta, sino de una enciclopedia publicada hacia 1910 o 1911, algún volumen de Brockhaus, o de Mayer, o de la Enciclopedia Británica, es decir cuando las enciclopedias eran todavía libros de lectura. Tenemos cuatro. Y luego, para el último, voy a hacer una trampa, voy a llevar un libro que es una biblioteca, es decir llevaría la Biblia. Y en cuanto a la poesía, que está ausente de este catálogo, eso me obligaría a encargarme yo, y entonces no leería versos. Además, mí memoria está tan poblada de versos que creo que no necesito libros. Yo mismo soy una especie de antología de muchas literaturas. Yo, que recuerdo mal las circunstancias de mi propia vida, puedo decirle indefinidamente y tediosamente versos en latín, en español, en inglés, en inglés antiguo, en francés, en italiano, en portugués. No sé si he contestado bien a su pregunta.
-Sí, muy bien, Jorge Luis Borges. Muchas gracias."
(dica de A Montanha Mágica)
-Para terminar, le voy a hacer otra pregunta convencional: si tuviera que pasar el resto de sus días en una isla desierta con cinco libros, ¿cuáles elegiría?
-Es una pregunta difícil, porque cinco es poco o es demasiado. Además, no sé si se trata de cinco libros o de cinco volúmenes.
-Digamos, cinco volúmenes.
-¿Cinco volúmenes? Bueno, yo creo que llevaría la "Historia de la Declinación y Caída del lmperio Romano" de Gibbons. No creo que llevaría ninguna novela, sino más bien un libro de historia. Bueno, vamos a suponer que eso sea en una edición de dos volúmenes. Luego, me gustaría llevar algún libro que yo no comprendiera del todo, para poder leerlo y releerlo, digamos la "Introducción a la Filosofía de las Matemáticas" de Russell, o algún libro de Henri Poincaré. Me gustaría llevar eso también. Ya tenemos tres volúmenes. Luego, podría llevar un volumen cualquiera, elegido el azar, de una enciclopedia. Ahí ya podría haber muchas lecturas. Sobre todo, no de una enciclopedia actual, porque las enciclopedias actuales son libros de consulta, sino de una enciclopedia publicada hacia 1910 o 1911, algún volumen de Brockhaus, o de Mayer, o de la Enciclopedia Británica, es decir cuando las enciclopedias eran todavía libros de lectura. Tenemos cuatro. Y luego, para el último, voy a hacer una trampa, voy a llevar un libro que es una biblioteca, es decir llevaría la Biblia. Y en cuanto a la poesía, que está ausente de este catálogo, eso me obligaría a encargarme yo, y entonces no leería versos. Además, mí memoria está tan poblada de versos que creo que no necesito libros. Yo mismo soy una especie de antología de muchas literaturas. Yo, que recuerdo mal las circunstancias de mi propia vida, puedo decirle indefinidamente y tediosamente versos en latín, en español, en inglés, en inglés antiguo, en francés, en italiano, en portugués. No sé si he contestado bien a su pregunta.
-Sí, muy bien, Jorge Luis Borges. Muchas gracias."
(dica de A Montanha Mágica)
domingo, 25 de maio de 2003
Grandeza e miséria do mundo
(...) Cá onde o mal se afina e o bem se dana (...)
Luís de Camões, Os Lusíadas
Há tempos assim, em que a vertigem dos acontecimentos se acelera e nos deixa como que paralisados, perante a iminência de todos os pesadelos. Em que as sequelas de cada acontecimento se multiplicam, de modo a deixar sem nexo à tarde o (sem-)sentido de manhã construído.
Não, não me refiro apenas ao escândalo da Casa Pia e ao avolumar dos sinais inquietantes de que aos submundos da degradação moral se somam os caminhos tortuosos como se faz justiça no nosso país.
Este é, porventura, o caso em que, por episódios sucessivos, fomos todos levados àquele ponto de encruzilhada em que, em lugar de escolher entre a boa e a má saída da floresta, sentimos que ambos os caminhos que se desenham pela frente podem ser perigosos.
Mas, ao lado daquele que é “o caso”, vemos outros, de dimensão maior ou menor, cá dentro e lá fora, todos indiciadores de que haverá que arrepiar caminho.
Quando alguém foge à justiça e muitos “alguens” saúdam essa fuga e agridem quem a contesta; quando alguém se escuda na imunidade parlamentar para não assumir claramente actos praticados; quando alguém invoca a discordância da lei para não acarretar com as consequências de circular quase ao dobro da velocidade permitida; quando alguém, como em Itália, chega a chefe de governo e se ocupa a denegrir a magistratura e a criar mecanismos para passar impune em processos que correm contra si; quando alguém utiliza factos manipulados para convencer o mundo a apoiar uma guerra; quando uma nação que comprovadamente viola os direitos e a dignidade dos seus cidadãos é eleita para presidir à comissão dos direitos humanos e quando essa comissão não se entende, depois, para condenar países, como Cuba, onde esses direitos são atropelados; quando tudo isto acontece não é apenas o caso ou a situação concreta que está em causa, é, antes, uma (des)ordem moral que está em causa. E é também o risco de tocar naquele fio invisível e frágil, mas vital para manter a vida social de pé e a respirar, que é a confiança.
Falta faz a serenidade. Não só a serenidade da mera contenção, freneticamente requerida nos últimos dias, mas a que permita a introspecção pessoal e colectiva.
Ao desconcerto percebido do mundo talvez falte o tempero da multiplicidade de gestos e modos de viver discretos e solidários, que pouco valem no “mercado” das lógicas mediáticas dominantes. Porque o mundo é mais vasto e interessante do que a pintura carregada que diariamente nos fornecem.
(Crónica no DM de amanhã)
(...) Cá onde o mal se afina e o bem se dana (...)
Luís de Camões, Os Lusíadas
Há tempos assim, em que a vertigem dos acontecimentos se acelera e nos deixa como que paralisados, perante a iminência de todos os pesadelos. Em que as sequelas de cada acontecimento se multiplicam, de modo a deixar sem nexo à tarde o (sem-)sentido de manhã construído.
Não, não me refiro apenas ao escândalo da Casa Pia e ao avolumar dos sinais inquietantes de que aos submundos da degradação moral se somam os caminhos tortuosos como se faz justiça no nosso país.
Este é, porventura, o caso em que, por episódios sucessivos, fomos todos levados àquele ponto de encruzilhada em que, em lugar de escolher entre a boa e a má saída da floresta, sentimos que ambos os caminhos que se desenham pela frente podem ser perigosos.
Mas, ao lado daquele que é “o caso”, vemos outros, de dimensão maior ou menor, cá dentro e lá fora, todos indiciadores de que haverá que arrepiar caminho.
Quando alguém foge à justiça e muitos “alguens” saúdam essa fuga e agridem quem a contesta; quando alguém se escuda na imunidade parlamentar para não assumir claramente actos praticados; quando alguém invoca a discordância da lei para não acarretar com as consequências de circular quase ao dobro da velocidade permitida; quando alguém, como em Itália, chega a chefe de governo e se ocupa a denegrir a magistratura e a criar mecanismos para passar impune em processos que correm contra si; quando alguém utiliza factos manipulados para convencer o mundo a apoiar uma guerra; quando uma nação que comprovadamente viola os direitos e a dignidade dos seus cidadãos é eleita para presidir à comissão dos direitos humanos e quando essa comissão não se entende, depois, para condenar países, como Cuba, onde esses direitos são atropelados; quando tudo isto acontece não é apenas o caso ou a situação concreta que está em causa, é, antes, uma (des)ordem moral que está em causa. E é também o risco de tocar naquele fio invisível e frágil, mas vital para manter a vida social de pé e a respirar, que é a confiança.
Falta faz a serenidade. Não só a serenidade da mera contenção, freneticamente requerida nos últimos dias, mas a que permita a introspecção pessoal e colectiva.
Ao desconcerto percebido do mundo talvez falte o tempero da multiplicidade de gestos e modos de viver discretos e solidários, que pouco valem no “mercado” das lógicas mediáticas dominantes. Porque o mundo é mais vasto e interessante do que a pintura carregada que diariamente nos fornecem.
(Crónica no DM de amanhã)
"Aqui, um caminho leva à evidência, à telepatia, aos extraterrestres, às ciências ocultas, à magia. Acolá, adivinhais ramos retorcidos da reincarnação, do karma, das auras, das energias e outras hipóteses extravagantes.
"Avançai no mato e não tardareis a descobrir a arborescência ramalhuda das famosas técnicas da nova era onde se cultiva o desenvolvimento pessoal, a autorização, a expansão da consciência.
"É uma geografia complexa que mistura a meditação, a psicologia, as técnicas de alteração dos estados da consciência, as terapias suaves, as práticas corporais, a dietéctica...
"Ao lado está a luxuriante vegetação das ciências onde especulações sobre a Gaia e a cibernética planetária se entrelaçam com a física das partículas, a cosmologia, tudo sobre um fundo de crise ecológica e de interrogação sobre o destino futuro da humanidade.
"Continuando o caminho, ireis cair, de certeza, sobre raízes linguísticas sábias e retorcidas, como 'holismo', 'novo paradigma', 'holograma', 'Uno', 'múltiplo', 'não-separabilidade'. Esta floresta encantada tem mil rostos."
Michel Lacroix, La Spiritualité Totalitaire. New Age et les Sectes, Plon: Paris, 1995.
Comentário de Bento Domingues, no Público de hoje (de onde o trecho anterior foi retirado):
" (...) Nas sociedades secularizadas - como verificava a última Congregação Geral dos Jesuítas - a vida espiritual dos seres humanos não morreu. Desenvolve-se, porém, fora da Igreja e, deve-se acrescentar, em muitos casos, fora das religiões.
Mattew Fox vai ao ponto de sustentar que o programa para o terceiro milénio passa por "despir as religiões até à experiência espiritual", desenvolvendo formas de devoção que despertem as pessoas, em vez de as aborrecer.
Como diz o jornalista Michel Brown, no seu livro "O Turista Espiritual", a espiritualidade tornou-se num chavão. Nas suas deambulações ouviu muitas vezes as expressões: "Estou a tentar cultivar o meu lado espiritual" ou "estou a aprender a entrar em contacto com o meu lado espiritual". Geralmente, é mais uma falta que se sente do que uma realidade que se vive.
Muitos dos movimentos espirituais cintilam e extinguem-se como anúncios comerciais. À semelhança do que acontece no emprego e no casamento, também já não há religião ou espiritualidade para toda a vida. A religião ou a espiritualidade "à la carte" são facilmente descartáveis.(...)".
"Avançai no mato e não tardareis a descobrir a arborescência ramalhuda das famosas técnicas da nova era onde se cultiva o desenvolvimento pessoal, a autorização, a expansão da consciência.
"É uma geografia complexa que mistura a meditação, a psicologia, as técnicas de alteração dos estados da consciência, as terapias suaves, as práticas corporais, a dietéctica...
"Ao lado está a luxuriante vegetação das ciências onde especulações sobre a Gaia e a cibernética planetária se entrelaçam com a física das partículas, a cosmologia, tudo sobre um fundo de crise ecológica e de interrogação sobre o destino futuro da humanidade.
"Continuando o caminho, ireis cair, de certeza, sobre raízes linguísticas sábias e retorcidas, como 'holismo', 'novo paradigma', 'holograma', 'Uno', 'múltiplo', 'não-separabilidade'. Esta floresta encantada tem mil rostos."
Michel Lacroix, La Spiritualité Totalitaire. New Age et les Sectes, Plon: Paris, 1995.
Comentário de Bento Domingues, no Público de hoje (de onde o trecho anterior foi retirado):
" (...) Nas sociedades secularizadas - como verificava a última Congregação Geral dos Jesuítas - a vida espiritual dos seres humanos não morreu. Desenvolve-se, porém, fora da Igreja e, deve-se acrescentar, em muitos casos, fora das religiões.
Mattew Fox vai ao ponto de sustentar que o programa para o terceiro milénio passa por "despir as religiões até à experiência espiritual", desenvolvendo formas de devoção que despertem as pessoas, em vez de as aborrecer.
Como diz o jornalista Michel Brown, no seu livro "O Turista Espiritual", a espiritualidade tornou-se num chavão. Nas suas deambulações ouviu muitas vezes as expressões: "Estou a tentar cultivar o meu lado espiritual" ou "estou a aprender a entrar em contacto com o meu lado espiritual". Geralmente, é mais uma falta que se sente do que uma realidade que se vive.
Muitos dos movimentos espirituais cintilam e extinguem-se como anúncios comerciais. À semelhança do que acontece no emprego e no casamento, também já não há religião ou espiritualidade para toda a vida. A religião ou a espiritualidade "à la carte" são facilmente descartáveis.(...)".
domingo, 18 de maio de 2003
(...)
Muito do desemprego nos últimos meses resulta de falências em série de empresas de média e grande dimensão, muitas delas encerrando aqui para irem abrir em países com mão de obra mais barata. Temos ouvido argumentar, ao nível governamental (cf. “Diário de Notícias” de sexta-feira) que estas falências “dão verdade à situação económica” e conduzem à “transparência do mercado”. Pode ser que assim seja, mas pegar assim em problemas sociais desta gravidade e delicadeza parece-me assemelhar-se àqueles que, normalmente ganhando bem, discutem as estatísticas de desemprego como se de manipulações de laboratório ou operações de contabilidade se tratasse.
Sabemos que a crise não tem as suas origens apenas no último ano e também não ignoramos que a agulha do clima internacional aponta mais para o lado recessivo do que para o expansivo.
Mas, depois de o governo ter dado o mote do “país de tanga” – porventura para conquistar espaço de manobra política – nós não vimos, até ao presente, uma real preocupação social com os efeitos devastadores de políticas económicas que só poderiam conduzir onde conduziram. Mesmo dando de barato que as opções económicas tenham sido as mais adequadas ou, pelo menos, as possíveis, seria necessário que, em simultâneo, se desenvolvesse um esforço multissectorial e articulado de novas respostas que impedissem que milhares de pessoas fossem simplesmente atiradas pela borda do navio fora, por não haver no navio lugar para elas. Porque os 423.595 desempregados são pessoas. E isso talvez precise de ser dito e gritado àqueles que, nos gabinetes, não vêem senão números e estatísticas.
(da crónica de amanhã, no DM)
Muito do desemprego nos últimos meses resulta de falências em série de empresas de média e grande dimensão, muitas delas encerrando aqui para irem abrir em países com mão de obra mais barata. Temos ouvido argumentar, ao nível governamental (cf. “Diário de Notícias” de sexta-feira) que estas falências “dão verdade à situação económica” e conduzem à “transparência do mercado”. Pode ser que assim seja, mas pegar assim em problemas sociais desta gravidade e delicadeza parece-me assemelhar-se àqueles que, normalmente ganhando bem, discutem as estatísticas de desemprego como se de manipulações de laboratório ou operações de contabilidade se tratasse.
Sabemos que a crise não tem as suas origens apenas no último ano e também não ignoramos que a agulha do clima internacional aponta mais para o lado recessivo do que para o expansivo.
Mas, depois de o governo ter dado o mote do “país de tanga” – porventura para conquistar espaço de manobra política – nós não vimos, até ao presente, uma real preocupação social com os efeitos devastadores de políticas económicas que só poderiam conduzir onde conduziram. Mesmo dando de barato que as opções económicas tenham sido as mais adequadas ou, pelo menos, as possíveis, seria necessário que, em simultâneo, se desenvolvesse um esforço multissectorial e articulado de novas respostas que impedissem que milhares de pessoas fossem simplesmente atiradas pela borda do navio fora, por não haver no navio lugar para elas. Porque os 423.595 desempregados são pessoas. E isso talvez precise de ser dito e gritado àqueles que, nos gabinetes, não vêem senão números e estatísticas.
(da crónica de amanhã, no DM)
domingo, 11 de maio de 2003
Convento de Santo António de Varatojo
Varatojo é um lugar da freguesia de S. Pedro e Santiago, situado numa colina fronteira a Torres Vedras. Foi aí que o rei D. Afonso V mandou levantar um convento, em cumprimento de um voto que fizera a Santo António para que o auxiliasse nas conquistas do Norte de África. E “veio ele mesmo, com os fidalgos da sua real Câmara e grande acompanhamento de clero, nobreza e povo, desde a vila de Torres, lançar a primeira pedra em Fevereiro de 1470”. O primeiro grupo de monges franciscanos instalou-se quatro anos depois, fazendo daquele espaço um dos sítios de maior florescimento do espírito missionário da modernidade em Portugal. A história riquíssima desta instituição é, ao mesmo tempo, um testemunho das vicissitudes da história do país, nas épocas moderna e contemporânea. O sítio do Convento na Internet dá disso sobeja conta, passando em revista as etapas vividas desde as décadas finais do século XV até ao presente. E dá-nos também, com imagem e texto, preciosas indicações sobre o valor arquitectónico, escultórico e paisagístico do conjunto, sem esquecer a riqueza ao nível da azulejaria. Melhor, só a visita ao local. (Convento de Varatojo, 2560 Torres Vedras , Tel. 261314120, Fax. 261315350, E-mail: Conv.varatojo@mail.telepac.pt ).
Página de Pedro Casaldáliga
“Passaram-se dois anos do novo século XXI e o Mundo continua cruel e solidário, injusto e esperançado. Ainda há guerra e há império, e o império acaba de inventar a guerra preventiva. Ainda o Mundo se divide pelo menos em três: Primeiro, Terceiro e Quarto. A fome, a pobreza, a corrupção e a violência têm aumentado; mas aumentaram também a consciência, o protesto, a organização, a vontade explícita de alternatividade”.
É assim que se inicia a carta pastoral de 2003 da autoria de D. Pedro Casaldáliga, bispo de S. Félix do Araguaia (Brasil). Um bispo-poeta, solidário com os mais pobres, que este ano completa 75 anos de vida e, por essa razão, solicitou ao Vaticano a sua substituição. O site, em boa parte em espanhol, contém documentos, poesias e orações de grande beleza e profundidade. Estão lá várias das suas cartas pastorais, muitas poesias, várias delas evocando a Mãe de Jesus. Está lá também o texto da célebre Missa dos Quilombos, cuja música foi criada por Milton Nascimento.
O bispo despede-se de décadas de apostolado no Mato Grosso com um poema que exprime a sua energia interior, e que foi buscar a “El Hombre de la Mancha” : “Sonhar mais um sonho impossível./ Lutar quando é fácil ceder. / Vencer o inimigo invencível. /Negar quando a regra é vender. / Quantas guerras terei que vencer por um poço de paz!
E amanhã, se esse chão que eu beijei / for meu leito e perdão, / vou saber que valeu delirar / e morrer de paixão!”.
Varatojo é um lugar da freguesia de S. Pedro e Santiago, situado numa colina fronteira a Torres Vedras. Foi aí que o rei D. Afonso V mandou levantar um convento, em cumprimento de um voto que fizera a Santo António para que o auxiliasse nas conquistas do Norte de África. E “veio ele mesmo, com os fidalgos da sua real Câmara e grande acompanhamento de clero, nobreza e povo, desde a vila de Torres, lançar a primeira pedra em Fevereiro de 1470”. O primeiro grupo de monges franciscanos instalou-se quatro anos depois, fazendo daquele espaço um dos sítios de maior florescimento do espírito missionário da modernidade em Portugal. A história riquíssima desta instituição é, ao mesmo tempo, um testemunho das vicissitudes da história do país, nas épocas moderna e contemporânea. O sítio do Convento na Internet dá disso sobeja conta, passando em revista as etapas vividas desde as décadas finais do século XV até ao presente. E dá-nos também, com imagem e texto, preciosas indicações sobre o valor arquitectónico, escultórico e paisagístico do conjunto, sem esquecer a riqueza ao nível da azulejaria. Melhor, só a visita ao local. (Convento de Varatojo, 2560 Torres Vedras , Tel. 261314120, Fax. 261315350, E-mail: Conv.varatojo@mail.telepac.pt ).
Página de Pedro Casaldáliga
“Passaram-se dois anos do novo século XXI e o Mundo continua cruel e solidário, injusto e esperançado. Ainda há guerra e há império, e o império acaba de inventar a guerra preventiva. Ainda o Mundo se divide pelo menos em três: Primeiro, Terceiro e Quarto. A fome, a pobreza, a corrupção e a violência têm aumentado; mas aumentaram também a consciência, o protesto, a organização, a vontade explícita de alternatividade”.
É assim que se inicia a carta pastoral de 2003 da autoria de D. Pedro Casaldáliga, bispo de S. Félix do Araguaia (Brasil). Um bispo-poeta, solidário com os mais pobres, que este ano completa 75 anos de vida e, por essa razão, solicitou ao Vaticano a sua substituição. O site, em boa parte em espanhol, contém documentos, poesias e orações de grande beleza e profundidade. Estão lá várias das suas cartas pastorais, muitas poesias, várias delas evocando a Mãe de Jesus. Está lá também o texto da célebre Missa dos Quilombos, cuja música foi criada por Milton Nascimento.
O bispo despede-se de décadas de apostolado no Mato Grosso com um poema que exprime a sua energia interior, e que foi buscar a “El Hombre de la Mancha” : “Sonhar mais um sonho impossível./ Lutar quando é fácil ceder. / Vencer o inimigo invencível. /Negar quando a regra é vender. / Quantas guerras terei que vencer por um poço de paz!
E amanhã, se esse chão que eu beijei / for meu leito e perdão, / vou saber que valeu delirar / e morrer de paixão!”.
domingo, 4 de maio de 2003
"Cada uno de nosotros es un relato. Tú eres, esencialmente, una historia. Y yo. Con su principio y su final. Jean-Claude Carrière, guionista de tantas películas de Luis Buñuel, me lo contaba así: “Pregunté en cierta ocasión al neurólogo Oliver Sacks qué consideraba él una persona normal, mentalmente sana. ‘La capaz de contar su historia’, me respondió. O sea, la que sabe de dónde procede –su origen, su principio–, dónde está –su identidad– y cree saber adónde va –sus proyectos y su final, la muerte–: en suma, alguien capaz de saberse en el curso de un relato”.
VÍCTOR-M. AMELA -, in La Vanguardia, 04/05/2003
VÍCTOR-M. AMELA -, in La Vanguardia, 04/05/2003
domingo, 27 de abril de 2003
Palavras e tretas
“ (...) Palavras que chamavam pelas coisas, que eram o nome das coisas (...)”.
Sophia de Melo Breyner
Em tempos de tantas palavras, difícil é ser sábio para prestar atenção a todas, mas tomar apenas aquelas que valem a pena.
Se repararmos, são cada vez mais as palavras que circulam e nos cercam, orais e escritas, difundidas pelos meios mais diversos. E não só há mais palavras como se multiplicam também os pontos a partir dos quais essas palavras se enunciam. Ouvem-se as vozes de um lado e de outro, palavras soltas, murmúrios vagos, gritos e silêncios, discursos incandescentes, pronunciamentos desencontrados sobre mil assuntos, num vozear tal que, a dada altura, se torna difícil saber a que “terra” se pertence. Falam tonitruantes os que têm o (aparentemente natural) direito à palavra; falam os que se lhes opõem, para dizer, frequentemente, a mesma coisa; falam os que se colocam em “bicos de pés” para dizer que também existem. E o resultado é, frequentemente, um ruído ambiente, no qual é difícil ou mesmo impossível encontrar algum sentido, tantos são os “sentidos” e a velocidade estonteante da sua reciclagem.
Assoma por vezes a nostalgia dos tempos da palavra autorizada e única, de sentido linear e óbvio. Sem se perceber ou querer perceber que tal palavra apenas pode existir e perpetuar-se silenciando as palavras dos outros.
É salutar o acesso à palavra própria e à capacidade de a enunciar e difundir. Nisso, andamos algum caminho. Mas não o suficiente para nos darmos conta de que muitas palavras não são necessariamente as palavras de muitos. E mesmo que o fossem, muitas palavras só podem coexistir e frutificar havendo quem as escute. E mesmo que haja quem as escute e receba, necessário é saber distinguir entre aquelas que fazem sentido e aquelas que não passam de “palavreado” ou “treta”, entre aquelas que insuflam um sopro de vida e aquelas que ferem e matam.
Como encontrar sentido nas palavras? Como nos entendermos diante da proliferação e banalização da palavra? Como conseguir ouvir a palavra, ouvindo e acolhendo quem a pronuncia? Múltiplas são as vias da resposta, configuradoras de vastos e exigentes programas individuais e colectivos. Deixo uma achega do nosso P. António Vieira no seu Sermão da Sexagésima. “Muitos pregadores há que vivem do que não colheram e semeiam o que não trabalharam”.
(texto para a crónica semanal no "Diário do Minho" de 28.04.2003).
“ (...) Palavras que chamavam pelas coisas, que eram o nome das coisas (...)”.
Sophia de Melo Breyner
Em tempos de tantas palavras, difícil é ser sábio para prestar atenção a todas, mas tomar apenas aquelas que valem a pena.
Se repararmos, são cada vez mais as palavras que circulam e nos cercam, orais e escritas, difundidas pelos meios mais diversos. E não só há mais palavras como se multiplicam também os pontos a partir dos quais essas palavras se enunciam. Ouvem-se as vozes de um lado e de outro, palavras soltas, murmúrios vagos, gritos e silêncios, discursos incandescentes, pronunciamentos desencontrados sobre mil assuntos, num vozear tal que, a dada altura, se torna difícil saber a que “terra” se pertence. Falam tonitruantes os que têm o (aparentemente natural) direito à palavra; falam os que se lhes opõem, para dizer, frequentemente, a mesma coisa; falam os que se colocam em “bicos de pés” para dizer que também existem. E o resultado é, frequentemente, um ruído ambiente, no qual é difícil ou mesmo impossível encontrar algum sentido, tantos são os “sentidos” e a velocidade estonteante da sua reciclagem.
Assoma por vezes a nostalgia dos tempos da palavra autorizada e única, de sentido linear e óbvio. Sem se perceber ou querer perceber que tal palavra apenas pode existir e perpetuar-se silenciando as palavras dos outros.
É salutar o acesso à palavra própria e à capacidade de a enunciar e difundir. Nisso, andamos algum caminho. Mas não o suficiente para nos darmos conta de que muitas palavras não são necessariamente as palavras de muitos. E mesmo que o fossem, muitas palavras só podem coexistir e frutificar havendo quem as escute. E mesmo que haja quem as escute e receba, necessário é saber distinguir entre aquelas que fazem sentido e aquelas que não passam de “palavreado” ou “treta”, entre aquelas que insuflam um sopro de vida e aquelas que ferem e matam.
Como encontrar sentido nas palavras? Como nos entendermos diante da proliferação e banalização da palavra? Como conseguir ouvir a palavra, ouvindo e acolhendo quem a pronuncia? Múltiplas são as vias da resposta, configuradoras de vastos e exigentes programas individuais e colectivos. Deixo uma achega do nosso P. António Vieira no seu Sermão da Sexagésima. “Muitos pregadores há que vivem do que não colheram e semeiam o que não trabalharam”.
(texto para a crónica semanal no "Diário do Minho" de 28.04.2003).
sábado, 26 de abril de 2003
"Fazer pouco fruto a palavra de Deus no Mundo, pode proceder de um de três princípios: ou da parte do pregador, ou da parte do ouvinte, ou da parte de Deus. Para uma alma se converter por meio de um sermão, há-de haver três concursos: há-de concorrer o pregador com a doutrina, persuadindo; há-de concorrer o ouvinte com o entendimento, percebendo; há-de concorrer Deus com a graça, alumiando. Para um homem se ver a si mesmo, são necessárias três coisas: olhos, espelho e luz. Se tem espelho e é cego, não se pode ver por falta de olhos; se tem espelho e olhos, e é de noite, não se pode ver por falta de luz. Logo, há mister luz, há mister espelho e há mister olhos. Que coisa é a conversão de uma alma, senão entrar um homem dentro em si e ver-se a si mesmo? Para esta vista são necessários olhos, e necessária luz e é necessário espelho. O pregador concorre com o espelho, que é a doutrina; Deus concorre com a luz, que é a graça; o homem concorre com os olhos, que é o conhecimento. Ora suposto que a conversão das almas por meio da pregação depende destes três concursos: de Deus, do pregador e do ouvinte, por qual deles devemos entender que falta? Por parte do ouvinte, ou por parte do pregador, ou por parte de Deus? (...)
Antigamente convertia-se o Mundo, hoje porque se não converte ninguém? Porque hoje pregam-se palavras e pensamentos, antigamente pregavam-se palavras e obras. Palavras sem obra são tiros sem bala; atroam, mas não ferem. (...) Para falar ao vento, bastam palavras; para falar ao coração, são necessárias obras. Diz o Evangelho que a palavra de Deus frutificou cento por um. Que quer isto dizer? Quer dizer que de uma palavra nasceram em palavras? -- Não. Quer dizer que de poucas palavras nasceram muitas obras. (...) A razão disto é porque as palavras ouvem-se, as obras vêem-se; as palavras entram pelos ouvidos, as obras entram pelos olhos, e a nossa alma rende-se muito mais pelos olhos que pelos ouvidos".
P. António Vieira, Sermão da Sexagésima, 1655
Antigamente convertia-se o Mundo, hoje porque se não converte ninguém? Porque hoje pregam-se palavras e pensamentos, antigamente pregavam-se palavras e obras. Palavras sem obra são tiros sem bala; atroam, mas não ferem. (...) Para falar ao vento, bastam palavras; para falar ao coração, são necessárias obras. Diz o Evangelho que a palavra de Deus frutificou cento por um. Que quer isto dizer? Quer dizer que de uma palavra nasceram em palavras? -- Não. Quer dizer que de poucas palavras nasceram muitas obras. (...) A razão disto é porque as palavras ouvem-se, as obras vêem-se; as palavras entram pelos ouvidos, as obras entram pelos olhos, e a nossa alma rende-se muito mais pelos olhos que pelos ouvidos".
P. António Vieira, Sermão da Sexagésima, 1655
sábado, 19 de abril de 2003
A valia da vida humana
Manuel Pinto
Os tempos que correm parecem mais de Crucificação do que de Páscoa, mais de Sexta-feira Santa do que de Ressurreição.
Recordo hoje os dois trabalhadores de Vila das Aves, que morreram na semana passada no meio dos ferros retorcidos pela avalanche de terra nas fundações em que trabalhavam. Retenho as imagens dos canais televisivos: as valas desguarnecidas, os corpos resgatados sem vida, as pessoas entre o resignado e o revoltado, o silêncio e ausência de quem deveria responder pelo sucedido.
O caso é apenas mais um, na terrível lista do pesadelo que são os acidentes de trabalho, em particular na construção civil. Funciona como perfeita exemplificação de como a vida humana continua a ser coisa de pouca monta, na escala dos valores reinantes, desde a instância política aos comportamentos mais quotidianos.
Não se trata de mera imprevidência ou facilitação. As campanhas de informação, para já não referir as leis vigentes, tornam indesculpável que se facilite no terreno da segurança pessoal, na mira de poupar uns euros (de resto, uma ilusão, porquanto não faltam estudos comprovativos de que o investimento neste domínio é compensador do ponto de vista económico).
Dados oficiais indicam que, nos últimos dez anos, devem ter morrido perto de milhar e meio de pessoas em acidentes no sector da construção civil. Em média, um trabalhador em cada dois dias, são mortos por acidente no trabalho ou relacionado com o trabalho. Muitíssimos mais são aqueles que ficam estropiados e incapacitados. Há, neste flagelo, uma parte de responsabilidade que pode caber ao próprio trabalhador. Mas, como é evidente, a falta de condições, da responsabilidade das empresas e dos empresários, aparece frequentemente associada aos desastres de que a opinião pública toma conhecimento. E quando tal acontece seria importante que fossem levadas às últimas consequências responsabilidades civis, mas também criminais.
De resto, quando o clima económico é de restrições cegas e não há noção de valores como a justiça e a dignidade humana, corre-se o risco – nas instituições privadas como nas públicas – de afectar a integridade física e psíquica das pessoas e, com isso, aquele nível mínimo de confiança básica sem o qual a vida social não se sustém.
Por tudo isto, e por muito mais que aqui não cabe, é tão difícil – e tão desafiante – adentrar-se no mistério da Ressurreição.
Manuel Pinto
Os tempos que correm parecem mais de Crucificação do que de Páscoa, mais de Sexta-feira Santa do que de Ressurreição.
Recordo hoje os dois trabalhadores de Vila das Aves, que morreram na semana passada no meio dos ferros retorcidos pela avalanche de terra nas fundações em que trabalhavam. Retenho as imagens dos canais televisivos: as valas desguarnecidas, os corpos resgatados sem vida, as pessoas entre o resignado e o revoltado, o silêncio e ausência de quem deveria responder pelo sucedido.
O caso é apenas mais um, na terrível lista do pesadelo que são os acidentes de trabalho, em particular na construção civil. Funciona como perfeita exemplificação de como a vida humana continua a ser coisa de pouca monta, na escala dos valores reinantes, desde a instância política aos comportamentos mais quotidianos.
Não se trata de mera imprevidência ou facilitação. As campanhas de informação, para já não referir as leis vigentes, tornam indesculpável que se facilite no terreno da segurança pessoal, na mira de poupar uns euros (de resto, uma ilusão, porquanto não faltam estudos comprovativos de que o investimento neste domínio é compensador do ponto de vista económico).
Dados oficiais indicam que, nos últimos dez anos, devem ter morrido perto de milhar e meio de pessoas em acidentes no sector da construção civil. Em média, um trabalhador em cada dois dias, são mortos por acidente no trabalho ou relacionado com o trabalho. Muitíssimos mais são aqueles que ficam estropiados e incapacitados. Há, neste flagelo, uma parte de responsabilidade que pode caber ao próprio trabalhador. Mas, como é evidente, a falta de condições, da responsabilidade das empresas e dos empresários, aparece frequentemente associada aos desastres de que a opinião pública toma conhecimento. E quando tal acontece seria importante que fossem levadas às últimas consequências responsabilidades civis, mas também criminais.
De resto, quando o clima económico é de restrições cegas e não há noção de valores como a justiça e a dignidade humana, corre-se o risco – nas instituições privadas como nas públicas – de afectar a integridade física e psíquica das pessoas e, com isso, aquele nível mínimo de confiança básica sem o qual a vida social não se sustém.
Por tudo isto, e por muito mais que aqui não cabe, é tão difícil – e tão desafiante – adentrar-se no mistério da Ressurreição.
sexta-feira, 18 de abril de 2003
En une décennie, les croyances ont reculé en France
LE MONDE | 16.04.03 |
Existence de Dieu, fréquence de la prière, importance de la foi : les Français sont de plus en plus sceptiques, selon un sondage CSA pour "Le Monde" et "La Vie" qui reprend les mêmes questions qu'en 1994.
Sondage : les Français et leurs croyances (108 pages, PDF, 765 Ko)
Des croyances en baisse, un catholicisme qui se maintient, des religiosités parallèles qui s'effondrent.
Telles sont les grandes tendances qui se dégagent d'un son- dage CSA réalisé pour Le Monde et l'hebdomadaire La Vie, et qui reprend les questions posées lors d'une précédente enquête, réalisée en 1994.
Le sondage offre d'abord un aperçu du paysage religieux français en 2003. Sans surprise, les catholiques représentent l'écrasante majorité : 62 % des Français se déclarent de confession catholique, contre 67 % en 1994. Certains interpréteront cette légère baisse comme le signe d'un inexorable déclin ; d'autres y liront la marque d'une résistance d'un catholicisme culturel. Le poids des autres religions n'évolue guère, à l'exception de l'islam : les personnes se déclarant de religion musulmane passent de 2 % à 6 %. Les enquêteurs de l'Institut CSA constatent que, dans les sondages d'opinion, la population qui se déclare musulmane représente désormais un "sous-échantillon significatif", c'est-à-dire supérieur à 50 sur un total d'un millier de personnes sondée. Contrairement à certaines idées qui ont cours depuis une dizaine d'années sur l'attrait des spiri- tualités orientales, le nombre de personnes se réclamant du bouddhisme reste inférieur à 1 %.
La pratique religieuse s'érode, mais faiblement : 12 % des personnes interrogées disent aller à la messe ou à un office religieux une ou plusieurs fois par semaine, contre 14 % en 1994. 10 % affirment n'y aller jamais, contre 7 % en 1994. Le nombre des personnes qui disent y aller "de temps en temps aux grandes fêtes" augmente très légèrement, passant de 23 % à 24 %. Les musulmans semblent plus pratiquants que les catholiques : 27 % d'entre eux affirment assister à l'office religieux au moins une fois par semaine, contre 11 % chez les catholiques.
(...)
De manière significative, 32 % des personnes interrogées se disent en accord avec la proposition "Maintenant, je recommence à croire", un chiffre qui n'était que de 13 % en 1994. Faut-il y voir un signe du fameux "retour du religieux", qui profiterait aux religions traditionnelles ? Selon Régis Debray, interrogé par La Vie à paraître jeudi 17 avril, "on passe d'un affichage des croyances à un affichage d'appartenance. La religion devient une carte d'identité."
Le fait le plus marquant de cette enquête concerne en effet l'effondrement des croyances parallèles. L'astrologie ne fait plus recette : 37 % y apportent crédit, contre 60 % en 1994. C'est encore pire pour les voyantes (23 % y croient, contre 46 % lors de la précédente enquête), pour la communication avec les morts (22 % contre 37 %) et pour la sorcellerie (21 % contre 41 %).
Le christianisme n'apparaît pas comme une religion dépassée. Il est placé en tête des religions pour lesquelles les Français éprouvent "un intérêt spirituel" : 55 % des personnes interrogées s'y intéressent. Vient ensuite l'islam (22 %), qui devance le bouddhisme (21 %) et le judaïsme (16 %).
Xavier Ternisien
Leituras:
"Malgré tout, cette comparaison livre plusieurs surprises de taille.
La plus grande est le très net recul des croyances parallèles : de 60 % à 37 % pour "l'explication des caractères par les signes astrologiques", de 46 % à 23 % pour "les prédictions des voyantes", de 41 % à 21 % pour "les envoûtements, la sorcellerie".
Ce recul est encore plus prononcé chez les jeunes, alors que c'étaient eux qui se montraient les plus sensibles à ces croyances dans la précédente enquête. (...)
L'autre surprise de ce sondage, qui vient confirmer cette hypothèse, c'est que le nombre de personnes qui se définissent comme "rationalistes" bondit de 22 % à 52 %. Il faut comprendre ici "rationaliste" en son sens le plus large, et non en référence à une famille de pensée. Là encore, les jeunes en rajoutent (67 % de "rationalistes" contre 22 %). (...)
Le retour partiel de la génération du baby-boom à la religion se confirme. C'est désormais la tranche d'âge des 35-49 ans qui compte les taux les plus bas d'adhésion religieuse. On retrouve ainsi la courbe en U des années 1950-1960, avec un étiage religieux aux âges de la pleine acti-vité professionnelle et familiale, une période "préoccupé à autre chose", disaient Fernand Boulard, Jean Rémy et Jean Stoetzel.
Yves Lambert, sociologue des religions
LE MONDE | 16.04.03 |
Existence de Dieu, fréquence de la prière, importance de la foi : les Français sont de plus en plus sceptiques, selon un sondage CSA pour "Le Monde" et "La Vie" qui reprend les mêmes questions qu'en 1994.
Sondage : les Français et leurs croyances (108 pages, PDF, 765 Ko)
Des croyances en baisse, un catholicisme qui se maintient, des religiosités parallèles qui s'effondrent.
Telles sont les grandes tendances qui se dégagent d'un son- dage CSA réalisé pour Le Monde et l'hebdomadaire La Vie, et qui reprend les questions posées lors d'une précédente enquête, réalisée en 1994.
Le sondage offre d'abord un aperçu du paysage religieux français en 2003. Sans surprise, les catholiques représentent l'écrasante majorité : 62 % des Français se déclarent de confession catholique, contre 67 % en 1994. Certains interpréteront cette légère baisse comme le signe d'un inexorable déclin ; d'autres y liront la marque d'une résistance d'un catholicisme culturel. Le poids des autres religions n'évolue guère, à l'exception de l'islam : les personnes se déclarant de religion musulmane passent de 2 % à 6 %. Les enquêteurs de l'Institut CSA constatent que, dans les sondages d'opinion, la population qui se déclare musulmane représente désormais un "sous-échantillon significatif", c'est-à-dire supérieur à 50 sur un total d'un millier de personnes sondée. Contrairement à certaines idées qui ont cours depuis une dizaine d'années sur l'attrait des spiri- tualités orientales, le nombre de personnes se réclamant du bouddhisme reste inférieur à 1 %.
La pratique religieuse s'érode, mais faiblement : 12 % des personnes interrogées disent aller à la messe ou à un office religieux une ou plusieurs fois par semaine, contre 14 % en 1994. 10 % affirment n'y aller jamais, contre 7 % en 1994. Le nombre des personnes qui disent y aller "de temps en temps aux grandes fêtes" augmente très légèrement, passant de 23 % à 24 %. Les musulmans semblent plus pratiquants que les catholiques : 27 % d'entre eux affirment assister à l'office religieux au moins une fois par semaine, contre 11 % chez les catholiques.
(...)
De manière significative, 32 % des personnes interrogées se disent en accord avec la proposition "Maintenant, je recommence à croire", un chiffre qui n'était que de 13 % en 1994. Faut-il y voir un signe du fameux "retour du religieux", qui profiterait aux religions traditionnelles ? Selon Régis Debray, interrogé par La Vie à paraître jeudi 17 avril, "on passe d'un affichage des croyances à un affichage d'appartenance. La religion devient une carte d'identité."
Le fait le plus marquant de cette enquête concerne en effet l'effondrement des croyances parallèles. L'astrologie ne fait plus recette : 37 % y apportent crédit, contre 60 % en 1994. C'est encore pire pour les voyantes (23 % y croient, contre 46 % lors de la précédente enquête), pour la communication avec les morts (22 % contre 37 %) et pour la sorcellerie (21 % contre 41 %).
Le christianisme n'apparaît pas comme une religion dépassée. Il est placé en tête des religions pour lesquelles les Français éprouvent "un intérêt spirituel" : 55 % des personnes interrogées s'y intéressent. Vient ensuite l'islam (22 %), qui devance le bouddhisme (21 %) et le judaïsme (16 %).
Xavier Ternisien
Leituras:
"Malgré tout, cette comparaison livre plusieurs surprises de taille.
La plus grande est le très net recul des croyances parallèles : de 60 % à 37 % pour "l'explication des caractères par les signes astrologiques", de 46 % à 23 % pour "les prédictions des voyantes", de 41 % à 21 % pour "les envoûtements, la sorcellerie".
Ce recul est encore plus prononcé chez les jeunes, alors que c'étaient eux qui se montraient les plus sensibles à ces croyances dans la précédente enquête. (...)
L'autre surprise de ce sondage, qui vient confirmer cette hypothèse, c'est que le nombre de personnes qui se définissent comme "rationalistes" bondit de 22 % à 52 %. Il faut comprendre ici "rationaliste" en son sens le plus large, et non en référence à une famille de pensée. Là encore, les jeunes en rajoutent (67 % de "rationalistes" contre 22 %). (...)
Le retour partiel de la génération du baby-boom à la religion se confirme. C'est désormais la tranche d'âge des 35-49 ans qui compte les taux les plus bas d'adhésion religieuse. On retrouve ainsi la courbe en U des années 1950-1960, avec un étiage religieux aux âges de la pleine acti-vité professionnelle et familiale, une période "préoccupé à autre chose", disaient Fernand Boulard, Jean Rémy et Jean Stoetzel.
Yves Lambert, sociologue des religions
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