Bispo do Porto Defende Despenalização do Aborto
Bispo do Porto defende despenalização do aborto
Por ALEXANDRA CAMPOS
Público, 14 de Dezembro de 2003
"Correndo o risco de ser interpretado como uma voz dissonante dentro da Igreja Católica, o bispo do Porto, D. Armindo Lopes Coelho, afirma-se contra a penalização das mulheres que praticam o aborto, numa entrevista ontem publicada no 'Expresso'.
D. Armindo é 'uma pessoa muitíssimo inteligente, um bom teólogo e as pessoas devem estar atentas ao que ele diz', comenta, a propósito, o antigo bispo de Setúbal, D. Manuel Martins , escusando-se a fazer mais declarações.
Na entrevista ao semanário, o bispo do Porto diz claramente que é 'contra a penalização' e defende que 'as crianças devem viver e ser amadas pelos pais', até porque 'as instituições onde se colocam crianças indesejadas nunca são as melhores soluções'.
D. Armindo assume igualmente uma posição crítica relativamente aos grupos organizados contra e a favor da despenalização do aborto: enquanto existirem, acentua, 'haverá sempre tensão e guerra no ar'.
Sublinhando que os abortos clandestinos se continuarão a praticar mesmo após a entrada em vigor de uma hipotética despenalização, o bispo do Porto considera ainda que a 'única' solução para o problema é a 'criação de condições sociais para que as famílias possam criar os seus filhos'.
Apesar de preferir esperar que D. Armindo venha a público 'explicar o que quis dizer', José Paulo Carvalho, presidente da Federação Portuguesa pela Vida (que congrega várias associações contra a despenalizaçãodo aborto), foi ontem adiantando ao PÚBLICO que as afirmações do bispo mostram que o debate sobre o aborto "não é uma questão religiosa, não é uma guerra de católicos contra o resto do mundo".
"Acho que ele deve explicar o que quis dizer. Também se tem afirmado que Bagão Félix é contra a penalização, quando ele apenas disse que se deve discutir se a pena de prisão é a mais adequada" para quem interrompe voluntariamente a gravidez, acrescentou.
Frisando que não pretende "meter-se em polémicas com bispos", José Paulo Carvalho concluiu que o que D. Armindo pretendeu acentuar na entrevista foi que "a legalização não resolve o problema do aborto clandestino".
Vozes na Igreja contra a penalização do aborto
DN, 14.12.2003
ELSA COSTA E SILVARUTE ARAÚJO
Um novo debate sobre a despenalização do aborto volta a estar em cima da mesa, motivado por afirmações que surgem do interior da própria Igreja e contrárias à posição oficial católica. Em entrevista ao Expresso, D. Armindo Coelho, Bispo do Porto, afirmou ser «contra a penalização», apesar de ver «como solução única a criação de condições sociais para que as famílias possam criar os seus filhos». Uma liberalização da interrupção voluntária da gravidez mantém-se fora de questão, mas o afastamento das mulheres que praticaram aborto da barra dos tribunais reúne novos apoios.
D. Jacinto Botelho, Bispo de Lamego e membro da Comissão Episcopal da Família e da Educação Cristão, também diz que «ninguém está interessado em que as mulheres sejam penalizadas». Não vê nas palavras de Armindo Coelho grande discordância com a posição oficial da Igreja, já que «uma coisa é criminalizar as pessoas e outra é penalizar o acto».
«Temos de condenar o mal, mas ser tolerante com quem o pratica», afirma o prelado. Uma atitude que estende ao julgamento das mulheres acusadas de terem praticado aborto, a decorrer em Aveiro: «Deve haver da parte da Igreja uma atitude de perdão que é, aliás, a do Evangelho». Quanto a uma nova iniciativa legislativa, D. Jacinto Botelho é mais cauteloso, lembrando que a «Igreja não aceita o aborto» e que não pode aceitar ambiguidades que considerassem a descriminalização «como um entendimento de que esse acto não é grave».
A visão é partilhada por António Pires de Lima. Para o porta-voz do CDS-PP, «está fora de causa que a Igreja modifique a sua posição». O partido popular «partilha a ideia humanista da Igreja - se para nós a liberalização não é solução, também não queremos ver estas mulheres na barra dos tribunais». Por isso, «a solução do ponto de vista jurídico não é fácil». António Pires de Lima concorda ainda com o Bispo do Porto noutro ponto: mesmo liberalizando, haverá sempre grávidas a recorrerem a abortos ilegais, devido «ao estigma social».
Já para Francisco Louçã, do Bloco de Esquerda, D. Armindo «revelou um enorme sentido de responsabilidade, que traduz uma corrente de opinião muito forte: é preciso acabar com a perseguição a estas mulheres». Mais: «Há uns anos, nenhuma voz dentro da Igreja se levantava neste sentido. Se o Bispo do Porto o fez, é porque tem por base uma profunda convicção e porque contacta com outros bispos que a partilham».
Por seu lado, José Paulo Carvalho, da Federação Defesa da Vida, apenas admite uma «discussão da pena em cada um dos casos, consoante as condições atenuantes». Mas, acrescenta, «não há nada de insultuoso em uma mulher ir a tribunal, o único local onde se pode defender com toda a dignidade sobre a sua culpa ou inocência».
Estas declarações surgem num momento em que está a ser lançada uma nova petição para despenalizar a interrupção voluntária da gravidez. Iniciativa que terá de enfrentar o acordo de coligação entre o PSD e o CDS-PP (que antecedeu a formação do Governo), no qual os partidos se comprometem a não mexer na questão do aborto.
Vários bispos contactados pelo DN preferiram não fazer qualquer comentário sobre o assunto.
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