domingo, 19 de agosto de 2012

Uma nova figura inspiradora

Na sua coluna dominical "Os dias da semana", no Diário do Minho, Eduardo Jorge Madureira refere-se a um caso ocorrido nos Estados Unidos da América, que coloca questões que talvez não estejam tão longe como isso da nossa própria realidade. Eis o texto:


Na versão apresentada no YouTube, o episódio dura exactamente trinta e seis segundos. É muito pouco tempo, mas é suficiente para se ficar a saber bastante sobre quem é o político que pretende ser o próximo vice-presidente dos Estados Unidos da América. O título do vídeo é, por si só, eloquente: “Homem de 71 anos deitado ao chão por questionar Paul Ryan”. (“71-year-old taken to the ground for questioning Paul Ryan”).

A história passou-se no ano passado na cidade de West Allis. Paul Ryan, o engomado congressista do Wisconsin que o candidato republicano às eleições presidenciais norte-americanas de Novembro escolheu, há dias, como candidato a vice-presidente, é o convidado especial de um almoço-debate. A assistência, que pagou para estar presente, ouve-o defender o seu programa: é necessário reduzir a dívida do país. Para o fazer, impõe-se suprimir os principais apoios sociais, entre os quais o seguro de doença para os maiores de 65 anos. Em substituição, haverá uma quantia que será entregue aos idosos mais desfavorecidos para ajudar a que eles próprios tratem de fazer um seguro privado.

As coisas são claras para Paul Ryan: “O essencial da dívida do país deve-se aos nossos programas sociais”. Mas nem todos estão de acordo. Incomodado, um participante, identificado como Tom Nielsen, um pacato reformado de 71 anos, interpela-o com contundência: “Eu descontei durante cinquenta anos para tudo, para o desemprego, para a segurança social, para o seguro de velhice… e agora quer…” Tom Nielsen não consegue concluir a frase. A polícia atira-se a ele violentamente, retirando-o da sala, deitando-o ao chão e algemando-o.

Nos últimos segundos do vídeo, Paul Ryan goza com Tom Nielsen, que, mesmo tendo pago para almoçar e debater, foi expulso do almoço-debate. “Espero que tenha tomado o medicamento contra a hipertensão”. A graçola do agora candidato a vice-presidente é parva, mas isso não impede os presentes de se rirem. Talvez nem todos, porque, tanto quanto se sabe, mais uns quantos comensais foram postos na rua por se terem mostrado pouco simpáticos com Paul Ryan, colocando-lhe perguntas não apreciadas.

A imprensa dos Estados Unidos da América e da Europa tem referido que a entrada em cena de Paul Ryan poderá fazer com que o programa de saúde pública para idosos (o famoso Medicare), promovido pelo presidente Barack Obama, se torne o principal tema da campanha eleitoral. E muitos são os que julgam que, apesar de as péssimas ideias de Paul Ryan serem susceptíveis de beneficiar o adversário, os maus propósitos do número dois de Mitt Romney contra os reformados fornecerão um novo argumentário aos que, seja em que continente for, avaliam as pessoas apenas pelo contributo que dão para a criação de valor financeiro, ou porque produzem ou, sobretudo, porque consomem. Se dão prejuízo, porque recorrem aos serviços, e em particular aos de saúde, para os quais descontaram ao longo das suas vidas de trabalho, é preciso pô-los à margem.

Para Paul Ryan, os reformados são o novo grande inimigo dos Estados Unidos da América. O seu próximo grande combate será, pois, contra eles e contra os mais pobres de entre eles. Acabar com os apoios de que usufruem, eliminando as ajudas aos mais carenciados e, simultaneamente, reduzir os impostos dos mais ricos, é o essencial do programa de Paul Ryan. Ele afirma-se como o novo guerreiro contra os que vivem à custa do Estado, mesmo dando-se o caso de ele próprio, sendo tão novo, se encontrar, desde há muito, a viver à custa do Estado. Os órfãos portugueses de George W. Bush têm uma nova figura inspiradora.

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Abbé Pierre, 100 anos de um profeta

Nasceu a 5 de agosto de 1912, em Lyon, tendo sido chamado Henri Grouès. Faria neste domingo 100 anos, se ainda fosse vivo. Foi o quinto de oito irmãos. Entrou nos Capuchinhos aos 19 anos, depois de ter renunciado à sua parte do património familiar e de ter distribuído tudo o que possuía por obras de caridade. No Inverno de 1954, o Abbé Pierre lançou o seu apelo em favor do abrigo para pessoas que não tinham casa: “Meus amigos, socorro! Uma mulher acaba de morrer gelada, esta noite...” Nas décadas seguintes, não desistiu de lutar pelos direitos dos mais pobres.

No site do Secretariado Nacional da Pastoral Cultura, evoca-se em vários textos esta figura ímpar e profética do cristianismo contemporâneo, incluindo uma intervenção que fez em Lisboa e a entrevista que publiquei no Público, reproduzida no livro Deus Vem a Público. O pior mal, dizia ele, é a pessoa sentir-se inútil. Foi, alias, com um ex-suicida a quem pedira ajuda que o Abbé Pierre fundou os Companheiros de Emaús. (Foto também reproduzida do site do SNPC)



sábado, 4 de agosto de 2012

O Papa a falar do código laboral português?

Na semana em que entraram em vigor as novas normas laborais, vale a pena ainda recordar as palavras do Papa Bento XVI, domingo passado, em defesa da ideia do “direito ao trabalho”, “sobretudo” no actual momento de crise económica. A notícia vale o que vale e refere-se a uma empresa da região de Castelgandolfo, onde o Papa está a gozar férias (outra coisa que, como o emprego, é cada vez mais um luxo). Mas até parecia que Bento XVI estava a falar dos milhares de empregos que, diariamente são abatidos em Portugal. O Papa, cujas palavras podem ser lidas por alguns lídceres politicos como as de um ingénuo (ou de um perigoso esquerdista), apelou a que “não falte a ninguém o pão necessário para uma vida digna e sejam abatidas as desigualdades, não com as armas da violência, mas com a partilha e o amor”.
Em Portugal, o vice-coordenador nacional da Liga Operária Católica (LOC/MTC) considerou, em declarações à RR citadas aqui, que o novo código laboral é mau para os trabalhadores e vai ter efeitos negativos na economia portuguesa. Há coisas que parecem evidentes, de tão graves efeitos que provocam. Continuaremos a ouvir quem diga que estes são sacrifícios necessaries. E continuaremos a ver e experimentar que os sacrifícios são apenas para alguns – os que não podem fugir deles.