São três palavras – compaixão, marginalização
e integração – para retratar “duas lógicas de pensamento e de fé: o medo de perder os salvos e o desejo de salvar os perdidos”.
E um desafio: que os cristãos “não se sintam tentados a estar com Jesus,
sem quererem estar com os marginalizados, isolando-se numa casta que nada tem
de autenticamente eclesial”.
Na homilia desta manhã, na
Basílica de São Pedro, o Papa dirigiu-se aos novos cardeais – entre os quais o
patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, e o bispo de Santiago (Cabo-Verde), D.
Arlindo Furtado – para lhes dizer que a sua credibilidade e a da Igreja se
descobre e revela “no evangelho dos marginalizados”.
Num texto de apelos muito fortes,
o Papa disse que os cristãos não podem ser uma casta, que Jesus não temeu
preconceitos nem escândalos, que a Igreja não deve condenar “eternamente
ninguém”. Antes, acrescentou, deve “arregaçar as mangas em vez de ficar a olhar
passivamente o sofrimento do mundo”, defendendo que a caridade não é neutra ou
indiferente e o contacto é a “verdadeira linguagem comunicativa”.
Ao concluir a homilia (que pode
ser lida aqui na íntegra), o Papa Francisco afirmou:
“Exorto-vos a servir a Igreja de tal maneira que os
cristãos – edificados pelo nosso testemunho – não se sintam tentados a estar
com Jesus, sem quererem estar com os marginalizados, isolando-se numa casta que
nada tem de autenticamente eclesial. Exorto-vos a servir Jesus crucificado em
toda a pessoa marginalizada, seja pelo motivo que for; a ver o Senhor em cada
pessoa excluída que tem fome, que tem sede, que não tem com que se cobrir; a
ver o Senhor que está presente também naqueles que perderam a fé, que se
afastaram da prática da sua fé ou que se declaram ateus; o Senhor, que está na
cadeia, que está doente, que não tem trabalho, que é perseguido; o Senhor que
está no leproso, no corpo ou na alma, que é discriminado. Não descobrimos o
Senhor, se não acolhemos de maneira autêntica o marginalizado. Recordemos
sempre a imagem de São Francisco, que não teve medo de abraçar o leproso e
acolher aqueles que sofrem qualquer género de marginalização. Verdadeiramente,
amados irmãos, é no evangelho dos marginalizados que se joga, descobre e revela
a nossa credibilidade!”
O Papa Bergoglio tomou o texto do
evangelho da missa, que conta o episódio da cura de um leproso, para se referir
três palavras-chave: a compaixão, que “leva Jesus a agir de forma concreta: a
reintegrar o marginalizado”.
Sobre a marginalização, Francisco referiu
o modo como eram tratados os que sofriam a doença da lepra: “o leproso suscita
medo, desprezo, nojo e, por isso, é abandonado pelos seus familiares, evitado
pelas outras pessoas, marginalizado pela sociedade; mais, a própria sociedade o
expulsa e constringe a viver em lugares afastados dos sãos, exclui-o.” A
finalidade da legislação de Moisés, que permanecia no tempo de Jesus, era a de “‘salvar os sãos’,
‘proteger os justos’ e, para os defender de qualquer risco, marginalizava ‘o
perigo’ tratando sem piedade o contagiado”
Jesus revoluciona e sacode
Para contrariar esta situação, o
Papa propôs uma atitude de integração, à semelhança do que Jesus faz: “Jesus
revoluciona e sacode intensamente aquela mentalidade fechada no medo e
autolimitada pelos preconceitos.” Mais: “Jesus, novo Moisés, quis curar o
leproso, quis tocá-lo, quis reintegrá-lo na comunidade, sem Se ‘autolimitar’
nos preconceitos.”
Jesus, acrescentou Bergoglio, não
se preocupou com o contágio, nem adia a resposta com o argumento de que vai
“estudar a situação”. O que lhe importa é “reintegrar a todos na família de
Deus”, sem se preocupar com qualquer escândalo.
Neste capítulo, as palavras do Papa
não foram meigas, como já é habitual: “Jesus não teme este tipo de escândalo.
Não olha às mentes fechadas que se escandalizam até por uma cura, que se
escandalizam diante de qualquer abertura, qualquer passo que não entre nos seus
esquemas mentais e espirituais, qualquer carícia ou ternura que não corresponda
aos seus hábitos de pensar e à sua pureza ritualista. Ele quis integrar os
marginalizados, salvar aqueles que estão fora do acampamento”.
O Papa retirava assim a conclusão
inevitável: “Trata-se de duas lógicas de pensamento e de fé: o medo de perder
os salvos e o desejo de salvar os perdidos. Hoje, às vezes, também acontece
encontrarmo-nos na encruzilhada destas duas lógicas: a dos doutores da lei, ou
seja marginalizar o perigo afastando a pessoa contagiada, e a lógica de Deus
que, com a sua misericórdia, abraça e acolhe reintegrando e transformando o mal
em bem, a condenação em salvação e a exclusão em anúncio.”
Estas duas
lógicas percorrem toda a história da Igreja, continuou Francisco, para quem o
caminho deve ser “sempre o de Jesus”: a misericórdia e a integração. “Isto não
significa subestimar os perigos nem fazer entrar os lobos no rebanho, mas
acolher o filho pródigo arrependido; curar com determinação e coragem as
feridas do pecado; arregaçar as mangas em vez de ficar a olhar passivamente o
sofrimento do mundo. O caminho da Igreja é não condenar eternamente ninguém;
derramar a misericórdia de Deus sobre todas as pessoas que a pedem com coração
sincero; o caminho da Igreja é precisamente sair do próprio recinto para ir à
procura dos afastados nas ‘periferias’ da existência; adoptar integralmente a
lógica de Deus.”
Nesta
lógica, “a caridade não pode ser neutra, indiferente, morna ou esquiva”, antes
“contagia, apaixona, arrisca e envolve”, é criativa e encontra “a linguagem
certa para comunicar com todos aqueles que são considerados incuráveis e,
portanto, intocáveis”. O contacto, acrescentou o Papa, “é a verdadeira
linguagem comunicativa, a mesma linguagem afectiva que comunicou a cura ao
leproso”. E, voltando-se para os novos cardeais agora nomeados, Francisco disse
que “este é o caminho da Igreja: não só acolher e integrar, com coragem
evangélica, aqueles que batem à nossa porta, mas ir à procura, sem preconceitos
nem medo, dos afastados revelando-lhes gratuitamente aquilo que gratuitamente
recebemos.