terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Auschwitz: lembrar para quê?

Crónica

(foto reproduzida daqui)

No Público, Esther Mucznik escreveu ontem, a propósito do Dia Internacional de Memória das Vítimas do Holocausto:

Em Auschwitz-Birkenau foram assassinados 1,1 milhão de judeus, 70 a 75 mil polacos, 15 mil prisioneiros de guerra soviéticos, 21 mil ciganos e cerca de 10 mil prisioneiros de origem diversa. Mas estes números, relativos apenas ao complexo de Auschwitz-Birkenau, estão longe de contar o imenso sofrimento de seres humanos a quem, antes da morte com o gás, a tiro ou na mesa de operações, despojaram de tudo aquilo que fazia a sua humanidade: família, pátria, língua, nome, integridade física e psicológica…
Para quê lembrar tudo isto, para quê um Dia de Memória? Será que somos capazes de tirar algum ensinamento de tudo isto? Sinceramente, não sei. Mas sei que embora a memória seja falível, o conhecimento é indispensável. Não para termos “pena” das vítimas, mas para entendermos os sinais da tragédia nas nossas sociedades actuais. Por isso, são de saudar as inúmeras iniciativas de escolas, da Assembleia da República, o flashmob de homossexuais em Lisboa, lembrando o sofrimento específico deste grupo durante o Holocausto, e tantas outras. De uma forma ou de outra, estas “comemorações” despertam para a necessidade de saber e de conhecer. Parafraseando Imre Kertész no seu discurso de atribuição do prémio Nobel em 2002: “O problema de Auschwitz não é o de saber se devemos manter a sua memória ou metê-la numa gaveta da História. O verdadeiro problema de Auschwitz é a sua própria existência e, mesmo com a melhor vontade do mundo, ou com a pior, nada podemos fazer para mudar isso”.

(O texto completo pode ser lido aqui)

Numa carta enviada ao rabino argentino Abraham Skorka, seu amigo, também a propósito deste 27 de Janeiro, o Papa Francisco recordou a perseguição aos judeus durante a II Guerra Mundial (1939-1945) como uma “vergonha para a humanidade”. Notícias da carta aqui e aqui.

Um artigo sobre “Judeus e cristãos: crentes de boa memória”, da autoria de Enzo Bianchi, prior da comunidade monástica de Bose (Itália) pode ser lido também nesta ligação do título.

No Parlamento, decorre amanhã, dia 29 uma sessão evocativa do Dia da Memória, com o seguinte programa: 




Encontro do Graal sobre os direitos das gerações futuras





Neste sábado, 1 de Fevereiro, o Graal propõe "um dia centrado na reflexão sobre os direitos das gerações futuras, à luz do primeiro texto oficial do Papa Francisco, a Exortação Apostólica "Alegria do Evangelho".
O encontro decorrerá no centro do Graal na Golegã, entre as 10h30 e as 17h00 e o lançamento da reflexão em grupos será feito através de uma comunicação de Helena Pereira de Melo, Professora na Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa.
O anúncio da iniciativa cita uma afirmação do Papa Francisco segundo a qual "[t]orna-se necessária uma evangelização que ilumine os novos modos de se relacionar com Deus, com os outros e com o ambiente, e que suscite os valores fundamentais" Alegria do Evangelho, n. 56).

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Manual para uma mudança adiada há décadas

Livro




Estes jornais são folheados ou lidos por cerca de metade da população portuguesa com mais de 15 anos. A imprensa regional católica portuguesa é um caso quase único a nível europeu, integrada num universo de um total de cerca de 800 títulos, que tiram mais de milhão e meio de exemplares. Mas, apesar dessa importância, nunca até hoje esse meio tinha sido objecto de qualquer estudo académico que investigasse o que é, quem faz e quem lê a imprensa católica.
Alexandre Manuel, ex-jornalista e ex-editor, professor de Ciências da Comunicação na Universidade Autónoma de Lisboa e investigador do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do Instituto Universitário de Lisboa, lançou-se a essa tarefa, com este Da Imprensa Regional da Igreja Católica – O que é, quem a faz e quem a lê (ed. Minerva Coimbra). Num trabalho exaustivo, retira conclusões – compreensivas do fenómeno, umas, cáusticas, outras – que nos dão um retrato completo do que se passa e indiciam o muito que há por fazer para melhorar o panorama.
Refiram-se algumas das conclusões sobre a estrutura: mais de 80 por cento dos jornais em análise (os semanários diocesanos, de carácter regional) são vendidos por assinatura; cerca de 90 por cento são dirigidos por padres, sendo que muitos são também os padres administradores (alguns em acumulação dos dois cargos); a maioria das redacções são constituídas por homens; dois terços desses jornalistas são licenciados e metade fez mesmo um curso de comunicação social ou jornalismo; a média salarial é baixa (entre 500 e 700 euros mensais); o objectivo principal desta imprensa não é o lucro financeiro; as tiragens estão por vezes a par de outra imprensa regional.

"Uma certa reverência"

Acerca do produto editorial e gráfico, Alexandre Manuel sintetiza assim o que fazem esses jornais: “Por questões de rotina (...) ignoram frequentemente a importância da linguagem gráfica, utilizando design de eficácia improvável”; preocupam-se pouco com a relação entre imagem e texto; nem sempre separam a agressividade da coragem, cometendo “pecados idênticos aos que condenam nos outros”, usando uma linguagem “repetitiva e moralista” e mais interessada na apologética que no esclarecimento; misturam frequentemente notícia com opinião; cultivam “uma certa  reverência, sobretudo em relação à hierarquia”; tendem a tratar o leitor como “consumidor passivo” e não aceitam facilmente o pensamento discordante; confundem o discurso do altar com o discurso dos media; e contrariam os textos que expressam o pensamento oficial católico sobre a comunicação social, preferindo o secretismo e os silêncios à informação correcta sobre a vida da Igreja.
Tomando algumas destas conclusões, não é de estranhar que tenha sido o sector da comunicação social a provocar alguns dos conflitos mais sérios entre a Igreja e o poder político, em Portugal, que o autor recorda na apresentação do livro: o “caso Renascença”, em 1975; a “guerra das frequências” radiofónicas, no final da década de 1980; a questão da TVI, já na década de 1990; ou o conflito acerca do porte pago, nos anos mais recentes.
Para chegar aquelas conclusões, Alexandre Manuel faz um itinerário onde aborda a relação entre o local e o global, como enquadramento teórico para a imprensa de carácter regional; e situa depois as singularidades da imprensa católica, caracterizando algumas das suas fragilidades: amadorismo, dependência de subsídios, anacronismos típicos do jornalismo pré-industrial (proximidade entre elites locais e os media, inexistência de profissionais nas áreas comercial e de marketing, entre outros factores).

Natureza e velocidades do movimento ecuménico

Há um ecumenismo a duas ou mais velocidades? Um diálogo mais rápido entre católicos e ortodoxos e mais lento entre católicos e protestantes e entre ortodoxos e protestantes?
Apesar dos avanços das últimas décadas – a assinatura da declaração de reconhecimento mútuo do baptismo, sábado passado, em Lisboa, é disso exemplo –, o diálogo ecuménico sofre, pelo menos a nível institucional, ainda vários escolhos e ambiguidades.
São essas ambiguidades que o jornalista Silas Oliveira estuda no trabalho final do Curso de Formação Avançada em Jornalismo e Religiões, que frequentou na Universidade Católica entre Novembro de 12006 e Fevereiro de 2007. O artigo, a cujo texto inicial foram acrescentados alguns parágrafos de actualização no final de 2012, foi publicado na Revista Lusófona de Ciência das Religiões.
No texto, o autor faz um percurso pelos textos doutrinais e por algumas das posições oficiais católicas sobre o ecumenismo. “A Igreja Católica Romana combateu consistentemente (e coerentemente) o movimento ecuménico desde o início, defendendo o ‘primado de Pedro’ com documentos como as Encíclicas Ubi Arcano Dei (1922), Ecclesiam Dei (1923), Mortalium Animos (1928), mais tarde Mystici Corporis Christi (1943)”, escreve. E acrescenta: “Em Junho de 1948, outro documento, um Monitum disciplinar, impediu qualquer católico desejoso (e havia muitos) de participar na assembleia fundadora do Conselho Mundial de Igrejas, em Amsterdão. A doutrina básica de Roma, nesta matéria, é a de que “é clara a razão pela qual esta Sé Apostólica nunca permitiu aos seus estarem presentes às reuniões de acatólicos, porquanto não é lícito promover a união dos cristãos de outro modo senão promovendo o retorno dos dissidentes à única verdadeira Igreja de Cristo, dado que outrora, infelizmente, eles se apartaram dela.” (in Mortalium Animos)


domingo, 26 de janeiro de 2014

Reconhecimento mútuo do baptismo: dois momentos

Os vídeos são artesanais e de fraca qualidade, mas ficam como registo de dois momentos da celebração de reconhecimento mútuo do baptismo entre cinco igrejas cristãs, já referido aqui em antecipação do acontecimento, e cuja reportagem foi publicada aqui.
No primeiro, canta-se "louvai o nosso Deus, todos os povos, aleluia", no segundo entoa-se o "Veni Sancte Spiritus" (Vinde, Espírito Santo), enquanto se prepara a proclamação da fé e o momento da assinatura da declaração comum pelos representantes de cada uma das igrejas, com o gesto da luz que passa de mão em mão.





Reconhecimento mútuo do baptismo: um passo em frente na unidade dos cristãos

O canto que irrompeu no momento da assinatura traduzia o sentimento das centenas de pessoas que lotaram, no final desta tarde de sábado, a catedral lusitana de São Paulo, em Lisboa: Jubilate Deo, jubilate Deo, alleluia (alegrai-vos em Deus, aleluia). Cinco responsáveis, em nome de outras tantas igrejas cristãs – Católica, Lusitana/Anglicana, Metodista, Presbiteriana e,  Ortodoxa (Patriarcado de Constantinopla) – assinaram a declaração de reconhecimento mútuo do baptismo.
A partir de agora, e segundo os oito pontos da declaração, estas igrejas passam a reconhecer como válido os respectivos certificados de baptismo, recusando a necessidade de um novo sacramento – o que já sucedia na maior parte dos casos, mas que, a partir de agora, fica oficializado para situações como as de casamentos mistos ou de pessoas que decidem mudar de igreja. E esperam, de acordo com a declaração assinada, que esse reconhecimento “constitua um passo em frente no caminho da unidade visível” dos cristãos.
Na sua curta homilia, a propósito do texto da 1ª Carta de São Paulo aos Coríntios que acabara de ser lido (1 Cor 1, 1-17), onde se pergunta “Estará Cristo dividido?”, o patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, disse que os cristãos estão unidos em “três pontos essenciais: a unidade de vocação, no chamamento à santidade; a unidade de pertença”, que há-de ajudar a ultrapassar a “tendência atávica” dos cristãos para a divisão; e a “unidade de acolhimento e relação”. E pediu: “Sejamos consequentes.”
A declaração do baptismo não é ainda a unidade plena na diversidade – de fora, fica a questão mais delicada da eucaristia comum; e de fora ficam, também, todas as comunidades ligadas à Aliança Evangélica Portuguesa, além de outras igrejas cristãs, minoritárias no país. Mas é um passo que pode contribuir “para uma maior comunhão entre todos os baptizados”, como se refere também no último ponto da declaração.
Esta celebração, que culminou a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos, iniciou-se pouco depois das 18h, com a participação de muitos jovens, marcados por um tempo em que as divisões aparecem cada vez mais como coisa do passado. Muitos deles estão já habituados a participar em iniciativas como o Fórum Ecuménico Jovem, ou nas propostas feitas por comunidades como Taizé, que reúne monges de diferentes proveniências.

sábado, 25 de janeiro de 2014

O Deus que é, o Deus que está

Crónica

Na sua crónica de hoje no DN, Anselmo Borges fala dos problemas que as traduções do texto bíblico podem levantar para o próprio entendimento de Deus. E da forma como esse entendimento pode ou deve levar a diferentes consequências:

A teologia, a partir da Bíblia, é, antes de mais, teologia narrativa e não dogmática. Quer dizer: tem uma estrutura histórica. Na teologia especulativa, o centro de interesse é o ser; na teologia narrativa, o decisivo é o que acontece. Por isso, na perspectiva cristã, o fundamental e essencial consiste na pergunta: O que é que acontece quando Deus está presente? Na linha dogmático-doutrinal, pode dar-se um assentimento intelectual, mas a existência continua inalterada.
Decisivo na orientação do Papa Francisco foi esta passagem do dogma e da doutrina para a existência e a praxis transformadora. O que acontece quando Deus está presente? Afinal o nome de Deus, tantas vezes ouvido no Natal, é Emmanuel, o Deus connosco. 

(a crónica integral pode ser lida aqui)