domingo, 27 de novembro de 2016

Advento: Precisamos de uma estrela

A Estrela

Precisamos de uma estrela que desarme a noite
Precisamos de uma palavra transparente
que nos ofereça a possibilidade de um começo
Precisamos de uma esperança que se propague
Precisamos de lugares límpidos
fora e dentro de nós
Precisamos de reencontrar uma vida onde a prece
e o louvor voltem a ser possíveis
Precisamos de um gesto para dizer uma alegria
maior do que a alegria
Precisamos de acolher o dom
e o seu equilíbrio difícil e leve
Precisamos de alguém que em pleno inverno nos ensine
a trazer no coração a primavera a arder

Imagem: Rui Aleixo MMXVI
Texto: José Tolentino Mendonça

(texto e foto reproduzidos daqui)

sábado, 26 de novembro de 2016

Não lembra ao Menino Jesus; ou Que(m) esperamos?

Uma estreia nas crónicas do RELIGIONLINE: num comentário aos textos da liturgia católica deste domingo, o padre redentorista Rui Santiago fala do comércio que nos come as papas na cabeça, neste início de Advento (ou melhor, já desde o meio de Outubro...). No blogue Derrotar Montanhas, Sob o título Não lembra ao Menino Jesus, escreve:

Não fosse o comércio a comer-nos as papas na cabeça, e não andaríamos por aí continuamente a dizer que o Advento é o tempo de preparação para o Natal! Foi o comércio que inventou essa, porque nos quer metidos nas natalices até ao pescoço e o mais cedo possível. 
Vi as primeiras decorações de Natal a meio de outubro, numa loja do centro do Porto, e já recebi esta semana - palavra de escuteiro! - uma mensagem de Feliz 2017. Parece que não nos é mais permitido viver nenhum Hoje. Há uma avalanche que nos leva sem darmos conta, como se andássemos a ser cevados por tratadores dum matadouro qualquer. Uma das formas de dormência actual é esta hipnose colectiva, esta náusea gerada pela pressa e pela pressão. 
(texto para continuar a ler aqui)

Vítor Gonçalves escreve, sob o título Que(m) esperamos?:

Entramos de novo em Advento, início dum novo ano litúrgico. Não é um ciclo de eterno retorno, mas a espiral ascendente do tempo cristão, que faz de cada dia o “tempo favorável”, como lembra S. Paulo aos Romanos: “Chegou a hora de nos levantarmos do sono, porque a salvação está agora mais perto de nós do que quando abraçámos a fé” (13, 11). Talvez seja esta uma palavra de esperança para a assembleia sinodal da Diocese de Lisboa que decorre neste início de Advento. Mas como na escola, no trabalho, na família e na vida, a grande diferença será entre a espera que pode acontecer sem nós e a esperança que irá ter a nossa marca! O que escolhemos?


(Ilustração de Bernadette Lopéz, Berna, reproduzida daqui)

Publicação anterior no blogue
Uma penitência católica pela eleição de Trump - sobre o modo de estar católico em algumas questões políticas, tomando o caso dos EUA


sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Uma penitência católica pela eleição de Trump

Hoje, no DN, publico um artigo sobre o modo de estar católico em algumas questões políticas, tomando o caso dos EUA:

Deve a Igreja Católica, nomeadamente nos Estados Unidos, penitenciar-se também pela eleição do novo presidente? Há dias, o Papa Francisco gravou uma mensagem aos bispos dos EUA, por ocasião da sua assembleia plenária, dizendo-lhes que o grande desafio do catolicismo "é criar uma cultura do encontro, que encoraje os indivíduos e os grupos a compartilhar a riqueza das suas tradições e experiências, a abater muros e a construir pontes".
A mensagem do Papa sobre o tema tem sido clara em diversas ocasiões. Em Fevereiro, no regresso da viagem ao México, inquirido sobre as intenções de Trump em construir um muro para evitar a entrada de emigrantes, Francisco afirmou mesmo: "Uma pessoa que só pensa em fazer muros, onde quer que seja, e não em fazer pontes, não é cristã. Isto não está no Evangelho."
Apesar dos alertas do Papa, as sondagens pós-eleitorais dizem (segundo o La Croix) que 52% dos católicos votaram Trump (contra 45% que escolheu Hillary). O mesmo aconteceu, em maior escala, se juntarmos todos os grupos cristãos (evangélicos, protestantes, mórmones e outros), entre os quais o candidato republicano foi a escolha maioritária.
(o artigo pode continuar a ser lido aqui)

Publicação anterior no blogue
Fé, justiça e diálogo cultural e religioso, prioridades dos jesuítas para os próximos seis anos - o plano pastoral 2016-2022 dos jesuítas portugueses e um perfil do actual provincial, padre José Frazão Correia


quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Fé, justiça e diálogo cultural e religioso, prioridades dos jesuítas para os próximos seis anos

Plano pastoral 2016-2022 apresentado esta quinta à noite, em Lisboa; e um perfil do actual provincial dos jesuítas, padre José Frazão Correia



Foto reproduzida da capa do plano apostólico 2016-2022 
dos jesuítas portugueses

O “serviço da fé, a promoção da justiça e o diálogo intercultural e inter-religioso, num contexto plural e crescentemente secularizado” são algumas das prioridades enunciadas pelos jesuítas portugueses, no seu plano apostólico para 2016-2022, que esta noite de quinta-feira será apresentado em Lisboa (Centro Social da Musgueira, na Rua Maria Margarida, 6, na Alta de Lisboa).
Apresentado no encontro da província portuguesa de 1 e 2 de Setembro último, e aprovado pelo anterior geral dos jesuítas, padre Adolfo Nicolás, o plano será apresentado pelo provincial português, padre José Frazão Correia, num debate com Isabel Figueiredo, produtora na Rádio Renascença.
No documento, os jesuítas afirmam continuar a dar uma atenção especial “à juventude e aos mais pobres”, ao mesmo tempo que desejam “estar mais atentos aos casais jovens e às famílias em dificuldade, ao acompanhamento espiritual do clero diocesano, concretamente através dos Exercícios Espirituais, e das pessoas que se colocam a questão vocacional”.
Na análise que fazem para chegar a estas opções, os jesuítas descrevem um contexto cultural “cada vez mais secularizado”, no qual “imagens e valores que remetiam para a tradição cristã vão deixando de ser quadro de referência comum”. E acrescentam: “A mundividência cristã é cada vez menos partilhada e tida como referência na compreensão da realidade e na configuração do espaço público. Vai-se desenhando, de facto, uma outra antropologia”.
O contexto eclesial, notam os jesuítas portugueses, é de agravamento das “dificuldades sérias na transmissão da fé” e que “a sua relevância vital não é imediatamente reconhecida, nem a cultura se revê espontaneamente na sua força inspiradora”. É notório, verificam ainda, “o embaraço e são reais as dificuldades das comunidades cristãs em enquadrar a crescente aceleração da realidade e de acompanhar ritmos diferentes de vida e de fé”.
Enquanto corpo apostólico, os jesuítas sentem a necessidade de “recuperar a força de traços de sempre e de lhes dar nova forma”. “A vida no Espírito será sempre o húmus elementar de uma vida humana e espiritualmente autêntica, alicerçada e centrada no conhecimento e na identificação com Cristo pobre e humilde, que procura a fecundidade apostólica segundo o Evangelho.” A vida em comum também precisa de ser renovada: “Por estar longe do que deve e pode ser, continua a pedir o melhor de cada um. Em relação ao passado, mesmo recente, irá passar, em vários casos, por estruturas comunitárias mais pequenas, que pedirão outros estilos de vida e outras dinâmicas de relação, de discernimento e de colaboração na missão.”

terça-feira, 22 de novembro de 2016

Deus, Religiões, (In)Felicidade – as perguntas que andam pelas ruas

Livro/Agenda


Andrés Torres Queiruga chama-lhe, no prefácio, as “perguntas que andam pelas ruas, sem fugir às mais pungentes questões da actualidade”, por oposição aos temas que possam cheirar a “seita ou a sacristia”.
Essas perguntas, como recorda o autor, Anselmo Borges, logo no início da sua apresentação, são aquelas que perseguem a humanidade há muito e que já Ernst Bloch sintetizava, no seu O Princípio Esperança: “Quem Somos? Donde vimos? Para onde vamos? O que é que esperamos? O que é que nos espera?”
Anselmo Borges mantém há largos anos, no DN, uma crónica semanal na qual faz desaguar muitas dessas perguntas que andam pelas ruas, tentando descobrir-lhes um sentido, adivinhar-lhes a profundidade, perscrutar uma tentativa de resposta. O mistério de Deus, a morte, a relação entre a fé religiosa e a ciência, o ateísmo e a descrença são alguns dos temas que perseguem Anselmo Borges e que a sua escrita nos levam a reflectir, semana a semana.
A proposta do autor é que muitas das perguntas são já um caminho, um fio condutor que abre para respostas críticas, como ele escreve na apresentação e dá a entender, por exemplo, numa das suas crónicas sobre Deus. Em Deus, obsoleto?, escreve: “Deus continuará sempre presente, pelo menos, na pergunta por Ele. E a pergunta por Ele é já resposta nossa a perguntas que a realidade nos faz. Porque há algo e não há nada? Donde vimos? Para onde vamos? Porque se deve fazer o bem e não o mal? Acaba tudo na morte? Qual é o Sentido último da existência?”

A lei de Talião e as mãos lavadas como Pilatos

Agenda

“Lei de Talião”, “ano sabático”, “bode expiatório”, “lavar as mãos como Pilatos”: estas e varias outras expressões correntes na linguagem remontam à Bíblia, embora a sua origem e significado profundo nem sempre sejam compreendidos.
A Pastoral Universitária de Braga organiza a 24 de novembro e 6 de dezembro as sessões “Encontro-te na Palavra”, com o objetivo de “mostrar a relação entre a cultura e a Bíblia”, refere a página da arquidiocese.
“As raízes da Europa estão no cristianismo e as raízes do cristianismo encontram-se na Bíblia. O encontro com a cultura pode ser um bom modo para conhecer a Palavra e relacionar-se com ela”, explica a coordenadora da atividade, Federica Dotti, professora na Faculdade de Teologia da Universidade Católica.
(a notícia pode continuar a ser lida aqui)

Texto anterior no blogue: 
Francisco, um pensador em acto à escuta do mundo - sobre o modo como pensamento e acção se cruzam no modo de agir do Papa

domingo, 20 de novembro de 2016

Francisco, um pensador em acto à escuta do mundo


O Papa Francisco a encerrar, ontem, a porta do ano jubilar 
dedicado à misericórdia (foto reproduzida daqui)

No dia em que se conclui o Ano da Misericórdia, o Papa Francisco assinou uma carta apostólica sobre o tema, que será divulgada esta segunda-feira. Seguramente, essa carta insistirá em algumas das ideias-chave deste pontificado – e, nomeadamente, na misericórdia como seu conceito definidor. A 30 de Abril último, publiquei na Revista E, do Expresso, um texto com o título acima, no qual tentava fazer uma leitura das principais ideias do Papa Francisco e do modo como essas ideias são uma tradução do seu modo de agir – e vice-versa. Fica a seguir o texto, devendo as datas ser lidas tendo em conta a data de publicação.


Há pessoas reconhecidas pelo pensamento, outras admiradas pelo que fazem. Há ainda quem seja respeitado pelo que pensa e por aquilo que faz. O Papa Francisco estará neste último caso. Há quem o menospreze dizendo que ele é apenas uma pessoa simpática. Mas percebe-se, pelos seus textos e decisões que, pelo contrário, ele é um pensador, em relação permanente com a realidade. Neste trabalho, analisam-se os seus documentos e propostas, bem como algumas das suas decisões, tentando ler como pensa e como age o Papa. 

Tudo começa numa escolha aparentemente pouco importante: depois de eleito, quando o levaram aos aposentos de Papa, Jorge Mario Bergoglio comentou que o espaço era demasiado grande e que precisava de pessoas na sua vida. Preferiu, por isso, ficar a residir na Casa de Santa Marta, onde estão alojados dirigentes e funcionários de serviços da Santa Sé, e que serve também de hotel para pessoas de passagem.
Santa Marta tem mulheres e homens a trabalhar na recepção, na limpeza, no serviço de mesa. Pessoas que não vivem apenas fechadas no círculo do Vaticano e se cruzam diariamente com o Papa Bergoglio. Seja nos corredores, na capela, no átrio de entrada ou à mesa.
Os antecessores de Francisco só contactavam, no dia-a-dia, com os funcionários mais próximos – secretários, cardeais e bispos, religiosas. Ao contrário, o facto de este Papa estar numa residência “normal” permite-lhe aproximar-se dos funcionários, conhecer os seus problemas, as pequenas alegrias ou grandes dores.
Há dois meses, por exemplo, Francisco foi rezar durante um tempo largo junto do corpo de Miriam Wuolou, recepcionista de Santa Marta com 34 anos, de origem eritreia, grávida de sete meses, que morrera vítima de diabetes. Ver o Papa num velório de uma funcionária do Vaticano seria, até há pouco, muito pouco provável.
Se Bergoglio já era, por temperamento, próximo das pessoas, a decisão de residir em Santa Marta permite que, enquanto Papa, ele parta do quotidiano e da provocação da vida dos outros para reflectir sobre factos e acontecimentos. Depois, num movimento permanente e circular, a sua reflexão propõe novas visões do mundo, dos modos de estar da Igreja e da relação dos crentes com a sua fé.
Um pensador, portanto. Mas, ao invés da escultura de Auguste Rodin, Francisco não se inclina sobre si mesmo. Antes se coloca à escuta do que o envolve.
Esse modo de estar reflecte-se quer nas homilias que faz todos os dias, na missa matinal, quer em documentos importantes como o que publicou, a 8 de Abril, sobre a família – Amoris Laetitia (A Alegria do Amor), e no qual fala de todas as situações de alegria ou tensão no contexto familiar. Ou ainda em situações tão diferentes quanto o discurso perante os refugiados de Lesbos ou as referências a questões de economia ou emprego, a decisões no campo do combate à pedofilia do clero ou da reforma da Cúria Romana.
O padre jesuíta Antonio Spadaro, que fez a primeira grande entrevista a Francisco já depois de eleito, nota, no livro Temos de Ser Normais: “É significativo que, como declara o Papa, o discernimento espiritual guie as suas opções quotidianas, à primeira vista imediatas e espontâneas. Um exemplo: quando me falou da decisão de ficar a morar em Santa Marta, utilizou o termo ‘eleição’. Impressionou-me o facto de o Papa ter usado esta palavra, típica da linguagem de Santo Inácio [de Loiola, fundador dos jesuítas], para indicar uma escolha que é fruto de um atento discernimento sobre a vontade de Deus.”

O conceito: misericórdia

No centro do pensamento e da acção do Papa, está o conceito de misericórdia, que o levou a proclamar um ano dedicado a esse tema. O cardeal Walter Kasper, autor de um livro sobre o assunto que o Papa citou logo no primeiro domingo depois de eleito, não tem dúvidas: “A misericórdia é o centro, o fulcro da mensagem bíblica” e é “a trave-mestra da Igreja”, afirma, no livro-entrevista Testemunha da Misericórdia. Francisco, acrescenta o cardeal alemão, “fala da ‘hierarquia da verdade’, e diz que o cerne da verdade bíblica é a caridade de Deus. Por isso, a misericórdia constitui a hermenêutica das outras verdades e dos próprios mandamentos”.

À Procura da Palavra – Mais um...


Ilustração de Bernadette Lopez, Berna, reproduzida daqui

Crónica

No comentário aos textos da liturgia católica deste domingo, Vítor Gonçalves escreve a propósito do filme O Herói de Hacksaw Ridge. A crónica À Procura da Palavra tem o título Mais um...:

Culminamos o Ano da Misericórdia na festa da realeza de Cristo, o Deus connosco a “entrar” em todas as “guerras” humanas para salvar todos, e sempre “mais um”. Este “um” é cada um de nós e também os que encontramos em perigo. Não esqueçamos a feliz imagem do Papa Francisco a comparar a Igreja a um “hospital de campanha”: “Essa é a missão da Igreja: curar as feridas do coração, abrir portas, libertar e dizer que Deus é bom, que perdoa tudo, que é Pai, é terno e nos espera sempre.” Quantos continuam sem ouvir isto?