Esta quinta-feira, a partir das 15h de Lisboa, o Papa Francisco vai visitar
uma favela do Rio de Janeiro. De acordo com uma reportagem da SIC, o Papa irá entrar pelo menos na casa de uma família, falando com os
habitantes do bairro.
Esta iniciativa pode ser o primeiro passo de uma mudança necessária no
modelo das viagens papais. Depois de João XXIII e Paulo VI terem dado os
primeiros passos, saindo do Vaticano, João Paulo II tornou-se no peregrino global,
deslocando-se a todos os cantos do mundo – 133 países visitados em 104 viagens.
Esse facto foi uma evolução positiva. Mas agora é preciso mais.
No início, recorde-se, João Paulo II ainda era saudado por pessoas das
comunidades locais representativas dos sectores com os quais se encontrava. Na
primeira visita a Portugal, por exemplo, em 1982, o Papa Wojtyla foi saudado
por representantes do operariado, dos estudantes, do sector agrícola, dos
consagrados,... consoante os diferentes momentos e encontros.
Há três anos, no final da visita de Bento XVI a Portugal, escrevi no
Público, como comentário:
“Uma visita de um papa a um país permite apenas a comunicação
unidireccional. O Papa veio a Portugal, pronunciou discursos, saudações e
homilias, foi saudado em cada encontro que teve por alguém representativo e foi
escutado, mal ou bem, pelas multidões ou convidados que acorreram às diferentes
iniciativas.
Longe vão os tempos das primeiras viagens de João Paulo II, quando nas
intervenções com que era saudado, o Papa Wojtyla ouviu mesmo referências
críticas a posições da hierarquia – como aconteceu uma vez nos Estados Unidos.
Também já não é praticamente possível a relação directa do Papa com as pessoas.
As razões de segurança sobrepuseram-se às razões da comunidade e hoje o Papa é
super-protegido e afastado dos fiéis.
Mesmo se Ratzinger foi surpreendente em Lisboa, em Fátima e no Porto,
quebrando essas regras e aproximando-se das pessoas por diversas vezes, isso
não é suficiente para que o Papa possa perceber sentires mais profundos das
comunidades para lá do emotivo. Se a festa colectiva é importante, a dimensão
comunitária que o cristianismo reivindica como original não pode ser
obscurecida e o Papa deve também poder escutar anseios e expectativas dos
crentes.”
O Papa Francisco já mostrou que irá mudar o modelo de viagens, fazendo-o
evoluir. Sobretudo porque quer estar próximo das pessoas, ouvi-las, sentir os
seus anseios, perceber as suas necessidades e alegrias, os seus sofrimentos e
desencantos. Por isso, as questões de segurança são para ele secundaríssimas.
Além dessa proximidade afectiva, é
necessária também uma proximidade comunitária, que concretize a possibilidade
de o pastor ter o “cheiro” do seu rebanho. Veremos o que acontece nestes dias
cariocas do Papa Francisco e que, à semelhança dos primeiros meses de
pontificado, também dará sinais sobre o que aí vem.
(foto: o Papa Francisco depois da chegada ao Rio de Janeiro, cercado pela multidão; reproduzida daqui)