segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

Depois da estreia em Madrid, Taizé regressa a Wrocław daqui a um ano

António Marujo, em Madrid


O irmão Alois, domingo à noite, em Madrid, anunciando o próximo encontro europeu de jovens
 em Wrocław: a cidade polaca acolherá a iniciativa pela terceira vez 
(foto reproduzida daqui

Depois da experiência inédita de Madrid, em 2019 será a vez de uma cidade repetente: Wrocław (Breslau ou Breslávia), na Polónia, acolherá no final de 2019 o 42º encontro europeu de jovens da “peregrinação de confiança na Terra”, promovido pela comunidade monástica ecuménica de Taizé (França). 
O anúncio foi recebido entusiasticamente por cerca de 3500 polacos que participam no encontro de Madrid. “No momento em que a construção da Europa encontra grandes resistências e em que as incompreensões se multiplicam entre os países, um encontro na Polónia dará a milhares de jovens a possibilidade de fazer a experiência de que a confiança mútua pode ser construída”, disse o irmão Alois, prior de Taizé, justificando a iniciativa de regressar a Wrocław. 
A cidade polaca, situada na Baixa Silésia, no sudoeste do país (a cerca de 100 quilómetros da fronteira com a Alemanha e um pouco menos da República Checa) receberá o encontro pela terceira vez, depois de ali se terem realizado os encontros de 1989 e 1995. Wrocław foi a primeira cidade do Leste europeu a receber a iniciativa, depois da queda do Muro de Berlim e dos regimes comunistas dos países do Leste). Na Polónia, já se realizaram também encontros em Varsóvia, em 1999, e Poznan, em 2009. 
 O anúncio do próximo encontro, que decorrerá entre 28 de Dezembro de 2019 e 1 de Janeiro de 2020, foi feito num dos pavilhões da feira internacional de Madrid, perante cerca de 20 mil pessoas – muitos madrilenos juntaram-se aos 15 mil jovens inscritos de toda a Europa. O arcebispo de Gniezno e primaz da Polónia, Wojciech Polak, e o bispo auxiliar de Wrocław, Andrzej Siemieniewski, estavam também presentes no momento final da oração da noite, durante a qual foi feito o anúncio. 

Seis anos, 26 assassinatos: México, o país mais perigoso para os padres católicos

Texto de Maria Wilton



México: a violência é, hoje, uma marca endémica do país 
(foto Tim Mossholder/Pexels) 

O México “continua a ser o país mais perigoso para exercer o sacerdócio apesar de a sua população ser maioritariamente católica”. O alerta é do padre Omar Sotelo, diretor do Centro Católico Multimedial (CCM), na Cidade do México, capital federal do país. Sotelo lamenta ainda que o tempo da presidência de Enrique Peña Nieto tenha sido, até à data, o mais mortífero para o clero mexicano, já que, nesse período de tempo (2012-2018), morreram até agora 26 padres.
Em entrevista ao jornal mexicano Procesoo padre Sotelo explica: “O aumento no número de assassinatos coincide precisamente com o início da guerra contra o narcotráfico, quecomeçou com Calderón (anterior Presidente) e continuou com Peña Nieto. Esta foi uma guerra para a qual as instituições não estavam preparadas, o que as levou a  serem infiltradas pelo crime organizado.”
Como termo de comparação, no ano de 2017, em toda a América Latina, foram assassinados 14 padres católicos. Destes, metade foram-no no México. O maior problema, segundo Omar Sotelo, é o facto de nenhum dos crimes parecer ter resolução: “Há investigações a decorrer, suspeitos, gente detida que fica livre e dados sem certezas da burocracia judicial.” O padre mexicano denuncia ainda a brutalidade destes crimes dizendo que os sacerdotes são sequestrados,  torturados e só depois mortos.
Dá como exemplo o assassinato do padre José Ascencio Acuña, em setembro de 2014, na comunidade de São Miguel Totolapan. Suspeita-se que tenha sido levado a cabo por membros de crime organizado em conluio com o governo municipal: “Neste caso, havia ordens de detenção contra o deputado do PRI, Saúl Beltran, mas elas não só não foram levadas a cabo como o caso foi praticamente arquivado.”

sábado, 29 de dezembro de 2018

A “invasão” catalã da catedral de Madrid

Texto de António Marujo, em Madrid


O cardeal Carlos Osoro (primeiro de branco, à esquerda), junto dos irmãos de Taizé, 
neste sábado, na catedral de Almudena

Na igreja de Almudena, a catedral católica de Madrid, canta-se em catalão: “L’ajuda em vindrà del Senyor, del Senyor el nostre Deu...” É uma invasão pacífica, em tempos de tensões nacionalistas que têm atravessado a Espanha, nos últimos anos. Mas o canto, ao concluir a oração do meio-dia deste sábado, 29 de Dezembro, eleva-se como traço de reconciliação e hospitalidade entre diferentes culturas, nações, povos e estados. 
Na catedral estão alguns milhares de jovens, russos e ucranianos, ingleses e irlandeses, polacos e alemães, gente que veio de toda a Europa para o 41º encontro europeu de jovens da peregrinação de confiança sobre a Terra, promovida pela comunidade monástica de Taizé, que reúne monges católicos e protestantes. E também o cardeal Carlos Osoro, actual arcebispo de Madrid, que canta igualmente em catalão. 
Hospitalidade. Essa é uma palavra-chave para este encontro, o primeiro na capital espanhola, a única das grandes capitais europeias que ainda não tinha acolhido esta iniciativa. “A hospitalidade aproxima-nos, além das diferenças e mesmo das divisões que existem, entre cristãos, entre religiões, entre crentes e não crentes, entre povos, entre opções de vida ou opiniões políticas”, afirmou o irmão Alois, o prior de Taizé, na meditação durante a oração de sexta-feira à noite, no início do encontro. “É certo que a hospitalidade não cola essas divisões, mas faz-nos observá-las sob uma outra luz: torna-nos aptos a escutar e ao diálogo”, acrescentou. 
Num dos pavilhões da Ifema (Feira Internacional de Madrid), perante mais de vinte mil jovens de toda a Europa e da capital espanhola, o irmão Alois acrescenta: “A hospitalidade é um valor fundamental para todo o ser humano. Todos nós viemos à vida como pequenos bebés frágeis que precisaram de ser acolhidos para viver, e esta experiência fundamental marca-nos até ao último suspiro.”
É também a hospitalidade que se pratica na igreja de san Antón, no centro de Madrid. Aberta 24 horas por dia, a igreja é animada pelos Mensajeros de la Paz, uma organização criada pelo padre Ángel García Rodríguez. A ela recorrem pessoas sem-abrigo, sem trabalho e sem dinheiro para viver. De manhã cedo, os bancos da igreja transformam-se em mesas de pequeno-almoço. Durante o resto do dia, há quem vá buscar roupa, quem consulte um médico, quem peça o apoio de um advogado, quem passe apenas para beber um café ou uma bebida quente, quem ponha o sono em dia ou se aqueça debaixo de um cobertor. “Acompanhamos estas pessoas porque é preciso fazer uma igreja mais aberta”, diz Pedro Blasco, um dos responsáveis pelos mais de 200 voluntários que ali prestam serviço diariamente, 24 horas por dia, 365 dias por ano.

sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

Um novo centro médico, prenda de Natal do Papa aos pobres e sem-abrigo de Roma

Texto de Maria Wilton


As instalações médicas do centro Mater Misericordia, na Praça de São Pedro 
(foto reproduzida daqui)

O Papa Francisco anunciou no sábado, 22 de dezembro, a abertura de um novo centro médico no Vaticano, destinado a prestar serviços de emergência e primeiros-socorros aos pobres e sem-abrigo que precisarem de cuidados de saúde. De acordo com um comunicado da Santa Sé, o espaço é um presente do Papa, na época natalícia, aos mais desfavorecidos, e surge na sequência de outros serviços para as pessoas sem-abrigo que circulam na zona, como duches públicos e uma barbearia solidária.
O novo centro “Mãe da Misericórdia” acabou de ser construído recentemente e localiza-se na Praça de São Pedro, no local de um antigo posto dos correios do Vaticano. Substitui o centro de São Martinho, inaugurado em 2016.
A clínica será gerida em conjunto pelo Governo do Vaticano e pelo gabinete de serviços de saúde do Vaticano. Conta com três quartos separados para visitas médicas, um gabinete para o diretor da clínica, duas casas de banho e uma sala de espera. Os quartos terão novos equipamentos e máquinas para possibilitar os primeiros exames médicos e análises.
Além de serviços básicos para as pessoas sem-abrigo, que se realizarão à segunda, quinta e sábado, é também propósito do centro ajudar os peregrinos que precisam de assistência médica durante acontecimentos na praça ou audiências papais.
O serviço do novo centro médico será realizado por especialistas médicos voluntários e pessoal de saúde da Santa Sé e da Universidade de Roma-Tor Vergata, bem como por voluntários da Associação de Medicina Solidária e da Associação Italiana de Podólogos. Além disso, o centro de saúde promoverá a formação de estudantes e pós-graduados da Faculdade de Medicina de Tor Vergata.
Desde que Francisco é Papa tem feito um grande esforço para promover diversas iniciativas em favor dos mais necessitados e sem-abrigo que circulam na zona de São Pedro, convidando-os a assistir a concertos, oferecendo visitas guiadas aos Museus do Vaticano, organizando almoços e melhorando os serviços médicos e de higiene nas redondezas. Também no último Dia Mundial dos Pobres, 18 de novembro, um centro médico ambulatório foi colocado na Praça de S. Pedro, permitindo que todos os que precisassem fizessem avaliações médicas gratuitas.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

Taizé (finalmente) em Madrid: não esquecer a hospitalidade

Texto de António Marujo


Igreja da Reconciliação, em Taizé: a partir desta sexta-feira, a comunidade muda-se para Madrid 
(foto reproduzida daqui)

A partir desta sexta-feira, 28, a comunidade monástica ecuménica de Taizé anima em Madrid o seu encontro europeu da peregrinação de confiança sobre a Terra, designação dada às iniciativas que reúnem jovens de diferentes origens e proveniências. A capital espanhola acolhe deste modo, pela primeira vez, tal iniciativa, depois de Barcelona (1979, 1985 e 2000), Lisboa (2004) e Valência (2015).  
Nesta última cidade está, aliás, a chave para perceber a escolha de Madrid: quando era bispo da capital valenciana, o actual arcebispo de Madrid, Carlos Osoro Sierra, convidou a comunidade a animar o encontro do final de ano de 2015 em Valência. 
Um ano e meio antes, em Agosto de 2014, já com a decisão tomada, o Papa nomeou Carlos Osoro como arcebispo de Madrid. Esta escolha já não permitiu que fosse ele a acolher a comunidade em Valência, mas o seu sucessor, Antonio Cañizares Llovera. É fácil perceber que o entretanto nomeado cardeal Osoro não perdeu tempo a convidar de novo a comunidade, desta vez para Madrid, onde o encontro nunca se tinha realizado. 
Numa nota de imprensa, a comunidade de Taizé destaca que Madrid “já foi palco de importantes encontros, eventos internacionais e acordos de paz” e que, por isso, este encontro será enriquecido “pelos valores de solidariedade que os habitantes e instituições de Madrid gostam de partilhar”. 
Até ao próximo dia de Ano Novo, os mais de 20 mil participantes que entretanto estão a chegar à capital espanhola são acolhidos por milhares de famílias ou em instituições eclesiais de 170 paróquias. Entre eles, estarão várias centenas de portugueses, e ainda 3500 polacos e mais de 2000 ucranianos. Há duas semanas, ainda faltavam oito mil lugaresmas a disponibilidade para acolher os jovens aparece sempre, em cima da hora. 
O encontro inicia-se na tarde desta sexta-feira, com uma oração comunitária às 19h30 (menos uma hora em Lisboa), no pavilhão 4 da Feira Internacional de Madrid (Ifema). Sábado, domingo e segunda, os jovens reúnem-se no mesmo lugar, sempre às 19h30. De manhã, os jovens participam em debates por pequenos grupos nas paróquias da cidade, centrados no tema “Não esqueçamos a hospitalidade!”, proposto pelo irmão Aloïs, prior da comunidade, na carta que orientará a reflexão dos jovens que irão a Taizé durante o próximo ano
Descobrir em Deus a fonte da hospitalidade, estar atentos à presença de Cristo na vida de cada pessoa, acolher os próprios dons e limitações, encontrar na comunidade da Igreja um lugar de amizade e ser generoso(a) na hospitalidade são as propostas da carta para os jovens concretizarem. “No meio das dificuldades actuais, quando muitas vezes a desconfiança parece ganhar terreno, teremos juntos a coragem de viver a hospitalidade e, assim, aumentar a confiança?”, pergunta o prior de Taizé. 
Nas tardes de sábado e domingo, depois de um tempo de oração às 13, em diferentes igrejas da cidade, é a vez de ateliês temáticos, sobre economia, política, arte, refugiados, oração, música, paz, desporto, tráfico de pessoas, ecologia,... Testemunhos de acolhimento a pessoas sem-abrigo (como os Mensajeros de la Paz), de visitadores de presos ou de integração de pessoas com deficiência, e ainda visitas temáticas ao Museu do Prado e ao Centro de Arte Reina Sofia são algumas das experiências que os jovens poderão fazer. 

Bispo nos EUA nomeia mulher leiga para liderar paróquia

Texto de Maria Wilton


Eleanor Sauers à porta da igreja de Santo António 
(foto Joe Pisani/Diocese de Bridgeport, via AP, reproduzida daqui)

A paróquia católica de Santo António de Pádua, em Fairfield (estado do Connecticut, EUA) terá oficialmente um novo responsável a partir de janeiro de 2019 – mas a surpresa é que o cargo será preenchido por uma mulher. Eleanor Sauers é leiga, doutorada em teologia e professora de estudos religiosos e será, a partir de agora, será a “coordenadora da vida paroquial”.
Sauers já tinha assumido o cargo, a título provisório, aquando da morte precoce do anterior pároco, em março de 2018. Dois meses após o Sínodo dos Bispos sobre os Jovens, o bispo Frank Caggiano, que chamou para a atenção da importância das mulheres na Igreja (uma ideia que acabou refletida nas conclusões no relatório final da assembleia) considerou que Eleanor seria indicada para o papel. 
Num comunicado, o bispo Caggiano clarificou as razões da sua escolha: “As suas responsabilidades, tal como qualquer padre ou diácono que é administrador, é trabalhar com a paróquia para desenvolver a visão e missão pastoral. (…) A sua educação, formação e experiência tornam-na profissionalmente, academicamente e espiritualmente preparada para este papel.”
No comunicado, Caggiano agradece ainda a dedicação de Eleanor à paróquia e fala da sua esperança de que isto seja um precedente para que outras dioceses adotem este modelo de liderança pastoral. 
Ao site AP News Eleanor afirma que percebe que está a ser vista como alguém que pode exercer influência e espera que as mulheres que se vêm desencorajadas pela natureza patriarcal do catolicismo possam olhar para ela e dar uma nova hipótese à Igreja.

sábado, 22 de dezembro de 2018

O que é que aconteceu ao Natal?

Opinião de Joana Rigato


Presépio de José Aurélio no Santuário de Fátima

Há dias foi a festa de Natal da escola dos meus filhos. Uma escola pública muito bem conceituada, onde os professores e os pais se envolvem para tornar possível um espetáculo de duas horas e meia, que enche um cinema inteiro. O palco estava muito giro, decorado com caixas gigantes a simular prendas, para dar contexto cénico às atuações dos miúdos. Tudo graças ao envolvimento pessoal de montes de gente que ofereceu o seu tempo para fazer aquilo. Admirável.
Mas voltei a ficar perplexa e triste, como todos os anos. Há três anos que vou a estas festas de Natal. No total já assisti a 27 atuações (nove turmas, portanto nove atuações por ano) e, até agora, não houve uma que falasse de Jesus e do presépio, da origem da festa do Natal na nossa cultura (cujas raízes são cristãs, quer se queira quer não). Não houve sequer nenhum turma que encenasse alguma estória que focasse o espírito de solidariedade e amor que é suposto ser o cerne desta festa. Nem uma. 
Não peço muito: um conto, um poema, uma música, uma história lida pelos miúdos, sei lá, que fale, por exemplo, de alguém que está sozinho e passa a ter amigos no Natal. Alguém que não tem o que comer ou vestir, e é ajudado no Natal. Alguém que aprende a perdoar, a incluir, a amar de forma mais generosa no Natal. Uma família que está dispersa e se reúne e faz as pazes no Natal. Nada disso. 

sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

Não haverá Natal para os reclusos

Texto de Fernando Calado Rodrigues; Ilustração de Graça Morais para a Amnistia Internacional, nos 25 anos da organização

Os reclusos estão privados da assistência religiosa devido à greve dos guardas prisionais. Se a greve se estender até janeiro, como se prevê, então os reclusos não poderão ter a celebração eucarística de Natal.

Até 2014, a assistência religiosa fazia parte dos serviços mínimos a serem garantidos aos reclusos durante os períodos de greve. Com a aprovação do novo Estatuto do Pessoal do Corpo da Guarda Prisional, nesse ano, a assistência religiosa deixou de ser mencionada no artigo 15.º, que estabelece os serviços mínimos a serem garantidos. Passou então a ser vedado o acesso dos sacerdotes aos estabelecimentos prisionais durante as greves.
Logo nesse ano - quando uma greve privou os reclusos de celebrarem a Semana Santa e a Páscoa -, o Departamento da Área Jurídica da Coordenação Nacional da Pastoral Penitenciária, dependente da Conferência Episcopal Portuguesa, elaborou um parecer que concluía que "não pode nenhum cidadão privado de liberdade ser impedido de obter assistência religiosa, apenas e só pelo facto de, no momento em que necessita da mesma, se encontrar em curso uma greve do Corpo da Guarda Prisional".
Argumentava-se nesse parecer que "o direito a greve dos guardas prisionais não pode sobrepor-se ou coartar o direito a assistência religiosa por parte dos cidadãos privados de liberdade, uma vez que ambos são direitos com dignidade constitucional".
Na Constituição da República Portuguesa, ambos são referidos sob o título "Direitos, liberdades e garantias". O direito à greve é incluído no capítulo dos "Direitos, liberdades e garantias de participação política". A liberdade de consciência, de religião e de culto aparece entre os "Direitos, liberdades e garantias pessoais". Essas duas liberdades, tal como o respeito pela vida humana no artigo 24.º, são classificadas como "invioláveis" no artigo 41.º.
Ao não ser garantido o acesso ao culto por causa da greve, há uma norma constitucional que está a ser posta em causa. E isso sucede numa época tão significativa para a maioria da população reclusa como é o Natal!
Não se pede às organizações sindicais que não promovam greves em determinadas épocas, como é a natalícia ou a pascal: cada um gere os seus interesses como entende. Mas podem-se dizer três coisas. Primeira: exigir o direito integral dos reclusos à sua dignidade constitucional. Segunda: solicitar a revisão do Estatuto do Pessoal do Corpo da Guarda Prisional, por forma a suprir a ausência da assistência religiosa dos serviços mínimos, única forma de cumprir a Constituição. Terceira: apelar ao bom senso e ao reconhecimento que, nestas e noutras alturas do ano, mas sobretudo nestas, o ambiente prisional, já por si demasiado tenso, teria a ganhar com a presença do assistente espiritual e com a celebração do culto.
Para além de garantir um direito constitucional, de que os reclusos não podem ser privados, o acesso ao culto permite que muitos deles se sintam reconfortados pela assistência religiosa e a celebração da eucaristia.

(Texto publicado no Jornal de Notícias de 17 de Dezembro de 2018)

“Uma carga preciosa”

Livros para oferecer no Natal (IV)


Texto de Eduardo Jorge Madureira

No início do mês de Setembro de 2015, uma criança aparecia morta numa praia da Turquia. Ficou depois a saber-se que era um menino sírio. Tinha três anos e chamava-se Alan Kurdi. As imagens terríveis que o mostravam só, deitado na orla do mar, como que adormecido, ou tombado no colo de um agente da polícia turca correram o mundo através das primeiras páginas da imprensa, provocando uma forte comoção. Alan Kurdi tinha-se afogado no Mediterrâneo, que o seu pai com ele tentou atravessar ansiando por uma vida de segurança na Europa.
A memória desta criança e das 4176 pessoas que, no ano seguinte, fugindo da guerra e da perseguição, morreram ou desapareceram em idêntica viagem inspirou Khaled Hosseini a escrever Uma Prece ao Mar. O livro, ilustrado por Dan Williams, dá voz a um pai que conta ao filho, chamado Marwan, como eram os dias felizes da sua infância na cidade de Homs, na Síria, antes de a guerra ter chegado. Os dois, na companhia de outras pessoas, estão na praia à espera da hora certa para partirem rumo à Europa. A Deus, o pai pede que conduza em segurança a embarcação. Ao mar, pede que se lembre do filho – “uma carga preciosa” – que nela viaja.  
Uma Prece ao Maré uma leitura muito recomendável para todos e, de um modo particular, para os mais novos.

Khaled Hosseini – Uma Prece ao Mar
Ilustração de Dan Williams. Tradução Manuela Madureira
Lisboa: Editorial Presença, 2018

(Nota: Uma parte das receitas deste livro, que o jornal britânico The Guardian transformou num surpreendente filme de animação, reverte a favor do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR). O filme pode ser visto a seguir (na sua versão inglesa): 


quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

Sem as mulheres, Igreja fica empobrecida, diz o documento final do sínodo

Texto de Maria Wilton


O documento considera fundamental envolver, valorizar e 
dar protagonismo aos jovens dentro da Igreja (Foto Helena Lopes/Pexels)

A presença feminina e a participação das mulheres nas estruturas da Igreja Católica e nos seus processos decisórios é “um dever de justiça”, diz o documento final do Sínodo dos Bispos sobre os Jovens, que decorreu de 3 a 28 de outubro deste ano, em Roma, e foi dedicado ao tema Os Jovens, a fé e o discernimento vocacional. O texto invoca mesmo o modo “como Jesus se relacionou com homens e mulheres do seu tempo e na importância do papel dalgumas figuras femininas na Bíblia”, para dizer que a falta de presença das mulheres “empobrece o debate e o caminho da Igreja”.
Durante a assembleia sinodal – que reuniu mais de 200 bispos de todo o mundo – foram ouvidos também vários jovens que participaram como auditores e observadores e que expressaram as suas preocupações e dúvidas, uma das bases para a construção do documento. Para este sínodo, foi mesmo considerado importante ouvir jovens de outras confissões ou “alheios ao horizonte religioso”, já que “todos os jovens, sem exceção, estão no coração de Deus e, consequentemente, também no coração da Igreja.”
Na primeira metade do documento, considera-se importante não só a reflexão sobre o papel da mulher na Igreja, como também sobre a diferença entre a identidade masculina e feminina e a homossexualidade.
Entre os assuntos que tocam os jovens são referidos três pontos cruciais: o ambiente digital, os migrantes e os abusos sexuais ou psicológicos, por parte de membros do clero, como um “sério obstáculo” para a missão da Igreja.
No tópico “corpo e afetividade”, o texto refere que “a moral sexual é frequentemente causa de incompreensão e afastamento da Igreja, uma vez que é sentida como um espaço de juízo e de condenação”. 
Em relação à crescente falta de afiliação religiosa o documento afirma mesmo que os bispos estão cientes “de que um número consistente de jovens, pelos motivos mais variados, nada pede à Igreja, porque não a consideram significativa para a sua existência. Aliás, alguns pedem-lhe expressamente para ser deixados em paz, uma vez que sentem a sua presença como importuna e até mesmo irritante.”

terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Papa Francisco: É inaceitável culpar os migrantes de todos os males

Texto de Maria Wilton
Ilustração © Cristina Sampaio




“A escalada em termos de intimidação, bem como a proliferação descontrolada das armas são contrárias à moral e à busca duma verdadeira concórdia. O terror exercido sobre as pessoas mais vulneráveis contribui para o exílio de populações inteiras à procura duma terra de paz. Não são sustentáveis os discursos políticos que tendem a acusar os migrantes de todos os males e a privar os pobres da esperança”, escreve o Papa Francisco, na sua mensagem para o 52.ºDia Mundial da Paz, que será celebrado no próximo dia 1 de janeiro de 2019.
Divulgada em pleno Dia Internacional dos Migrantes, proposto pelas Nações Unidas, a mensagem do Papa argentino tem como tema a “boa política ao serviço da paz”, reflectindo sobre as “virtudes” e os “vícios” da política – como a corrupção, a xenofobia e o racismo. No documento, Francisco rejeita a guerra e a estratégia de medo utilizada por alguns políticos e mostra o seu apoio aos migrantes, dizendo: “A boa política está ao serviço da paz; respeita e promove direitos humanos fundamentais (…), para que se teça um laço de confiança e gratidão entre gerações do presente e as futuras.”
O Papa Francisco, que celebrou o seu 82º aniversário segunda-feira,17de dezembro, lembra que todas as eleições e fases da vida pública são uma oportunidade para retornar aos pontos de referência que inspiram a justiça e a lei. Falando especificamente dos jovens, o pontífice lembra como os mesmos podem perder confiança no poder político quando este protege apenas os mais privilegiados. E continua: “Quando a política se traduz, concretamente, no encorajamento dos talentos juvenis e das vocações que requerem a sua realização, a paz propaga-se nas consciências e nos rostos. Torna-se uma confiança dinâmica, que significa «fio-me de ti e creio contigo» na possibilidade de trabalharmos juntos pelo bem comum.”
A propósito deste dia do migrante, o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, divulgou também uma mensagem, que convida a comunidade mundial a refletir sobre o tópico: “A migração é um poderoso motor de crescimento económico, dinamismo e compreensão. (…) Mas, quando mal regulada, pode intensificar divisões dentro e entre sociedades e expor as pessoas a exploração e abuso, retirando fé aos governos.” 
Neste âmbito, o antigo primeiro-ministro português falou do Global Compact, uma iniciativa proposta pela Organização das Nações Unidas que encoraja empresas a adotar políticas de responsabilidade social corporativa e sustentabilidade.

China acusada de criar campos de concentração para muçulmanos uigures

Texto de Maria Wilton


São cada vez mais as denúncias de que muçulmanos uigures e do Turquestão (China) têm sido perseguidos, detidos e mesmo encaminhados para campos próprios para o efeito. Ainda mais graves são as fortes indicações de que, para além de detidos, os uigures têm sido obrigados a trabalhos forçados, como se estivessem em campos de concentração.
Os Uigures são uma etnia maioritariamente muçulmana com cerca de 11 milhões de pessoas que vivem na região autónoma de Xinjiang (noroeste da China). Consideram-se cultural e etnicamente semelhantes a várias nações da Ásia central e a sua língua é parecida com o turco.
Há muito tempo que a China tenta restringir a prática do islão e manter um punho de ferro sobre Xinjiang. Nas últimas décadas, uma migração em massa dos chineses han (a maioria étnica do país) para esta região tem colocado as vidas e cultura dos uigures sob ameaça. Tensões económicas e étnicas têm crescido entre os uigures e os han, culminando muitas vezes em protestos e ataques violentos de grupos extremistas.
Em resposta aos ataques, o Governo chinês pôs em vigor medidas extremas na comunidade de Xinjiang: maior policiamento, câmaras de vigilância e detenções. A medida mais controversa foi a detenção, por tempo indefinido, de um milhão de uigures em “centros de treino político”: em agosto de 2018, a Comissão dos Direitos Humanos (CDH), das Nações Unidas, disse ter testemunhos credíveis de que a China tinha tornado a região dos uigures em algo que se assemelhava a um campo de internamento gigante.
Nos campos, as pessoas são obrigadas a aprender mandarim, a jurar lealdade ao Presidente Xi Jinping e a renunciar à sua fé. Adicionalmente, cantam hinos que enaltecem o Partido Comunista Chinês, escrevem ensaios de autocrítica e, em casos mais extremos, são torturados. A BBC entrevistou Omir, um dos ex-prisioneiros que conseguiu sair para outros países e contou o tormento que lá sofreu: “Não me deixavam dormir. Penduravam-me durante horas e batiam-me. Tinham muitos instrumentos de tortura que colocavam ao pé de mim, prontos a utilizar. Conseguia ouvir outras pessoas a gritar nas suas celas.” 

segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

Um direito esquecido: a busca da felicidade

Os 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos (VIII)


Texto de Fernando Sousa
Ilustração © Cristina Sampaio

Faltam direitos à Declaração Universal dos Direitos Humanos? Faltam. Um deles é o de buscar a felicidade: não o direito à felicidade mas o de a demandar, sem espartilhos nem obstáculos. A ideia apareceu pela primeira vez na Declaração de Direitos do Bom Povo de Virgínia, “pursuit of happiness”, de 1776, no quadro da luta dos norte-americanos pela independência. Desapareceu a seguir, nem foi lembrada na declaração de 1948, entre outros motivos pela dificuldade de a explicar, mas ficou a marinar e foi pingando num ou noutro texto. Por exemplo, no preâmbulo da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789 (depois da Revolução Francesa), ou nas leis constitucionais da Coreia do Sul, Japão, Butão ou mesmo da Nigéria. 
O Brasil chegou a discutir uma proposta de emenda constitucional em 2010, mas ela acabou derrotada quatro anos depois. 
A recuperação do direito a buscar a felicidade para a declaração universal dos direitos fundamentais era um dos anseios da jurista portuguesa Paula Escarameia, falecida em 2017, no trabalho que desenvolveu na Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas. “Seria bom que conseguíssemos pensar em meios para tornar este direito uma realidade, num mundo cada vez mais deprimido, em que ela não anda necessariamente aliada a condições materiais específicas. O melhoramento espiritual de cada um e da sociedade no seu todo, no sentido de uma maior empatia pelo sofrimento alheio e a disponibilidade para criar meios de o aliviar, bem como o desenvolvimento da capacidade para tornar muitas aspirações realidade, parece-me ser o melhor mecanismo para atingir a plenitude humana. O que é também o fim deste conceito jurídico a que chamamos direitos humanos”, escreveu a jurista, no Público, em 1998, por ocasião dos 50 anos da declaração. 

Alterações climáticas: as decisões para hoje tardam a concretizar

Texto de Maria Wilton


A descarbonizarão das fontes de energia é uma das medidas urgentes 
para tentar inverter os efeitos das alterações climáticas (foto Pixabay)

“Dizemos várias vezes que a situação do nosso planeta precisa de decisões para amanhã” disse monsenhor Bruno-Marie Duffé, chefe da delegação da Santa Sé na COP24, a Conferência do Clima que terminou no fim de semana, em Katowice, no sul da Polónia. “Mas amanhã é hoje. Amanhã é hoje.”
Foi este sentimento de urgência que marcou a Conferência sobre Alterações Climáticas, organizada pelas Nações Unidas para verificar o cumprimento do Acordo de Paris, de 2015. 
Repetindo o alerta do Papa Francisco, de ouvir a voz da Terra e dos pobres, o padre Duffé pediu uma renovação de solidariedade global, por parte dos representantes de 200 governos do mundo presentes na conferência, incentivando-os a agir: “Temos que passar das intenções éticas acerca do clima e do futuro da vida na Terra para decisões financeiras e políticas.”
A conferência, que decorreu entre 3 e 14 de dezembro, pretendia reunir os países que integram o Acordo de Paris e delinear um “livro de regras” para o concretizar, já a partir de 2020. 
Este guião cobre vários assuntos, como o modo de comunicar as emissões de gases com efeito de estufa e as regras que devem ser aplicadas ao mercado de emissões de carbono. O acordo define linhas mestras  gerais para todos os países, deixando margem de manobra para os mais pobres, e usa linguagem legalmente mais vinculativa, trocando o deve indicativo (em inglês “should”) por um mais imperativo “irá” (“shall”).
No entanto, segundo diversos especialistas, o acordo ainda fica muito aquém do que foi delineado em 2015. Ao Carbon Brief, um site de informação com um foco ambiental, Joeri Rogelj, professor de alterações climáticas no Imperial College, em Londres, explicou uma das preocupações: “Sobre o Acordo de Paris, emissões e reduções de emissões propostas serão regularmente comparadas com os limites máximos de aquecimento estabelecidos: 2 e 1,5 graus Celsius (em relação à era pré-industrial). Mas, para fazer isto, o relatório não vai aderir a métodos científicos robustos mas sim deixar cada país usar a sua metodologia nacional – o que provavelmente levará os países a relatar cenários melhores do que eles realmente são.”

domingo, 16 de dezembro de 2018

O pecado de crer e rezar

Os 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos (VII)


Crer em Deus continua a ser razão para se ser perseguido 
em muitos sítios do mundo

Texto de Fernando Sousa
Ilustração © Cristina Sampaio

A liberdade de professar uma religião, ou até a de mudar dela, é um dos direitos da Declaração Universal dos Direitos Humanos aprovada há 70 anos – artigo 18. Mas é também um dos menos respeitados, como o lembrou ainda há pouco o caso da paquistanesa condenada à morte por blafémia – e entretanto absolvida. 
Asia Bibi, uma cristã, apanhava fruta com outras mulheres em Sheikhupura, em Junho de 2009, quando bebeu água de um poço com um copo que as companheiras recusaram depois usar por ter ficado “impuro”. Discutiram e Asia teria proferido três vezes palavras insultuosas para com o profeta Maomé, acusação que ela negou sempre. Depois presa, foi julgada por blasfémia e condenada à morte. No fim de Outubro foi absolvida em sede de recurso e no meio de enormes protestos internacionais envolvendo o próprio Papa Francisco
O caso passou-se no Paquistão mas poderia ter acontecido noutro lado qualquer onde a liberdade de religião é uma mentira ou não existe. De acordo com a organização Ajuda à Igreja que Sofre, a liberdade religiosa deteriorou-se entre Junho de 2016 e Junho de 2018 em 18 dos 38 países onde as violações desse direito são mais graves. Os casos piores ocorreram na China e na Índia. Mas a Coreia do Norte, a Arábia Saudita, o Iémen e a Eritreia juntaram-se-lhes. A intolerância marcou em particular a situação na Rússia e no Quirguistão. 
Outros sinais preocupantes: agravou-se o nacionalismo hostil às minorias; avolumaram-se provas de maior indiferença em relação a minorias religiosas vulneráveis; governos e média fizeram, e fazem, vista grossa à queda da liberdade religiosa mais interessados noutros direitos como as questões de género, sexualidade e raça; a assistência às minorias tem sido mais e mais esquecida pelas autoridades; o sucesso das campanhas militares contra o Daesh ofuscou a propagação de movimentos islamistas em vários territórios de África, Médio Oriente e Ásia; o conflito entre sunitas e xiitas alimentou o extremismo; a islamofobia aumentou em parte devido aos fluxos migratórios; recrudesceram os ataques extremistas na Europa e noutras partes do Ocidente motivados por exemplo pelo ódio religioso; agravou-se o antisemitismo fazendo aumentar o número de judeus em fuga para Israel. 
Um acentuado declínio da violência do Al Shabaab tirou a Tanzânia e o Quénia da lista de países onde havia “perseguição”. Mas a boa notícia não aliviou o panorama da opressão religiosa mundial. 

sábado, 15 de dezembro de 2018

Perseguidos na própria terra

70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos (VI)


Texto de Fernando Sousa
Ilustração © Cristina Sampaio

Migrantes ou em fuga,  milhares de pessoas procuram todos os dias outros países onde possam ser felizes ou sobreviver à fome, à perseguição ou à guerra. São a imagem de um mundo que recusa a homens, mulheres e crianças os direitos mais elementares, da vida ao trabalho, com prejuízo para a felicidade e a paz. 
Ascende a 250 mil o número dos que, no mundo, desesperam por melhores condições de vida; desde logo, um trabalho digno e suficientemente remunerado. Foi para eles que as Nações Unidas prepararam o Pacto Global para Migração Segura, Ordenada e Regular, uma das grande novidades de 2018, que o Papa Francisco considerou urgente e foi assinado no passado dia 10, em Marraquexe
O pacto é o primeiro compromisso internacional concebido para que nações e comunidades lidem melhor com a migração no mundo e todas as suas dimensões em benefício de imigrantes e refugiados.
Compreende 23 objetivos para a melhor gestão do fenómeno migratório em níveis locais, regionais e global, e está baseado nos princípios da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e nos compromissos assinados na Declaração de Nova Iorque para Refugiados e Migrantes, adotada em Setembro de 2016 na Assembleia Geral da ONU.

Bem-aventurados os puros de coração

Cinema
Texto de Manuel Mendes


Este filme tinha tudo para ser ‘arrumado’ na prateleira dos que, um dia, passariam pela televisão e, se calhasse, talvez desse para uma espreitadela disfarçada: uma história mais do que contada, a tender para o choradinho, pouco mais do que um entretenimento. Enfim, preconceitos são preconceitos mas, felizmente, seja porque que razão for, alguém nos ‘leva’ a ver o filme. As críticas são simpáticas, afinal parece interessante, e até Clara Ferreira Alves começa assim uma crónica: «Gostei muito de “Assim Nasce uma Estrela” (Expresso-Revista, 27 de Outubro). Vejamos então. E vale mesmo a pena gastar 135 minutos – é um filme longo – a ouvir e contemplar esta história de amor, de ascensão e queda, de encontro e desencontro, de verdade e mentira que, não sendo nova, é magnificamente recriada pelos dois actores (Bradley Cooper/Jackson Maine e Lady Gaga/Ally). Imperdível.
Talvez na vida real seja uma história impossível de acontecer, mas ainda bem que existe a ficção para nos fazer acreditar que ainda há homens e mulheres de coração puro, mesmo que não dure para sempre, mesmo que ‘acabe mal’.
Entremos por aqui: o filme também é sobre o impacto – forte e quase sagrado – que uma mulher pode ter num homem e vice-versa. Nenhum fica igual depois do encontro; e tudo poderia acabar bem se as pessoas fossem capazes de não ouvir as insídias do Diabo do Mercado que só pensa no lucro. Mas essa é a luta mais difícil.

A magia do artesanato palestino, o Natal duro dos cristãos da Terra Santa

Texto de António Marujo
Vídeo de Maria Wilton


Um presépio com caixa de música: este poderia ser o símbolo da magia de Natal, 
representa a dureza da vida dos cristãos palestinos de Belém

Este poderia ser um Natal mágico: um presépio com uma caixa de música a tocar os acordes de Stille Nacht (Noite feliz), talvez a mais bela canção do tempo... 
Mas, para muitos cristãos da Terra Santa – e, em especial, da Palestina, o Natal não é mágico. É verdade que é em Belém que está a Igreja da Natividade, construída no local onde, segundo a tradição, Jesus teria nascido. É verdade que, por estes dias, muitos peregrinos vão à cidade, celebrar uma das festas mais importantes do cristianismo. Nada disto leva magia aos cristãos que ali vivem.  
“O que acontece é que nos sentimos abandonados”, diz Nicolas, um jovem palestino “cristão católico, da cidade de Belém, o berço da fé e da paz, onde nasceu o nosso salvador do mundo, Jesus”, como se apresenta quando falamos com ele em Lisboa. Pelo quinto ano consecutivo, Nicolas está em Lisboa, até ao Natal, a vender artesanato de Belém, feito em madeira de oliveira. Presépios, imagens de Santo António, cruzes, estrelas, representações da Sagrada Família – tudo pode ser encontrado na Rua Anchieta, número 10 (ao Chiado) – ou ainda, neste domingo, 16 de Dezembro, na paróquia do Cristo-Rei, no Porto. 
Nicolas trabalha na cidade de Belém como guia turístico. Para os cristãos da Cisjordânia (Palestina), a única fonte de rendimento são as actividades ligadas ao turismo. “Imaginem que os cristãos que vão visitar Fátima não ficam a dormir lá, nem vão aos restaurantes. O que está a acontecer é isso: os cristãos passam em Belém duas, três horas, visitam a Igreja da Natividade e voltam para Jerusalém.” 
Deste modo, não dá para ter um mínimo de rendimento. Resultado? “Muitos pensam em emigrar.” Muitos outros já o fizeram: em menos de 50 anos, o número de cristãos em Israel e na Palestina reduziu de vinte por cento para dois por cento – são agora uns 130/140 mil em nove milhões de habitantes; em Belém, a população cristã era, em 1948 (data da fundação do Estado de Israel) oitenta por cento cristã; hoje, são caiu para menos de vinte por cento.