terça-feira, 11 de dezembro de 2018

A vida ainda por um fio

Os 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos (II)


Texto de Fernando Sousa

Ilustração ao lado: Case Closed (Toda a pessoa acusada de um acto delituoso presume-se inocente até que a sua culpabilidade seja legalmente provada) 
© Gonçalo Pena (para Amnistia Internacional)

A vida é ainda um dos direitos individuais mais ameaçados no mundo. Apesar dos muitos textos internacionais que dispõem sobre a sua inviolabilidade, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos (artigo 3º), o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (artigo 6º) ou mesmo a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (artigo 4º), a Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais Relativa à Abolição da Pena de Morte ou os apelos para a sua abolição por parte das Nações Unidas ou da World Coalition Against the Death Penalty, associação de organizações abolicionistas de que a Amnistia Internacional (AI) faz parte, ela continua demasiado frequente. Muito se andou, mas os estados continuam a matar. 
De acordo com o último relatório global da AI, em 2017 ocorreram pelo menos 993 execuções em 23 países. O número marca um decréscimo de quatro por cento em relação a 2016 (quando foram executadas 1023 pessoas) e de 39 por cento comparado com 2015 (com 1634 pessoas mortas, o pior ano desde 1989). 
O ano em análise assinalou também menos sentenças capitais: 2591, em 53 países, uma descida muito significativa em relação ao período anterior, com 3117 condenações. 
Infelizmente, porém, estes números são provisórios: à semelhança dos anos anteriores continuam desconhecidas as execuções e as novas sentenças condenatórias na China. O país não publica quaisquer estatísticas sobre a pena capital. A AI calcula-as em milhares.  
Em África, o Sudão do Sul e a Somália realizaram execuções e a República do Sudão e o Botswana deram sinais de quererem reiniciá-las. Já a Guiné Conacri aboliu a pena de morte para todos os crimes e o Quénia eliminou a sua obrigatoriedade no caso dos assassínios. O Burkina Faso e o Chade deram passos importantes para a sua abolição. A Gâmbia comprometeu-se por escrito que não fará mais execuções e que trabalhará para eliminar definitivamente a pena capital. 
Depois da Mongólia e da Guatemala se terem tornado abolicionistas, o número de países que eliminaram a pena de morte das suas legislações ou não voltaram a realizar execuções aumentou para 142. 
Mas, neste caso, a grande notícia de 2018, no princípio de Agosto, foi a abolição da admissibilidade da pena de morte por parte da própria Igreja Católica, ela mesma, dando uma nova redacção ao parágrafo 2267 do Catecismo. O texto, embora louvasse a vida, deixava em aberto a pena capital. “A Igreja ensina, à luz do Evangelho, que a pena de morte é inadmissível, porque atenta contra a inviolabilidade e a dignidade da pessoa, e se empenha com determinação pela sua abolição em todo o mundo”, disse o Papa Francisco. 

Fernando Sousa é jornalista
(Amanhã: O azar de ser mulher)

1 comentário:

José Lemos Pinto disse...

A igreja só agora admite o que muitos outros cristãos (teólogos e leigos) há muitos anos escreviam e afirmavam: que à luz do Evangelho, a pena de morte é inadmissível, atentando contra a inviolabilidade e a dignidade da pessoa... - Apesar de tardia, esta declaração merece as felicitações de todos os cristãos e de todos os cidadãos, pois há ainda um longo caminho a percorrer no seio das nações... (Opinião pessoal)