sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Emmaüs festeja o seu sexagésimo aniversário

O movimento Emmaüs celebra hoje no Zénith, uma conhecida sala de espectáculos de Paris, o sexagésimo aniversário da criação por abbé Pierre da primeira comunidade em França. As comemorações alargam-se depois a toda a França, como conta o diário La Croix, que recorda que, embora tenha sido frequentemente visto, por sectores da Igreja católica, como um provocador, o abbé Pierre é um exemplo aos olhos dos responsáveis católicos.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Onde está Deus?

Saramago pode ter posto alguma gente a comprar um livro que tem um título várias vezes menor do que o nome do seu autor. Mas também suscitou o debate em torno de Deus.
Se Deus fosse pura ilusão ou mero vestígio em vias de esquecimento, improvável seria que tantas ondas se levantassem, contra e a favor. Saramago é astuto e, se as suas boutades forem mais do que marketing, como, apesar de tudo, julgo que sejam, não seria improvável que, no fundo, tudo o que diz fosse, também, mais do que a enunciação de uma certeza (essa, afinal, velhíssima e conhecida), a emergência de uma pergunta existencial.
Agora o que parece difícil, entre nós, é fazer um debate sobre Deus e as mediações que o tornam (ou não) presente no mundo e na vida que vão além dos parâmetros que eram referência nos séculos XVIII e XIX.
Algum jornalismo saliva e delira com uns sound bites que se metam com Deus e a religião, mas é preguiçoso a fazer trabalho de casa e a interrogar quem os profere, como faz noutras áreas da vida pública. Pelos vistos o problema não se manifesta apenas por cá, como sublinha a última edição do Observatório da Imprensa, do Brasil, a propósito de um texto há dias publicado no Estado de São Paulo.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Saramago e a Bíblia - no rescaldo de uma polémica

A polémica das afirmações de José Saramago prosseguiú nos últimos dias. Ainda hoje, no DN, João Miguel Tavares escreve sobre o tema, afirmando: "Saramago está convencidíssimo de que Deus não existe, mas também está convencidíssimo de que Deus é um pulha. A isto chama-se a lógica da batata. Espero que Saramago escreva um livro sobre ela um dia destes." No sábado, Anselmo Borges convocou o filósofo ateu e marxista Ernst Bloch para o debate. Na segunda-feira, no Expresso online, era publicado na íntegra o debate entre Saramago e José Tolentino Mendonça. E domingo, no Público, ficava a crónica de frei Bento Domingues, aqui reproduzida a seguir e intitulada "Confronto na afabilidade".

1.Seja qual for o interesse literário de Caim de José Saramago, as declarações feitas no seu lançamento foram interpretadas em registo publicitário: o importante não é que se diga bem ou mal; o importante é que se fale.

Neste sentido, o êxito das palavras de Saramago não podia ter sido maior e mais rápido. Pôs o país a falar daquilo que, segundo o escritor, Portugal ignora: a Bíblia. Há quem diga que ele estava feito com a Sociedade Bíblica e os representantes dos três monoteísmos (Judaísmo, Cristianismo e Islão). Dizendo o pior das Sagradas Escrituras, faz um dinheirão. Por outro lado, a Bíblia e o Corão, livros malditos, conseguem uma publicidade que a beatice das Igrejas dificilmente poderia conseguir. Se, além disso, a Bíblia é o livro mais editado, vendido e lido, as declarações malditas tornaram-se uma bênção para José Saramago. Embora em posições contrárias e por razões diversas, todos teriam ganho com a ignorância que mutuamente se atribuem.

O autor de Caim não percebe como é que a Bíblia se tornou um guia espiritual: está cheia de horrores, incestos, traições, carnificinas. É um manual de maus costumes, um catálogo de crueldade e do pior da natureza humana. Apesar deste tiroteio, disse que não iria causar problemas, na Igreja Católica, porque os católicos não lêem a Bíblia, só a hierarquia e ela não está para se incomodar com isso. Admitia que o livro pudesse incomodar os judeus, mas isso pouco lhe importava.

Precipitou-se. Segundo o DN, ficou surpreendido com “a frivolidade dos senhores da Igreja. Não leram o livro e vieram logo, com insólita rapidez, derramar-se em opiniões e desqualificações, tanto da obra como do seu autor. Como falta de seriedade intelectual, não se poderia esperar pior. Compreendo que tenham de ganhar o seu pão, mas não é necessário rebaixarem-se a este ponto".

Terá Saramago, no duplo papel de carrasco e vítima, esquecido que a discussão ainda não está centrada no livro – poucos ainda o terão lido –, mas nas suas declarações de ódio às religiões e à Bíblia? Uns atribuem as suas declarações a um estado de acentuada senilidade, outros dizem que esse ódio é do foro psiquiátrico: como não teve nem tem coragem de denunciar as mortandades e os crimes do comunismo, transfere, para um passado muito longínquo, as atrocidades que, em nome dessa ideologia ateia, foram cometidas durante a sua própria vida.

2. Na troca de insultos, na resposta ao ódio com o ódio, ao mal com o mal, não se salta fora da lei de talião: “olho por olho, dente por dente” (Ex 21, 23-25 e par.).

Na boca de Jesus, nasceu outra “lei”: “amai os vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam, bendizei os que vos amaldiçoam, orai por aqueles que vos difamam”. Vem, depois, a versão positiva da “regra de ouro”: “Fazei aos outros o que gostaríeis que os outros vos fizessem” (Lc 6, 27-31 e par.). Paulo resume tudo num só mandamento: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Rm 13, 8-10). Não se pode construir, com estes e outros aforismos do mesmo género, um manual ou um catecismo de ingenuidade. Jesus Cristo também lembrou uma regra de paradoxal sabedoria no mundo de contradições em que vivemos: “sede simples como as pombas e prudentes como a serpente” (Mt 10, 16).

Quem tiver lido a Bíblia sabe que esta biblioteca de muitos géneros literários, construída ao longo de séculos, não é um manual nem de bons nem de maus costumes. Os seus autores humanos caíram, muitas vezes, na tentação de atribuir a Deus, que está para além de todo o nome, não só o louvor, mas também os seus desejos de vingança. Não se deve tomar a parte pelo todo. Ler exige saber ler.

3. Foi traduzido, de Enzo Bianchi que esteve há pouco em Portugal, um livrinho com um título – Para uma Ética Partilhada – que resume o seu conteúdo e constitui uma boa ajuda para esta época de crispações, delícia de alguns meios de comunicação colonizados pelas touradas, por cenários de sangue. O livro abre com uma interrogação: Será ainda possível um confronto na afabilidade? Parte de uma verificação: “Para todos os que se empenharam no diálogo entre crentes cristãos e não cristãos, entre católicos e «laicos», para os próprios católicos que acreditam no diálogo vivido na escuta, no esforço de não desprezar o outro, mas de encetar com ele um confronto na afabilidade, estes últimos tempos podem dizer-se – em linguagem bíblica – «dias maus»”.

Crentes e não crentes acusam-se, mutuamente, de intransigência e arrogância. Não desesperemos. José Saramago acaba de dizer, numa entrevista ao JL: “se a alguém ocorrer fundar uma internacional da bondade eu inscrevo-me. Ela é fundamental, e eu coloco-a acima de qualquer atributo humano, incluindo a inteligência e a sensibilidade”.

No final do seu livro, Enzo Bianchi coloca a questão fundamental: quem é o ser humano? Para onde vai? “Como pode viver numa sociedade que luta contra a barbárie e a favor da humanização? Das respostas que cada qual, a partir do seu património espiritual, souber dar depende, sem dúvida, o nosso futuro, mas também, já desde hoje, a qualidade da nossa vida pessoal e da convivência civil”.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

A Bíblia, como um caroço de azeitona


Quem conhece a obra do escritor italiano Erri de Luca (além de outros títulos, "Montedidio", "Em Nome da Mãe" e "O Dia Antes da Felicidade" já foram publicados em Portugal), sabe que a sua é uma escrita de seda, puríssima. Dele acaba de ser publicado também, na Assírio & Alvim, "Caroço de Azeitona", onde este escritor (agnóstico, mas que sabe hebraico e já traduziu vários livros da Bíblia para italiano) fala de episódios e personagens da Bíblia. Fica aqui um aperitivo para a leitura apetitosa em forma de "Caroço de Azeitona":

Uma boa parte da humanidade não tem consciência de ter saído de Deus. Muito aflige o acto de confiança, antes do acto de fé. Permaneço, como não crente, alguém que passa pelas escrituras sagradas e não um residente. (...)

Ler as escrituras sagradas é obedecer a uma precedência do escutar. Começo as minhas manhãs com um punhado de versículos, para que o meu dia tenha um fio condutor. Posso depois dispersar-me durante o resto das horas correndo atrás do que tenho para fazer. No entanto, mantive para mim um penhor de palavras duras, um caroço de azeitona para andar a girar na boca."

ps - Erri de Luca está hoje em Lisboa a apresentar "O Dia Antes da Felicidade" e dará várias entrevistas a meios de comunicação social

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Mau costume

A Bíblia é um livro de "maus costumes", mas também de bons costumes. Um "catálogo de crueldade", mas também de sensibilidade e generosidade. Céptica, mostra o "pior da natureza humana". Utópica, revela confiança para lá da lógica humana e capacidade de perdão sem limites.

A Bíblia pode ser lida como um tratado de violência, mas também como um tratado de não-violência. Tem histórias de guerra e de paz. Adão e Eva. De traições e fidelidades. Caim e Abel. Dramas e alegrias. Paixões e desilusões. Sansão e Dalila. Alentos e desalentos, da metáfora erótica de Cântico dos Cânticos ao suplício de Job. Ameaças e bem aventuranças. David e Golias. Desespero e esperança, do Egipto à "Terra Prometida". O ferro nas mãos e o fogo nas palavras. Jesus e Barrabás. Intolerância e confiança. Da Sabedoria a Eclesiastes, "tudo tem o seu tempo" e há um tempo para tudo. Para a Vida e para a Morte.

Reduzir a Bíblia a meia dúzia de frases marcadas pelo preconceito religioso é uma desonestidade. Outros pensadores – que não chegam aos calcanhares do Nobel português –, noutros cenários religiosos, já fizeram o mesmo exercício de liberdade. Dizer que a Bíblia "é um manual de maus costumes" é um mau costume, mas uma boa estratégia de vendas.

(excerto de um artigo de opinião na SIC online, que pode ser lido na íntegra aqui)

domingo, 18 de outubro de 2009

No melhor Nobel cai a nódoa

José Saramago lê a Bíblia - e isso é uma boa notícia, porque a Bíblia é grande literatura, como sabe qualquer pessoa culta, mesmo quando não se é crente; e é um texto que acompanha a história da humanidade, através da poesia, da história, das parábolas.

José Saramago não sabe ler a Bíblia - e isso é uma péssima notícia, quando falamos de um prémio Nobel, que é suposto ser culto.

José Saramago tem boa memória - porque se lembra sempre da Inquisição e das Cruzadas, que todos sabemos que foram crimes.

José Saramago tem algumas falhas de memória - porque não se lembra das centenas de milhar de pessoas mortas por Estaline no gulag soviético.

Quando a leitura do mundo e da vida se fica por banalidades preconceituosas e ignorantes, só podemos lamentar...

Casamento católico em vias de extinção?

No artigo de hoje no Público, frei Bento Domingues escreve sobre o casamento católico e a forma esse acontecimento é preparado pela Igreja. Aqui fica o texto.

1.O alarme foi dado pelos meios de comunicação social baseado em dados estatísticos: em 10 anos, na diocese de Lisboa, os casamentos católicos baixaram 62%. Observaram-me que, se este ritmo se mantiver, em poucos anos, deixará de haver divórcios de casais católicos e um tema recorrente nestas crónicas – a situação dos divorciados na Igreja – também estará esgotado. É melhor, no entanto, não fazer previsões.

Dir-se-á que, depois de alguma alergia ao institucional, do proclamado desinteresse pela política, pelos partidos, pelos actos eleitorais, as instituições da Igreja e a Igreja como instituição também não poderiam fugir muito à tendência geral. Em parte assim será, mas o realce que a notícia teve, nos meios de comunicação social, dava a ideia de que o catolicismo, em Portugal, estaria em acentuado declínio e a hierarquia católica não poderia continuar a alimentar a ficção de que só existe o modelo católico de família que defende.

Não adianta muito pensar que este decréscimo brutal dos casamentos católicos seja apenas o fruto de políticas laicas acerca da família nem a sua estrepitosa divulgação seja regozijo com a perda de influência do catolicismo. Em Portugal, a liberdade religiosa não está em perigo, nem o direito ao casamento católico. A questão de fundo é outra: que fazer para que as famílias se transformem numa fonte de vida evangelizadora das novas gerações? A estatística citada sugere que as novas gerações só poderão receber uma herança se esta for um convite à invenção de novas formas de ser cristão.

2. Para a compreensão e vivência do casamento católico, surgiu, em Paris, em 1938, um inspirado movimento, obra do Padre Henri Caffarel (1903-1996). Em 2006 foi aceite o pedido de abertura do processo da sua beatificação.

Durante a Segunda Guerra Mundial, o movimento expandiu-se e foi criada a revista "L'Anneau d'Or", divulgando a experiência das pequenas equipas e a sua espiritualidade. Em 1947, o movimento organizou-se e foi elaborado um documento fundador: a "Carta das Equipas de Nossa Senhora”, revista em 1976. Em 2002, o Pontifício Conselho para os Leigos reconheceu, finalmente, as Equipas de Nossa Senhora (ENS) como Movimento de Fiéis Leigos. O Movimento expandiu-se por todos os continentes. Entrou, em Portugal, em 1957.

Sessenta anos depois, são celebrados os êxitos imensos deste Movimento de espiritualidade conjugal, apesar das dificuldades e dos limites que a moral familiar oficial impõe. No entanto, muitos casais das ENS interrogam-se: onde teremos falhado para que alguns dos nossos filhos não se casem pela Igreja e nem os seus filhos querem baptizar? Andaram em colégios católicos, foram à catequese, alguns até foram catequistas, pertenceram a movimentos juvenis da Igreja e, depois, nada! Resta-lhes a consolação de que alguns valores essenciais informem as suas vidas.

3. Esta sensação de culpa não tem, por vezes, muita razão de ser. Já não estamos no tempo em que os pais e as mediações de formação da Igreja eram as únicas referências no crescimento dos filhos. Vivemos em sociedades abertas e os mais novos, para além da natural rebeldia da juventude, podem dizer aos pais, de forma clara ou velada: eu já não vou por aí.
Uma observação destas não pode servir, todavia, para a resignação dos pais, dos educadores católicos e da pastoral da Igreja no seu conjunto.

Tendo em conta o que está a acontecer, seria preciso, depois de um debate alargado a paróquias, dioceses, movimentos e universidades católicas, reunir um Concílio dedicado exclusivamente à moral familiar proposta na Igreja e ao reexame do que se passa nas outras religiões e nas diversas manifestações da sociedade civil.

Para o vigente Código de Direito Canónico, "O pacto matrimonial, pelo qual o homem e a mulher constituem entre si a comunhão íntima de toda a vida, ordenada por sua índole natural ao bem dos cônjuges e à procriação e educação da prole, entre baptizados foi elevado por Cristo nosso Senhor à dignidade de sacramento. Pelo que, entre baptizados, não pode haver contrato matrimonial válido que não seja, pelo mesmo facto, sacramento." (Cân. 1055).

As implicações teóricas e práticas desta apresentação do casamento merecem um amplo debate que não é para esta crónica. A pergunta que deixo é outra: que pretende quem procura celebrar um casamento católico e o que recusa quem, embora baptizado, não quer casar pela Igreja?
As dimensões de vida, a importância, as ambiguidades e mesmo os equívocos, que envolvem a opção por uma união de facto, um casamento civil ou um casamento religioso, não cabem em apreciações e valorizações esquemáticas.

É normal que a celebração do matrimónio suscite uma vontade de festa que não tem de ser uma exibição de riqueza real ou aparente. A Igreja, sem negar a importância de uma grande festa, deve propor, aos ricos, uma ocasião para repartir com os pobres. Os Encontros de Preparação para o Matrimónio (CPM), devem ajudar a perceber que os noivos não estão obrigados a promover a indústria dos “casamentos de sonho”.

O pecado original e a política

No seu artigo de sábado no DN, Anselmo Borges reflecte sobre o pecado original e a política. E escreve:

O risco é servir-se em vez de servir. Ou servir alguns apenas e não o bem comum. Corromper e deixar-se corromper. Não respeitar a separação de poderes e, concretamente, a independência do poder judicial. E que acontecerá quando o poder, mesmo conquistado legitimamente, se exerce sem competência intelectual, moral e técnica?
A tentação é tamanha que mesmo na Igreja se esqueceu a revolução única do cristianismo: Deus não se revelou como omnipotência abstracta, mas força infinita do amor criador. E Cristo disse: "Não vim para ser servido, mas para servir."

Aqui pode ler-se o texto completo.

sábado, 17 de outubro de 2009

Mário Mota Marques, memória de um homem bom

Mário Mota Marques morreu esta quinta-feira. Quem o conheceu, sabe que era um homem bom. Provavelmente bastará dizer isso acerca de alguém para dizer tudo e lhe prestar uma grande homenagem. Mas no povo de bahá há várias memórias em vídeo e em texto para quem quiser saber mais sobre aquele que, até há pouco tempo, era o responsável pela informação da Comunidade Bahá'í de Portugal.

O funeral foi este sábado. Vários responsáveis de diferentes comunidades religiosas estiveram presentes no velório e na despedida de Mário Mota Marques, recordando o seu grande empenhamento no diálogo inter-religioso e na promoção de um clima de paz entre as pessoas e as religiões.

Na escritura Bahá'í para a ocasião do martírio do Báb, lê-se: "Durante todos os dias de Tua vida estiveste imerso num oceano de angústias (...). No entanto, a despeito de tudo isso, exortaste todos os homens a obervarem o que Te fora prescrito por Aquele que é o Omnisciente, a Suprema Sabedoria..."

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Religião e Ciência

Intervenção de D. Manuel Clemente, Bispo do Porto, no Ciclo de Conferências “Diálogos com a Ciência”, Reitoria da Universidade do Porto, 8 de Outubro de 2009.

Como importante será compreendermos como religião e ciência se tornam complementares e interactivas na melhor definição recíproca. Como geralmente acontece, o crescimento delas realiza-se como autêntica “crise de crescimento”: a afirmação da mentalidade científica exigiu a redefinição da esfera religiosa; e a persistência da religião, em sucessivas decantações, situou a ciência no seu campo específico, tanto em termos de método e objecto como em lúcida auto-limitação, para poder prosseguir com segurança e acerto.

Permiti-me um brevíssimo relance sobre o percurso da ciência ocidental, como melhor maneira de ilustrar o que vai dito sobre a complementaridade interactiva da religião e da ciência…

Fala-se de como se guardou o conhecimento antigo nas igrejas e mosteiros, como as universidades nasceram na órbita da Igreja, dos cientistas jesuítas, dos padres cientistas no século do Iluminismo, dos cientistas crentes... Ler aqui.

Imagem: Alberto Magno, "Doutor Universal"

sábado, 10 de outubro de 2009

Cesariny e a 'Salve, Rainha"

«A oração é uma forma de poesia, a poesia é uma forma de oração». Em Aspirina B, José do Carmo Francisco deixou um post sobre como via o peta Mário Cesariny essa antiga oração que dá pelo nome de "Salve, Rainha".

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Deus e eu conversamos todos os dias

Acaba de ser editado e é o primeiro livro infantil da Esfera dos Livros. Intitula-se Deus e eu conversamos todos os dias. É um livro de orações para crianças da autoria de Joaquín M.ª Garcia de Dios e tem o prefácio do padre Paulo Malícia, director do Departamento da Evangelização do Patriarcado de Lisboa. Na nota de apresentação, a editora explica que o livro mostra diferentes maneiras de conversar com Deus e acrescenta que o que nele é importante é fazer com que as crianças inventem as suas próprias orações.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Harvey Cox: [o presente e] o futuro da fé

Harvey Cox é um teólogo protestante, professor da Universidade de Harvard desde 1965, autor de best sellers como A Cidade Secular ou A Festa dos Loucos e acaba de publicar nos Estados Unidos da América "O futuro da fé" (Harper, 2009).
O facto foi pretexto para diversas entrevistas, nas quais o autor propõe leituras sobre o fenómeno religioso na actualidade, por parte daquele que alguns consideram um dos grandes teólogos do século XX.

Um aspecto interessante que ele conta na rubrica semanal Religion & Ethics, da cadeia PBS, refere-se ao crescimento do religioso na própria Universidade de Harvard. Segundo conta, quando iniciou actividade docente na instituição, há mais de 40 anos, a Universidade, com uma pequena escola de teologia, possuía uma oferta formativa diminuta. Hoje, além de uma escola e de um curso, a procura de formação supera largamente a oferta e, segundo Cox, é cada vez maior o número de estudantes que participam nos vários cultos, rezam, etc., não necessariamente vinculados a confissões religiosas. Trata-se de uma "curiosidade intelectual" mas também de uma "busca pessoal", acrescenta.

Para ouvir uma entrevista com Cox: AQUI.

domingo, 4 de outubro de 2009

"Muito mais do que uma cantora extraordinária"

"Muito mais do que uma cantora extraordinária". É assim que, muito justamente, o diário Clarín anuncia a morte de Mercedes Sosa. Recorda o jornal argentino que, "além de uma voz prodigiosa, tinha qualidades como a honestidade intelectual e o compromisso artístico. Prestigiada, com o tempo erigiu-se num símbolo da luta pela liberdade". "Gracias a la vida" é uma das suas mais conhecidas canções.





Gracias a la vida, que me ha dado tanto
Me dió dos luceros, que cuando los abro
Perfecto distingo, lo negro del blanco
Y en el alto cielo, su fondo estrellado
Y en las multitudes, el hombre que yo amo

Gracias a la vida, que me ha dado tanto
Me ha dado el oído, que en todo su ancho
Graba noche y día, grillos y canarios
Martillos, turbinas, ladridos, chubascos
Y la voz tan tierna, de mi bien amado

Gracias a la vida, que me ha dado tanto
Me ha dado el sonido, y el abecedario
Con el las palabras, que pienso y declaro
Madre, amigo, hermano y luz alumbrando
La ruta del alma del que estoy amando

Gracias a la vida, que me ha dado tanto
Me ha dado la marcha, de mis pies cansados
Con ellos anduve, ciudades y charcos
Playas y desiertos, montañas y llanos
Y la casa tuya, tu calle y tu patio

Gracias a la vida, que me ha dado tanto
Me dió el corazón, que agita su marco
Cuando miro el fruto del cerebro humano
Cuando miro el bueno tan lejos del malo
Cuando miro el fondo de tus ojos claros

Gracias a la vida, que me ha dado tanto
Me ha dado la risa y me ha dado el llanto
Así yo distingo dicha de quebranto
Los dos materiales que forman mi canto
Y el canto de ustedes, que es el mismo canto
Y el canto de todos, que es mi propio canto
Y el canto de ustedes, que es mi propio canto

Obrigado Mercedes Sosa.

sábado, 3 de outubro de 2009

"Quando a Igreja alemã excomungou o nazismo"

Alguns documentos encontrados na Alemanha pela Pave the Way Foundation (PTWF) provam que, desde Setembro de 1930, os bispos católicos tinham excomungado o Partido Nazi de Hitler, segundo um artigo divulgado esta quinta-feira pela agência Zenit.
O texto, da autoria de Antonio Gaspari

Nos documentos achados por Michael Hesemann, colaborador da PTWF, consta que, em Setembro de 1930, três anos antes de Adolf Hitler subir ao poder, a arquidiocese de Mogúncia condenou de forma pública o Partido Nazi, proibindo aos católicos "inscrever-se nas fileiras do Partido Nacional-Socialista de Hitler".
"Aos membros do partido hitleriano não era permitido participar em funerais ou outras celebrações católicas similares." "Enquanto um católico estivesse inscrito no partido hitleriano, não podia ser admitido aos sacramentos."
A denúncia da arquidiocese de Mogúncia foi publicada na primeira página pelo L'Osservatore Romano, em um artigo de 11 de outubro de 1930 e nele se declarava a incompatibilidade da fé católica com o nacional-socialismo.
Posições análogas foram assumidas no ano seguinte pelas dioceses de Munique e de Colónia, de Parderborn e das províncias de Renânia.

Segundo os documentos agora tornados públicos, "indignados e furiosos pela excomunhão emitida pela Igreja Católica, os nazis enviaram Hermann Göring a Roma com a petição de audiência com o secretário de Estado Eugenio Pacelli. No dia 30 de Abril de 1931, o cardeal Pacelli rejeitou encontrar-se com Göring, que foi recebido pelo subsecretário, Dom Giuseppe Pizzardo, que tinha a tarefa de anotar tudo o que os nazis pediam".
Em Agosto de 1932, a Igreja Católica excomungou todos os dirigentes do Partido Nazi. Entre os princípios anticristãos denunciados como hereges, a Igreja mencionava explicitamente as teorias étnicas e o racismo.

Quando em Janeiro de 1933 Hitler chegou ao poder, as associações católicas alemãs difundiram um folheto intitulado: "Um convite sério em um momento grave", no qual consideravam a vitória do Partido Nacional-Socialista como "um desastre" para o povo e para a nação.

Texto completo: AQUI

Enzo Bianchi - Para uma ética partilhada

Fundador da Comunidade Monástica de Bose, Itália, no dia do encerramento do Concílio Vaticano II, Enzo Bianchi apresentou em Braga [na imagem] e em Lisboa o livro Para uma ética partilhada, editado pela Pedra Angular. Extracto:

“É num espaço de grande liberdade e, ao mesmo tempo, de gratuitidade que a fé em Deus se transmite: o ser humano, de facto, pode viver acreditando em Deus, como também pode viver sem esta fé, não há constrição alguma em ter de acreditar em Deus porque Deus não é o resultado de uma necessidade, não é ananké, ‘destino’. Talvez se afigure escandaloso também aos ouvidos de muitos ateus devotos que hoje pontificam, mas não há nenhuma necessidade mundana de Deus, nenhuma possibilidade de teísmo utilitário como, por vezes, gostaria de fazer crer uma sociedade carecida de ideais. O homem pode ser humanamente feliz sem crer em Deus, tal como o pode ser um crente: não é a fé em Deus que determina a felicidade ou a infelicidade de um ser humano. Aliás, já os rabinos tinham sagazmente concluído que Deus criou uma criatura capaz de lhe dizer: ‘tu não existes, tu não me criaste’. O ser humano é, pois, capax dei como é também ‘capaz’ de ateísmo. E nem sequer a fé em Deus é a única instância capaz de refrear a decadência moral, como por vezes dão a entender, não sem arrogância, os que afirmam que ‘se Deus não existe, reina a barbárie’: refinadíssimas culturas e religiões ‘sem Deus’ – pense-se no budismo ­não foram menos eficazes do que a cristandade em esconjurar ou em defender orientações e comportamentos mortíferos. Na verdade, segundo a grande tradição cristã, embora o homem não reconheça Deus e não seja crente, permanece sempre à sua imagem: pode negar a sua semelhança com Deus, mas a imagem é como um carácter impresso, de uma vez por todas, em cada ser humano.

Mas então, porque crer? Crê-se, adere-se ao Senhor, porque na busca de Deus, do bem, da felicidade, se aceita o dom da fé: esta é, de facto, dom e ‘não é de todos’, como recorda o apóstolo Paulo. Há homens que acreditam e homens que, de algum modo, não ‘podem’ acreditar, não por predestinação divina, mas porque não conseguem discernir e acolher a fé: esta permanece um acto de liberdade. Mas, então, que traz a fé a quem crê? Diga-se sem reticências: traz a esperança da vida mais forte que a morte, do amor mais forte que o ódio, de uma vida além desta vida. Esta é a especificidade do cristianismo: a fé na ressurreição, a resposta à pergunta que cada homem se faz: ‘que posso esperar?’

Penso, de algum modo, que a nossa reflexão ganharia em clareza, se não nos prendêssemos à questão sobre o ‘porquê’, mas indagássemos também o ‘para quê’, o espaço da finalidade. O crente, de facto, não deveria levantar apenas o problema dos motivos do seu crer – com o risco de reduzir a pergunta a uma questão de cálculo de custos e benefícios – e nem sequer das ‘raízes’, mas também dos frutos, do saber que dele fez, que dele faz em cada dia da sua fé, que ‘sinal’ põe de uma realidade invisível que os outros homens possam perceber só através de testemunhos visíveis e ‘credíveis’, autorizados porque autênticos. De bem pouco servem, efectivamente, proclamações solenes de convicções abstractas, se estas não souberem penetrar numa vivência humaníssima que dê testemunho da esperança na vida mais forte que a morte. Não se esqueça que a fé cristã nasceu e se desenvolveu através do testemunho de simples homens e mulheres, que tomaram sobre si o jugo leve de uma vida conforme à revelada por Jesus como a vida humana de acordo com o desígnio de Deus, uma vida rica de sentido e de amor, uma vida habitada pela solicitude para com o outro, uma vida autenticamente humanizante.

Sem dúvida, nem sequer o crente está imune à dúvida, à tentação - in primis à tentação da idolatria, do substituir à alteridade a obra das suas mãos, do negar o outro para impor o seu ego; também o crente conhece o risco da incredulidade como pouca fé, como não escuta da vontade de Deus, como treva do não sentido... Mas justamente esta sua experiência de contradição torna-o capaz de escutar as dificuldades do outro, de captar as perplexidades de quem não partilha a sua fé, de dizer uma palavra sincera que não mergulha a sua autenticidade num dogma, mas numa experiência, o torna capaz de dialogar na diversidade e no respeito das identidades singulares. Numa palavra, de ser testemunha daquele Jesus de Nazaré que ‘narrou Deus’ aos homens, tornando visível o invisível. Porque, hoje como sempre, os cristãos e todos os que para eles olham com simpatia ou com respeito não têm necessidade de depoimentos, mais de testemunhas”.

Para uma ética partilhada é uma proveitosa leitura para este início de Outubro.