Livro
Neste livro,
um grande intelectual português e um dos nossos maiores classicistas coloca em
evidência o que deveria ser um dado cultural inquestionável: “mesmo não
acreditando que a Bíblia transmita ‘sem erro’ a palavra infalível de Deus e
duvidando, ao mesmo tempo, que a correcta leitura da Bíblia seja relativizar e
alegorizar tudo o que lá encontremos que não nos convém, mesmo assim considero
o tempo gasto a ler este mais fascinante de todos os livros tempo ganho e
(porque não?) infalivelmente bem empregue.”
Frederico
Lourenço repetirá esta sua paixão
pela Bíblia por diversas vezes ao longo do livro. E esta atitude de
reconhecimento pelo valor do texto
bíblico é de destacar mais ainda, quanto ela é rara na cultura portuguesa
contemporânea. E é de sublinhar ainda mais quando se sabe que o autor se
afastou do catolicismo em grande parte por causa da sua homossexualidade, facto
que ele recorda de várias formas, em diferentes passagens do livro.
Composto por
pequenos ensaios sobre os mais diversos temas, textos e personagens da Bíblia, O Livro Aberto devolve-nos ainda o prazer imenso da leitura de um
texto literariamente rico e
bem escrito.
Nesse
exercício, Frederico Lourenço faz um trabalho (quase) completo: ele lê,
desvela, revela, decifra, comenta e interroga o texto bíblico. Usando por vezes a ironia fina, o humor
ou entrando em diálogo com o leitor.
O que falta,
então? Colocando-se claramente numa posição antagónica da infeliz frase de
Saramago, quando o escritor Nobel falou da Bíblia como um “manual de maus
costumes”, Lourenço acaba por deixar
o leitor frustrado porque não leva o seu exercício até ao fim. Ou seja, fica enredado quase numa
tentação próxima da de Saramago:
a de recusar a possibilidade da hermenêutica de um texto clássico.
Essa
frustração é tanto maior quanto, em alguns momentos, Lourenço entra nesse
domínio de forma arguta. Por exemplo, quando, a propósito de algumas visões
cristãs mais tradicionais sobre a família, contesta a “ênfase hiperbólica na
família enquanto estrutura divinamente sancionada, quando no fundo o que Jesus
não parou de dizer foi precisamente o contrário: quem segue a palavra de Deus
não quer saber da sua família, porque os laços de sangue não contam para nada:
o que conta são os laços espirituais”.