quinta-feira, 27 de outubro de 2011

A paz sem vencedor e sem vencidos

Encontro de Assis, 27.10.2011

 













Dai-nos, Senhor, a paz que Vos pedimos
A paz sem vencedor e sem vencidos
Que o tempo que nos destes seja um novo
Recomeço de esperança e de justiça 
Dai-nos, Senhor, a paz que Vos pedimos
A paz sem vencedor e sem vencidos
Erguei o nosso ser à transparência
Para podermos ler melhor a vida
Para entendermos Vosso mandamento
Para que venha a nós o Vosso reino 
Dai-nos, Senhor, a paz que vos pedimos
A paz sem vencedor e sem vencidos 
Fazei, Senhor, que a paz seja de todos
Dai-nos a paz que nasce da verdade
Dai-nos a paz que nasce da justiça
Dai-nos a paz chamada liberdade 
Dai-nos, Senhor, a paz que Vos pedimos
A paz sem vencedor e sem vencidos 
 SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Crise Financeira: documento do Vaticano recebido com frieza

As reflexões e propostas do Conselho Pontifício para a Justiça e Paz, a que aqui fizemos ontem referência, deixaram aparentemente muita gente incomodada.
O extenso documento, que o próprio Vaticano aparentemente não procurou divulgar muito (a tradução que se conhece, em inglês, nem sequer é oficial), foi recebido com frieza e em alguns sectores com grandes reservas. Basta fazer um circuito pela Internet, com base numa simples pesquisa do Google. Boa parte dos media, nomeadamente em Portugal, pura e simplesmente não deu destaque ao texto (sendo verdade que não era nem é fácil ter acesso a ele).
Por outro lado, houve aqueles que vieram logo, pressurosos, esclarecer que a Nota não tinha por detrás a autoridade do Papa, como se passasse pela cabeça de alguém que uma tomada de posição deste alcance pudesse ser lançada na opinião pública à revelia de Bento XVI.
Claro que os sectores liberais ficaram profundamente incomodados com a crítica ao mercado e ao utilitarismo e, sobretudo, com a proposta de uma autoridade reguladora mundial, que rompa com a lógica de funcionamento do Fundo Monetário Internacional. Uns entendem que a Igreja se mete onde não deve; outros procuraram - logo na sessão de apresentação, na Santa Sé - colá-lo ao movimento dos "indignados" e em particular aos 'okupas' de Wall Street". Os devotos do mercado e das capacidades deste para resolver as crises desqualificam as denúncias e sugestões como "utopia sinistra".
A verdade é que se o Vaticano pretendia com o documento do Conselho Pontífício não apenas influenciar a agenda dos debates do G-20 da próxima semana mas também dar um sinal aos que, sobretudo na Europa e nos Estados Unidos, se vêem cada vez mais apanhados no turbilhão da crise financeira, a estratégia seguida pareceu pobre e desgarrada. Faltou-lhe o elan que leva a Prof. Manuela Silva e membro da Comissão Nacional Justiça e Paz a referir-se-lhe como um documento de leitura obrigatória.
(Foto: Card. Peter Turkson, Presidente do Conselho Pontifício Justiça e Paz)


ACT.:
O site do jornal católico francês La Vie considera que "La presse internationale salue ce matin le document du Vatican demandant la création d'une autorité unique de régulation des marchés." (ainda que não fornecendo indicações que não sejam de meios ligados à Igreja, em Itália e nos Estados Unidos da América). Considera o documento "Un texte d'une importance capitale, qui en France ne semble guère susciter beaucoup de réactions. Sur Internet, en revanche, beaucoup saluent ce texte en soulignant sa proximité idéologique avec la gauche".
Fornece o link para a versão francesa de Pour une réforme du système financier et monétaire international dans la perspective d’une autorité publique à compétence universelle". Por sua vez, o National Catholic Reporter, num trabalho de John C. Allen, alude à "tendency in Catholic circles to become obsessed with how much ecclesiastical authority the gesture or text in question carries". Por outro lado: "Focusing on how much papal muscle the note can flex, however, risks ignoring what is at least an equally revealing question: Whatever you make of it, does the note seem to reflect important currents in Catholic social and political thought anywhere in the world? The answer is yes, and it happens to be where two-thirds of the Catholics on the planet today live: the southern hemisphere, also known as the developing world".

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Vaticano denuncia "idolatria do mercado" e faz propostas para a crise financeira

Para a reforma do sistema monetário e financeiro internacional, no quadro de uma autoridade pública com jurisdição internacional" é o título de um documento hoje apresentado no Vaticano, produzido pelo Conselho Pontifício Justiça e Paz (CPJP).
O documento surge tendo como motivo imediato a próxima reunião dos países do G-20, na próxima semana em Itália e constitui uma denúncia contundente da "idolatria do mercado" e da ideologia neo-liberal, propondo, ao mesmo tempo, a criação de uma “autoridade pública" com competência universal, uma espécie de “Banco central mundial”.
A crise "obriga-nos a refazer o plano da nossa viagem, a dotarmo-nos de novas regras e a descobrir novas formas de compromisso, de modo a construir com base nas experiências positivas e a rejeitar as negativas", nota o texto.
O organismo da Santa Sé aponta para a “exigência de um organismo que desenvolva as funções de uma espécie de ‘Banco central mundial’ que regule o fluxo e o sistema das trocas monetárias, da mesma forma que os Bancos centrais nacionais”.
Em causa estão “os sistemas de câmbio existentes, para encontrar um modo eficaz de coordenação e supervisão” num processo que, para a Santa Sé, deve “envolver também os países emergentes e em via de desenvolvimento”.
O documento cita a encíclica ‘Caritas in veritate’, de Bento XVI, para apelar a uma “autoridade pública mundial” que seja capaz de favorecer a criação de “mercados livres e estáveis, disciplinados por um quadro jurídico adequado”.
O mercado financeiro global, “que cresceu muito mais rapidamente do que a economia geral”, deve ser colocado sob o controlo de um “número mínimo de regras partilhadas”, entende o CPJP, que lamenta a falta de controlo sobre movimentos de capitais e a “desregulamentação das atividades bancárias e financeiras”.
Entre as possíveis medidas a tomar apresentam-se “medidas de taxação das transações financeiras” destinadas também a “contribuir para a constituições de uma reserva mundial, destinada a apoiar as economias dos países atingidos pela crise, bem como para o resaneamento do seu sistema financeiro e monetário”.
Uma eventual recapitalização dos bancos, com recurso a fundos públicos, deve ser condicionada pela promoção de “comportamentos ‘virtuosos’ e destinados a desenvolver a economia real”.
Lembrando que mais de mil milhões de pessoas vivem hoje com pouco mais de um dólar por dia, o Vaticano afirma que “as desigualdades aumentaram enormemente” no mundo de hoje.
Caso não se encontre “um remédio” para as injustiças que afligem o mundo, o CPJP teme que “os efeitos negativos” que daí derivariam para o plano social, político e económico possam “gerar um clima de crescente hostilidade e, no final, de violência”, chegando mesmo a “minar as próprias bases das instituições democráticas, mesmo das que se consideram mais sólidas”.
Entre as causas da atual crise, o Vaticano aponta o “liberalismo económico sem regras e sem controlo”, situação já enunciada em 1967, pelo Papa Paulo VI, com a sua encíclica ‘Populorum progressio’.
No documento referem-se ainda “três ideologias devastadoras” com responsabilidades na crise - “utilitarismo, individualismo e tecnocracia” – e assinala-se que a situação económica e financeira se deve a “comportamentos de egoísmo, avareza coletiva e açambarcamento de bens em larga escala”.
A nota oficial foi apresentada em conferência de imprensa, no Vaticano, pelo presidente do CPJP, cardeal Peter Turkson, que a considerou como um “contributo” para a próxima reunião do G-20, entre 3 e 4 de novembro em Cannes (França), a respeito da necessidade de uma “ação de conjunto”.
Fonte: Ecclesia/OC Para a leitura de uma versão não oficial do documento em inglês, clicar AQUI.

domingo, 23 de outubro de 2011

Se bem pergunto...


Respondendo ao desafio do PÚBLICO, o professor de Economia da Universidade de Coimbra Elísio Estanque dirigiu uma pergunta ao presidente da República, que poderia muito bem ser igualmente dirigida ao Governo, à Assembleia da República e, já agora, à Igreja Católica que deveria ter uma voz particularmente relevante nesta matéria:
"O Presidente da República, preocupado que está com a 'equidade fiscal', concorda com uma taxação progressiva que  incida mais sobre os rendimentos mais elevados e que os mais  ricos devem contribuir mais para superar crise? Não acha que as grandes fortunas têm sido poupadas? E os nossos jovens? Acha bem que emigrem ou é preferível que protestem?"
O reverso é-nos dado pelo editorial também da edição de hoje do mesmo diário:

"10% dos trabalhadores portugueses recebem o salário mínimo nacional ou menos. Nos sectores têxtil, do vestuário e do calçado, a maior parte das pessoas ganha apenas três, quatro ou dez euros acima do salário mínimo. Os working poor são mais de 12% dos 1,8 milhões de pessoas em risco de pobreza.
A estes é possível antecipar que um novo grupo se junte em 2012. São os portugueses que nas estatísticas oficiais são considerados de classe média: os 2,5 milhões de trabalhadores que hoje ganham entre 700 e 800 euros por mês. Alguns — ou muitos — vão tornar-se working poor".

Mudar de vida, segundo Edgar Morin

O filósofo Edgar Morin, actualmente quase com 90 anos, acaba de publicar na editora Fayard, um novo livro intitulado "La Voie. Pour l'avenir de l'humanité".
No contexto de um dossiê intitulado "À quoi pensent les philosophes", deu uma entrevista à publicação Sciences Humaines, na qual enfatiza a necessidade e urgência de uma mudança de vida e a procura de uma "nova arte de viver". Essa mudança assentaria em princípios como o primado da qualidade sobre a quantidade e do ser sobre o ter, a associação da necessidade de autonomia e de comunidade e a busca da poesia da vida em torno do amor que "é o nosso valor, mas também a nossa verdade suprema".
Tais princípios gerais passam, segundo Morin, por afrontar a tirania do tempo, uma maior conjugação da razão com a paixão, o conhecimento e auto-crítica de si, a desintoxicação face a todas a formas de dependência do consumo.
"A reforma de vida - acrescenta - deve comportar simultaneamente duas profundas aspirações complementares: a afirmação do 'eu' em liberdade e responsabilidade, e a integração do 'nós' que estabelece a ligação ao outro em simpatia, amizade, amor".

O texto da entrevista pode ser lido AQUI.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Solidariedade sim, mas com justiça social

Perante a situação dramática em que se encontra a economia do país, temos vindo a assistir, na sociedade e na Igreja, a um discurso que, sob a capa da "inevitabilidade" de algumas medidas, pretende que não há alternativas e que quem é vítima delas deve "comer e calar", em nome do "bem comum". Para atenuar casos extremos, lá estariam as obras de caridade e as instituições de solidariedade, nomeadamente as católicas, confiantes no apoio de um governo "mais favorável à Igreja".
Esta "doutrina", velha e relha, como todos sabemos, esquece um princípio a que as democracias modernas aderiram e que a doutrina social da Igreja defende e que é o da justiça social.
As políticas brutais que estão a ser aplicadas e que se vão agravar nos próximos anos não nos podem atirar para uma posição de aceitação resignada. Não podem impedir-nos de pensar, de analisar os valores e critérios em que assentam. Não vale tudo, em nome do saneamento necessário das finanças públicas, porque, a coberto de um objectivo aparentemente louvável, podem estar a cometer-se as maiores injustiças sociais. Daí que importa saber:
- O que se está a exigir sobretudo aos segmentos economica e socialmente mais débeis da população exige-se proporcionalmente aos grupos e sectores mais abastados?
- Está-se a considerar devidamente o alcance e a eficácia das medidas propostas? Tem-se em conta outros modos de analisar e de propor soluções para a presente crise?
- Existem razoáveis garantias de que o caminho que está a ser seguido não vai agravar as desigualdades sociais e deixar um ainda maior desequilíbrio entre o capital (nomeadamente financeiro) e o trabalho?

As notícias abaixo poderão ajudar a ver modos distintos de nos posicionarmos nestas matérias:

OE 2012: Geração de sacrifícios
Lusa Lisboa, 18 out 2011 (Ecclesia) – João César das Neves considera que a forma como Portugal encarar os sacrifícios pedidos, no atual período de crise, será “decisiva” para a sustentabilidade financeira do país. 
“Se mergulhar em contestação como os gregos, não haverá solução senão falir. Se suportar os sacrifícios e procurar novas soluções vencerá a crise. Este é o grande desafio desta geração”, defende o economista, na edição desta terça-feira do Semanário Agência ECCLESIA. 
Para o atual professor da Universidade Católica Portuguesa, a perda de “credibilidade externa”, nos últimos três anos, conduziu a nação a um cenário de “medidas dolorosas”, prefiguradas num Orçamento de Estado para 2012 que “parece mau demais para ser verdade”.
Além de promover a subida do IVA em “muitos bens de taxa reduzida”, o Governo apostou na redução de despesas relacionadas com o aparelho de Estado, cortando os “subsídios de férias e de Natal de funcionários públicos e pensionistas acima de certo nível de receita”. 

João César das Neves reconhece que este tipo de “medidas extraordinárias” representa um “violentíssimo esforço de ajustamento” das contas.
No entanto, sair deste caminho seria “admitir à partida a inevitabilidade da derrocada financeira”, o que só conduziria a “cortes imediatos ainda mais drásticos”, acrescenta. 

Recordando a “repetida” incapacidade do Governo em escapar à recessão económica, “simbolizada” na ineficácia de quatro Programas de Estabilidade e Crescimento, o economista espera que o atual Orçamento seja “justificado” através da desejada descida do défice, exigida pela troika.
Agora, “na ausência de mais truques, será dos reais 7,7 % que temos de descer em 2012 para chegar aos pretendidos 4,5% da meta desse ano”, conclui. 
JCP  

Pobreza: Organizações sociais reclamam políticas que puxem Portugal «para a frente» 
Lisboa, 18 out 2011 (Ecclesia) – Algumas das principais organizações portuguesas de solidariedade social aproveitaram esta segunda-feira a celebração do 18º Dia Mundial de Erradicação da Pobreza para pedir ao poder político uma maior intervenção a favor dos mais desfavorecidos. Em entrevista ao programa ECCLESIA, o diretor executivo da CAIS colocou o dedo na ferida, afirmando que a questão da pobreza “não está na agenda de quem tem poder para resolver, tomar decisões e puxar para a frente”. “Temos de ir pelas políticas, os direitos têm de ser salvaguardados, os deveres também, não podemos deixar a cada um fazer o que pode, porque isso não resolverá nunca”, apontou Henrique Pinto. 
Para aquele responsável, Estado e “instituições sociais no terreno” têm cometido o erro de combater a crise, a pobreza e a exclusão social através de soluções temporárias, em vez de garantirem medidas mais definitivas.
“Vamos remendando buracos, pondo pensos ali e além, dando sopas, roupa, encaminhando pessoas para os serviços de saúde, mas não estamos a ir à causa dos problemas”, reforçou.
No entender da EAPN Portugal – Rede Europeia Anti-Pobreza, descobrir as causas da pobreza tem de passar, antes de mais, por “dar maior visibilidade” a este fenómeno, recorrendo ao trabalho voluntário e às “novas tecnologias de informação”.Uma conclusão saída do III Fórum Nacional de Pessoas em Situação de Pobreza e/ou Exclusão Social, que aquela associação de solidariedade organizou esta segunda-feira, no Porto.
Cerca de um centena de pessoas em situação mais desfavorecida foram convidadas a refletir sobre a crise, os seus principais desafios e soluções a aplicar.
Depois desta fase preparatória, o debate centrou-se em quatro áreas principais: emprego/desemprego, prestações sociais, habitação e o papel do voluntário na luta contra a pobreza.
Outra das soluções propostas pelo Fórum foi a promoção de uma “interlocução dos cidadãos desfavorecidos e das organizações sociais junto do Governo e/ou das instâncias europeias, no sentido de criar mecanismos que contribuam para a diminuição das desigualdades sociais”.
Segundo o diretor da CAIS, para além da definição de novas políticas, falta também “reconstruir” todo um sentimento de comunidade, que hoje se perdeu no meio de um autêntico “apartheid social”.
“Estamos cada vez mais a viver num pais onde criamos serviços para quem é pobre, a custo social, e temos preços para quem é rico. Isto divide o país, coloca pessoas numa situação de segunda, terceira classe, e outras em primeira classe”, lamentou.(...) 
D.R.  

Mãos ao ar! 
No país que já era o mais desigual da Europa Ocidental, o que o Governo de Passos Coelho faz, com o OE para 2012, é um verdadeiro assalto fiscal às classes médias ("suicídio assistido" lhe chama o economista e professor do ISCTE Sandro Mendonça) e aos mais pobres, enquanto poupa aos sacrifícios "para todos" bens de luxo como jóias, casas sumptuosas ou carros de alta cilindrada; as próprias subvenções vitalícias aos políticos escapariam se alguns media, JN incluído, não tivessem denunciado ontem o caso. A consultora PwC [PricewaterhouseCoopers] fez as contas e concluiu que, se os contribuintes de baixos rendimentos verão em 2012 a carga fiscal agravada em relação a 2011, os de maiores rendimentos vê-la-ão, em contrapartida, amplamente reduzida. Citada pela edição online do "Expresso", a consultora apurou que contribuintes solteiros com rendimentos inferiores a 1500 euros irão pagar em 2012 mais 8% de IRS do que em 2011 enquanto os que auferem 3 000 ou mais pagarão... menos 8,9%. E o mesmo com os contribuintes casados: rendimentos até 2 500 euros (casais onde só um ganha) vêm agravado o IRS, ao passo que rendimentos de, por exemplo, 6 000 euros pagarão... menos 5,2%; e, do mesmo modo, casais com dois titulares a ganhar até 2 000 euros pagarão mais e os que ganharem acima disso pagarão menos.  Já toda a gente tinha percebido mas é sempre instrutivo verificar que os especialistas (e os números) corroboram o sentimento geral. [Manuel António Pina, Jornal de Notícias, 19.10.2011]
ACTUALIZAÇÃO:

domingo, 16 de outubro de 2011

À procura da Palavra - TAMBÉM O AZUL É DE DEUS


"Dai a César o que é de César,
e a Deus o que é de Deus".

Evangelho de São Mateus 22, 21
Domingo XXIX do Tempo Comum


Eis a palavra de Jesus mais utilizada, ao longo da história, pelos políticos e senhores do mundo: o que é de César não é de Deus! Nasce assim dupla tentação de confinar a fé à sacristia e remetê-la à esfera privada ou de estabelecer a supremacia do altar sobre o trono. Interpretam-se as palavras ao jeito do freguês: César manda e dispõe no mundo, Deus pode mandar no céu e naquilo que é espiritual! Faz lembrar a anedota do homem que prometeu a Deus, para os pobres, uma grande quantidade de dinheiro se lhe saísse a lotaria; quando foi premiado, diante da montanha de notas, disse: “Olha, Senhor, agora vou atirar todo este dinheiro ao ar; as notas que tu apanhares podes dá-las aos pobres, as que caírem no chão são para mim!”A armadilha que os fariseus estendem a Jesus vira-se contra eles: a imagem gravada na moeda é do imperador, mas a imagem gravada no íntimo de cada pessoa é não é a do próprio Deus?


Jesus não vem trazer um projecto político nem impor um modelo de organização da sociedade. Como sempre, Deus gosta da nossa aprendizagem e da liberdade das nossas escolhas. Vem, sim, revelar a grandeza e dignidade de cada pessoa que tem de ser a base do viver em comum. E promove a unidade entre a fé e a vida quotidiana. Porque havemos sempre de fazer compartimentos? “Esta gaveta é a do trabalho, esta a da família, esta do lazer, e esta dos amigos de sexta à noite, esta do partido político, e esta da missa de domingo”! A vida é um todo e precisamos de estar nela com a totalidade de nós mesmos. Então, os discípulos de Jesus Cristo não podemos passar ao lado da intervenção política e social, não podemos deixar-nos alienar por espiritualismos que pedem a Deus o que está nas nossas mãos mudar, não podemos desistir de promover a paz e a justiça. Dar a Deus o que é d’Ele é dar o amor que compromete e constrói, a verdade que liberta e impulsiona, a beleza que maravilha e salva, a todos os seus filhos!


Ofereceram-me há dias os “fados & canções do Alvim” e não me canso de os ouvir. O guitarrista Fernando Alvim, que durante 25 anos acompanhou Carlos Paredes, oferece nestes discos a magia de uma música que
enche a alma de graça. Convocando amigos para escreverem e cantarem as suas músicas, em “alguns brindes à vida”, faz-nos este desafio: “Vamos sempre a tempo de concretizar sonhos e realizar projectos”! Do azul dos seus olhos e da magia das suas mãos nascem melodias que, para mim, também são “dar a Deus o que é de Deus”. Porque não se trata de devolver o que se recebeu, mas de dar o que se criou e recriou, os laços e a história cheia de beleza de cada um, as possibilidades realizadas e sempre o azul que habita em nós. E ainda que alguns teimem em pintar tudo de negro, acredito que trazemos tanto azul!

(Comentário aos textos da liturgia católica, publicado na edição da Voz da Verdade de 16.10.2011 . imagem tirada daqui )

sábado, 15 de outubro de 2011

De Jesus a Jesus Cristo

Da coluna de Anselmo Borges, no Diário de Notícias de hoje:
"(...) Para os crentes, se Jesus não fosse o Cristo, não passava de mais um combatente bom pela Humanidade e um revolucionário crucificado. Há, porém, um outro perigo, mais subtil: o de se ficar apenas com o Cristo Senhor glorificado, esquecendo o Jesus histórico de Nazaré, e o que ele queria, e o que ele fez, numa mensagem e comportamento que o levaram à cruz.
(...)
Este é que pode ser e tem sido o grande esquecimento [o que se passou entre o nascimento e a morte na cruz]. Tudo começou em São Paulo, que não tinha conhecido o Jesus histórico e, assim, só contactou com o Jesus glorificado, o Senhor, o Kyrios. Foi este Jesus Kyrios (Senhor) que ocupou o centro no quadro de interesses imperiais, como é sabido desde Constantino, e que acabou por legitimar poderes, domínios, guerras, uma Igreja senhorial.
Pensou-se então que bastava prestar-lhe culto -missas, procissões, adorações ao Santíssimo... -, sem a exigência de segui-lo no seu Evangelho do Reino de Deus, no que ele quis e fez com os pecadores, as mulheres, os estrangeiros, na relação com o dinheiro, com a política, os pobres, Deus e a religião. O cristão não precisaria de converterse.
Há um texto terrível do filósofo agnóstico Max Horkheimer, um dos fundadores da Escola Crítica de Frankfurt: "Jesus morreu pelos homens, não podia guardar-se para si próprio avaramente e pertencia a tudo o que sofre. Os Padres da Igreja fizeram disso uma religião, isto é, fizeram uma religião, que também para o mal (moral) era uma consolação. Desde então isso teve um êxito tal no mundo que pensar em Jesus nada tem a ver com a acção e ainda menos com os que sofrem. Quem lê o Evangelho e não vê que Jesus morreu contra os seus actuais representantes não sabe ler."
Para ler o texto integral: AQUI

Sobre o roubo da democracia e a (in)utilidade dos políticos

Há dois séculos, as sociedades não tinham direito a escolher os seus governantes. Foram conquistando esse direito progressivamente. Há 100 anos, em Portugal, a República ainda recusava o direito de voto a mais de metade da população - as mulheres. A sociedade foi conquistando progressivamente esse direito. Que lhe permitiu ganhar o direito a dar cada vez mais voz às pessoas, naquilo que à vida das pessoas diz respeito.

Hoje, a democracia está a ser usurpada aos cidadãos pelo poder financeiro. Os políticos, eleitos pelas populações para, supostamente, gerir os diferentes interesses sociais em conflito, demitiram-se do seu papel de árbitros e representantes de todos, para assumir a defesa de um único segmento das sociedades - o do sistema financeiro, dos "mercados" considerados como entidade abstracta, alheia a quaisquer interesses ideológicos, materiais ou económicos.

Perante este quadro, os cidadãos têm que exigir a devolução do que lhes está a ser roubado. Têm que exigir a restituição da democracia, do direito a fazer escolhas, do direito a eleger políticos que os representem e não os desprezem sobramceiramente. Porque, se assim não for, políticos e governantes não terão, então, qualquer utilidade para os cidadãos - poderíamos, até, dispensá-los, com isso contribuindo para mais uma poupança nos orçamentos dos estados...

Perante este quadro, hoje, cidadãos de todo o mundo estão já a fazer ouvir a sua voz. Desde o centro financeiro de Wall Street às ruas de várias cidades portuguesas, os cidadãos do mundo estão a dizer que querem que as suas vidas sejam decididas por quem é escolhido e não pelos poderes que querem permanecer na sombra. Mesmo sabendo que, nas manifestações de hoje haverá muitas ideias diferentes, diversas estratégias e motivações plurais, elas serão a voz dos cidadãos que querem ver-lhes devolvida a dignidade.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

O Pluralismo Religioso numa Europa Secularizada

O Pluralismo Religioso numa Europa Secularizada é o tema de um seminário a ter lugar na próxima terça-feira, no Centro de Estudos Sociais (CES), em Coimbra, no qual intervém Vinoth Ramachandra, Secretary for Dialogue & Social Engagement for the International Fellowship of Evangelical Students. A intervenção contará com comentários de Anselmo Borges (Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra) e José Manuel Pureza (CES da Faculdade de Economia da mesma instituição). O evento decorrerá a partir das 17h00, na Sala 1 do Centro de Estudos Sociais.Informações sobre quem é Vinoth Ramachandra: AQUI.

Novo bispo de Bragança na "Grande Entrevista"


Hoje, às 21h00, o novo bispo de Bragança-Miranda, D. José Cordeiro, vai ser o convidado do programa “Grande entrevista”.
Posteriormente, o vídeo deste momento televisivo poderá ser visto aqui.
A propósito: o mesmo canal exibe também hoje, mas pelas 23h36, o segundo episódio do documentário “Fátima e o mundo”, realizado por Manuel Arouca. Mais informações aqui.

ACT.: Devido à comunicação do primeiro ministro e às repercussões ds medidas de choque anunciadas, a entrevista foi adiada "para data oportuna".


domingo, 9 de outubro de 2011

Luís Archer, padre jesuíta e pioneiro da genética em Portugal

O padre jesuíta Luís Archer, pioneiro da investigação genética em Portugal, morreu este sábado, em Lisboa, aos 85 anos. Luís Archer dedicou-se à investigação científica depois de aceitar, contrariado, o que os superiores lhe pediram. Homem culto, educado e delicado, fez uma carreira brilhante como cientista e acabou por ser uma voz também pioneira no restabelecimento da relação entre fé e ciência. Aqui está uma entrevista que lhe fiz em Dezembro de 2006, para a "Pública". E aqui está o texto de D. Manuel Clemente por altura da entrega do Prémio Manuel Antunes, com ligação para outros textos da mesma ocasião.
(Foto de Rui Gaudêncio/Público)

sábado, 8 de outubro de 2011

Um Nobel da Paz no feminino e inspirado pela fé

Uma das laureadas com o Prémio Nobel da Paz, Leymah Gbowee, activista liberiana que ajudou o seu país a sair de uma brutal guerra civil, disse nesta sexta-feira que a melhor maneira de conseguir a paz é começar nas pequenas comunidades locais.

De acordo com uma notícia do serviço de informação do Conselho Mundial de Igrejas, Gbowee afirmou, no Interchurch Center de Nova Iorque: “É altura de fazermos justiça nas nossas comunidades. Um dia, os problemas do mundo irão bater à nossa porta.”

A activista tinha já marcada a sua participação num evento organizado pelo Conselho Nacional de Igrejas dos Estados Unidos, para o momento em que foi anunciado o prémio. Citando os exemplos de militantes da causa da paz e da justiça, Gbowee referiu Martin Luther King e o arcebispo Desmond Tutu. E acrescentou, sempre de acordo com a mesma fonte, que não acredita que seja possível a prática da não-violência sem qualquer relação com um poder superior: “A minha fé ajudou-me efectivamente”, afirmou Leymah Gbowee, que integra a Igreja Luterana da Libéria.

Além de Gbowee, o Nobel da Paz deste ano foi atribuído à actual Presidente da Libéria, Ellen Johnson Sirleaf e à militante iemenita Tawakkul Karman, que tem liderado a oposição ao ditador Ali Abdullah Saleh.

Leymah Gbowee, que organizou um grupo de mulheres cristãs e muçulmanas para desafiar os senhores da guerra na Libéria, foi distinguida pelo Comité Nobel por ter conseguido ultrapassar fronteiras étnicas e religiosas, mobilizando as mulheres para a paz e a participação nas eleições. Trabalhou com pessoas que viviam situações traumáticas, incluindo antigas crianças-soldado. A guerra civil liberiana terminou em 2003, após o que Johnson Sirleaf foi eleita.

A experiência de Gbowee está relatada num livro – com o título “Mighty Be Our Powers: How Sisterhood, Prayer, and Sex Changes a Nation At War” (Fortes são os nossos poderes: como a fraternidade [de irmãs], a oração e o sexo mudam uma nação em guerra”) – e será apresentada num documentário que terá a sua estreia no dia 11, na estação pública de televisão dos EUA.
(Serviço de Informação do Conselho Mundial de Igrejas)

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

À procura da Palavra - A FESTA COMPROMETE

"Ide às encruzilhadas dos caminhos e convidai para as bodas todos os que encontrardes."

Evangelho de São Mateus 22, 9
Domingo XXVIII do Tempo Comum

Não há festa humana sem um petisco ou uma boa refeição. E as palavras trocadas tornam-se mais profundas quando comemos juntos. Nascemos com fome e com sede, e dos berros do bebé que procura a mama da mãe, aos últimos desejos do moribundo que saboreia um caldinho pela última vez, a nossa vida anda entrelaçada com a comida. Fazemos da culinária uma arte e preparar o alimento para quem amamos tem algo de sacramental. Mas também continua a ser uma das grandes desumanidades neste novo milénio haver pessoas a morrer de fome (cerca de mil em cada hora!) num mundo de tanta abundância. Não podia, pois, Deus revelar-se sem que se pusesse à mesa connosco, nos comprometesse com a fome dos irmãos, e preparasse para todos o banquete do seu amor.

Jesus escandalizou os legalistas do seu tempo com as refeições que tomava com os pecadores, e sentimos a sua alegria ao entrar na casa de Marta e Maria, ou na de Zaqueu, o cobrador de impostos. Muitas das suas palavras têm o cheiro da mesa em que foram pronunciadas, ou da colina onde multiplicou os pães e os peixes. É o banquete a partir da pobreza e aberto aos pobres, onde não há senhores nem servos, mas irmãos. E a ceia pascal tornou-se o encontro essencial da Igreja, em que Ele mesmo se dá como alimento no pão e no vinho, tornados seu corpo e sangue. Comungar Jesus é comungar do seu amor e da sua acção para que ninguém passe fome, nenhuma espécie de fome. Como não havia de escandalizar a parábola da boda das festas nupciais do filho do rei? E será que perdeu actualidade?

D. Helder Câmara, o arcebispo de Olinda-Recife no Brasil sonhava com o ano 2000 sem fome. Dizia: “A fome dos outros condena a civilização dos que não têm fome” e também, “o verdadeiro cristianismo rejeita a ideia de que uns nascem pobres e outros ricos, e que os pobres devem atribuir a sua pobreza à vontade de Deus.” Se o banquete do evangelho é aberto a todos, isso também significa a participação e responsabilidade de todos. Não é indiferente trazer ou não a veste nupcial: é como quando dizemos “vestir a camisola”. Trazer a veste baptismal significa fazer a opção fundamental de viver e amar como Jesus Cristo, neste mundo e nas circunstâncias actuais. Insiste D. Hélder: “Todo homem, cada homem, é responsável pelo destino da humanidade por suas ações e omissões”. Assim o banquete da Eucaristia prolonga-se na vida que se faz alimento, que é partida aos bocadinhos como o pão e saboreada em goles como o vinho. Como tudo o que é bom, quando se acumula apodrece, quando se dá, multiplica-se.

(Comentário aos textos da liturgia católica, publicado na edição da Voz da Verdade de 09.19.2011 - imagem tirada daqui)

sábado, 1 de outubro de 2011

À procura da Palavra - INQUIETAÇÃO

Não vos inquieteis com coisa alguma.”

(Carta aos Filipenses 4, 6
Domingo XXVII do Tempo Comum)

Este convite de São Paulo aos Filipenses não é um apelo a ficar a olhar para o céu à espera que chova do alto a resolução de todos os problemas. A inquietação que se vivia naquele tempo relacionava-se com o acolhimento ou não dos valores da civilização pagã greco-romana. Ser fiel ao Evangelho e à condição humana irá ser sempre uma questão a responder em cada época. Porque as tentações de “ficar numa redoma” ou de “tudo ser a mesma coisa” são constantes. S. Paulo apresenta uma solução profunda e simples: “tudo o que é verdadeiro e nobre, tudo o que é justo e puro, tudo o que é amável e de boa reputação, tudo o que é virtude e digno de louvor é o que deveis ter no pensamento.” Não é um bom programa para algumas das nossas inquietações?

É verdade que há inquietações importantes para o viver. Perguntas, ideias como lampejos de uma luz que quer crescer, possibilidades novas, pequenos “big-bangs” de vida. É o “ser mais” que se agita dentro de nós e desafia a tentação da inércia e do acomodamento. José Mário Branco canta algo assim: “Cá dentro inquietação, inquietação.../ Há sempre qualquer coisa que eu tenho de fazer / qualquer coisa que eu devia resolver / porquê, não sei / Mas sei / Que essa coisa é que é linda”. Não são as inquietações do medo e do desespero (que também existem e esburacam a alma), da pobreza e da falta de dignidade (que nos pedem inquietação para encontrar caminhos novos de dádiva e caridade), das dívidas e da economia (que revelam a fragilidade e interdependência do nosso mundo). Estar atento às inquietações não pode significar deixarmo-nos afogar nelas!

Conta-se que o bom Papa João XXIII, a um bispo que lhe desabafava os cansaços e desânimos, lhe respondeu: "Olha irmão, sei muito bem o que sofre porque eu, muitas vezes, senti o mesmo: um grande cansaço. Quando isso me acontece, busco refúgio na oração e fico consolado. Uma vez, enquanto rezava, abatido, pareceu-me ouvir uma voz que me animava dizendo: "Angelo, não tomes a vida tão a sério". Dei ouvidos à voz e, a partir de então, enchi-me de tranquilidade e sossego. Faça o mesmo e verá". A serenidade de João XXIII está patente no seu "Decálogo", revelador de uma profunda confiança no amor de Deus e de amor à vida, em que cada instante é oportunidade feliz para o bem, o belo e a verdade. Se até da pedra rejeitada pelos homens que é Cristo, Deus constrói comunhão com a humanidade, como não nos abraçaria neste peregrinar de curvas e contracurvas, vitórias e derrotas que é a nossa vida? Lembra-nos Santa Teresa de Ávila: "Só Deus basta"!

(Comentário aos textos da liturgia católica, publicado na edição da Voz da Verdade de 02.10.2011
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