O mapa dos bispos
Manuel Pinto
Se quiséssemos procurar exemplos para justificar a actualidade da Nota Pastoral dos bispos portugueses divulgada há dias, não haveria quase dia em que não encontrássemos pano para mangas.
O documento, intitulado «Responsabilidade Solidária pelo Bem Comum», chama a atenção, em primeiro lugar, pela clareza da linguagem e pela pertinência dos assuntos que aborda. Destaca-se ainda pelo seu carácter positivo, aberto, construtivo e até didáctico. Os bispos são certeiros ao fazer o elenco daquilo a que chamam «pecados sociais»: os egoísmos individualistas, o consumismo, a corrupção, a desarmonia do sistema fiscal, a irresponsabilidade na estrada, a exagerada comercialização do fenómeno desportivo, e a exclusão social. Os comportamentos e atitudes que estão por detrás destes «pecados» exigem «uma conversão à solidariedade responsável na construção do bem comum». A frase, em si mesma, faz parte da gíria eclesiástica e, se por aqui ficasse, pouco traria de novo. Ora o Episcopado traduz o fraseado para o concreto, mostrando os problemas e as linhas do que pode ser feito na família, na escola, na economia, nos impostos, na circulação rodoviária, no ambiente, na comunicação social. E terminam com outra conta de sete «sinais positivos, imbuídos de esperança e de responsabilidade dos cidadãos, que necessitam de ser continuamente revitalizados».
Enquanto os bispos propunham este mapa de referências éticas para a vida pública, voltamos a ver aflorar, nos últimos dias, o discurso cruel e demagógico de sectores políticos que, para agradar a segmentos mais impressionáveis do eleitorado, não hesitam em acenar com o papão dos emigrantes, em vez de apelar ao dever da solidariedade da parte de quem já demandou, às centenas de milhar, terras estrangeiras.
É apenas um sinal entre muitos que ganham outro sentido à luz do alerta e do apelo ao compromisso pelo bem comum lançado pelos bispos.
Falta na Nota, a meu ver, um ponto que me parece fundamental, sobre o urbanismo e o cuidado da cidade enquanto espaço de vida e de encontro e não de sobrevivência e de morte. Falta talvez uma maior atenção às assimetrias regionais e ao abandono do espaço rural. Falta ainda uma mais clara ênfase na dimensão global e transnacional de alguns dos problemas enunciados. Mas está ali um referencial incontornável de acção, para todos, independentemente do seu posto, do seu estatuto, do seu saber. A mim ficou-me nos ouvidos um alerta que já ouvira a Jorge Sampaio, no discurso do 25 de Abril: «Não se pode conceber um mercado livre sem limites. Tal é incompatível com os princípios orientadores da lei natural, da justiça social, dos direitos humanos e do bem comum».
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