quarta-feira, 21 de julho de 2004

O tratamento da morte de Lourdes Pintasilgo
 
O passado fim-de-semana foi marcado pela morte súbita da Eng.ª Maria de Lourdes Pintasilgo. Mulher de grande relevo em diferentes áreas da vida social, cultural e política, o seu testemunho de vida e a alegria e convicção que pôs naquilo em que se envolveu foi reconhecido até mesmo por aqueles que dela discordavam. Ficará como referência em campos como o reconhecimento do papel das mulheres na sociedade, o aprofundamento e enriquecimento da vida democrática e a renovação da experiência cristã.
Seria de esperar que, perante a morte de alguém de tal envergadura, para mais nas circunstâncias inesperadas e no contexto em que ocorreu, o ?Jornal de Notícias? desse ao caso o tratamento e o destaque que ele merecia, a exemplo de outros casos análogos recentes.
Ora o que verificámos é que isso não aconteceu. O tratamento foi pobre tanto do ponto de vista do destaque como do conteúdo. Essa percepção do provedor é partilhada pelo leitor Hermano Manuel P. Padrão que fez saber, por correio electrónico, o seu ?descontentamento (para dizer o mínimo)?, pelo tratamento dado à morte de alguém que foi ?única mulher que, neste País, assumiu o cargo de primeira ministra e, posteriormente, a única mulher que se candidatou à Presidência da República, reconhecida internacionalmente, participante em inúmeros ?foruns? com a nata intelectual ou política mundial?. ?Não merecia que o registo da sua morte merecesse um relevo tão parco no JN, mais chocante se o compararmos com o desaparecimento de outras duas figuras gradas do nosso País, as recentíssimas mortes do Prof. Sousa Franco e da nossa melhor Poeta, Sofia de Mello Breyner Andersen?, acrescentava o leitor.
O director de Redacção deste Jornal, interpelado pelo provedor, reconhece: ?A morte [de Lourdes Pintasilgo] coincidiu com a crise política e tratamo-la mal. A secção era a mesma, tivemos dificuldades em desviar gente?.
Fica dada a explicação, embora entenda ser discutível a opção de ocupar  páginas com desenvolvimentos de uma crise que, nos dias em referência, nem trouxe grandes novidades, deixando num plano secundário o tratamento de um acontecimento que teve repercussão inclusive internacional.Na linha de outros media, foi-se pela via mais óbvia, que consistiu em citar, na edição de domingo, os estafados depoimentos dos dirigentes político- partidários. E o que esta mulher significou em áreas tão diversas como as artes, os movimentos das mulheres, as ONG (organizações não governamentais)? Não teriam nada de porventura mais relevante a dizer? E o facto de nenhum bispo ter estado presente no funeral nem se ter pronunciado (com a honrosa excepção, uns dias depois, do bispo de Aveiro, numa ?carta ao director?) não era motivo de interesse jornalístico? Não se justificava que o JN tivesse tomado a iniciativa de interpelar a hierarquia católica?
in JN, 18.07.2004

segunda-feira, 12 de julho de 2004

Presença da ausência

Diz o Cibertúlia e eu não posso senão subscrever:
"Maria de Lourdes Pintasilgo teve hoje o aplauso de centenas de populares. Anónimos e conhecidos. Mas faltou um aplauso, uma mensagem, uma presença - a de um bispo (qualquer) que fosse da Igreja portuguesa. Pintasilgo não era uma católica ortodoxa, como porventura foi Sousa Franco, e não era A Voz, como foi Amália. Mas na sua heterodoxia foi inovadora e acolhedora de uma outra forma de ser Igreja. E, na sua simplicidade, foi a voz de deserdados ou desalinhados. O senhor cardeal-patriarca de Lisboa, que presidiu aos funerais de Sousa Franco ou Amália, para Pintasilgo não teve sequer uma palavra pública, nem enviou um dos seus bispos auxiliares à cerimónia deste domingo. Às vezes, é difícil ser Igreja nesta Igreja."

domingo, 11 de julho de 2004

Maria de Lourdes Pintasilgo (1930-2004)

Obrigado, agora, para sempre
"Descobri que certos homens e certas mulheres, com quem partilhamos a terra e o tempo históricos, através de um verso, de um canto, de uma frase, nos iluminam os caminhos por onde tentamos chegar mais longe e mais alto. E aí encontrei as razões de uma admiração, que não tinha do "pintasilguismo presidencial", de que aliás não comunguei.
Por isso, mais do que parabéns, lhe disse obrigado.
Obrigado, agora, para sempre, querida Maria de Lourdes".
Adelino Gomes

Maria de Lourdes
"O que mais me dói, minha Amiga, é saber que partiu na mágoa de um estranho momento da vida do seu país. Dói-me saber que a pressa que vestiu para a viagem, tenha sido ela própria tecida a fios de uma dor, fulminante de tão inconformada. Não o merecia, Maria de Lourdes, não o merecíamos.
Quero que saiba que os seus ensinamentos e exemplos permanecem muito vivos em mim e que, passado o desconcerto da notícia sobre a sua partida, ficaram hoje ainda mais reforçados como lição maior do que é o direito e o dever de cada um de nós de contribuir para o bem da res publica - da polis do nosso terreiro e da polis do grande quintal que é o mundo.
Falo do bem, minha Amiga, porque foi a dar-lhe brilho que sempre aplicou a sua inteligência, tão curiosa sobre todas as coisas, tão imaginativa, tão a favor das pessoas, sobretudo das que a seu favor pouco ou nada têm e pouco ou nada lhes é proposto que tenham.
Falo do bem, minha Amiga, porque o bem é uma categoria fundadora da vida privada e da vida pública dos homens e porque, com impúdica desonra e cobardia, muitos dos que em nosso nome falam e decidem, dão sinais de lhe ignorarem os atributos e as exigências.
Nesta hora de despedida, quero ainda que saiba, Maria de Lourdes, que me sinto credora da sua voz e que vou tentar merecer, sem desfalecimentos, o legado da sua herança".
Maria João Seixas

«Eis-nos sitiados»
«Deus não vem fazer aquilo que o homem não foi capaz de fazer (...). Deus deixa acontecer e toma à sua própria conta com as fatalidades da História como se tivesse provocado e querido. Deus da História, mesmo assim? Sem dúvida. Mas não do alto como um produtor de marionetas. Deus da História nos seus avanços e recuos. (...) E nós? No fundo de nós mesmos sentimo-nos sitiados . De todos os lados nos vem a imagem desoladora da nossa incapacidade para gerirmos o planeta, a nossa cidade, as nossas coisas, os nossos afectos . Que fazer então? Denunciar. Dizer. Enunciar os erros em que caímos, os becos sem saída deste mundo, do país da sociedade dos nossos afectos. Mas aí rebenta o grande escândalo (...) Porque nas sociedades entorpecidas por falsas visões não é tido por conveniente denunciar a injustiça, o erro, a ilusão. Nem sequer a zona mais íntima dos nossos afectos segue leis diferentes.»

Maria de Lourdes Pintasilgo
Do livro 'Dimensões da Mudança'

quarta-feira, 7 de julho de 2004

Quem sou eu?

"Quando, três ou quatro anos atrás, passou pelo Brasil, Jostein deu uma entrevista brilhante à TV Cultura de São Paulo. E a idéia forte em torno da qual se construiu a conversa foi essa de que ninguém descobrirá quem é se apenas olhar para si próprio. "
Carlos Chaparro
in Comunique-se, 1.7.2004

sexta-feira, 2 de julho de 2004

Sophia

"Sozinha caminhei no labirinto
Aproximei o meu rosto do silêncio e da treva
Para buscar a luz de um dia limpo"