O tratamento da morte de Lourdes Pintasilgo
O passado fim-de-semana foi marcado pela morte súbita da Eng.ª Maria de Lourdes Pintasilgo. Mulher de grande relevo em diferentes áreas da vida social, cultural e política, o seu testemunho de vida e a alegria e convicção que pôs naquilo em que se envolveu foi reconhecido até mesmo por aqueles que dela discordavam. Ficará como referência em campos como o reconhecimento do papel das mulheres na sociedade, o aprofundamento e enriquecimento da vida democrática e a renovação da experiência cristã.
Seria de esperar que, perante a morte de alguém de tal envergadura, para mais nas circunstâncias inesperadas e no contexto em que ocorreu, o ?Jornal de Notícias? desse ao caso o tratamento e o destaque que ele merecia, a exemplo de outros casos análogos recentes.
Ora o que verificámos é que isso não aconteceu. O tratamento foi pobre tanto do ponto de vista do destaque como do conteúdo. Essa percepção do provedor é partilhada pelo leitor Hermano Manuel P. Padrão que fez saber, por correio electrónico, o seu ?descontentamento (para dizer o mínimo)?, pelo tratamento dado à morte de alguém que foi ?única mulher que, neste País, assumiu o cargo de primeira ministra e, posteriormente, a única mulher que se candidatou à Presidência da República, reconhecida internacionalmente, participante em inúmeros ?foruns? com a nata intelectual ou política mundial?. ?Não merecia que o registo da sua morte merecesse um relevo tão parco no JN, mais chocante se o compararmos com o desaparecimento de outras duas figuras gradas do nosso País, as recentíssimas mortes do Prof. Sousa Franco e da nossa melhor Poeta, Sofia de Mello Breyner Andersen?, acrescentava o leitor.
O director de Redacção deste Jornal, interpelado pelo provedor, reconhece: ?A morte [de Lourdes Pintasilgo] coincidiu com a crise política e tratamo-la mal. A secção era a mesma, tivemos dificuldades em desviar gente?.
Fica dada a explicação, embora entenda ser discutível a opção de ocupar páginas com desenvolvimentos de uma crise que, nos dias em referência, nem trouxe grandes novidades, deixando num plano secundário o tratamento de um acontecimento que teve repercussão inclusive internacional.Na linha de outros media, foi-se pela via mais óbvia, que consistiu em citar, na edição de domingo, os estafados depoimentos dos dirigentes político- partidários. E o que esta mulher significou em áreas tão diversas como as artes, os movimentos das mulheres, as ONG (organizações não governamentais)? Não teriam nada de porventura mais relevante a dizer? E o facto de nenhum bispo ter estado presente no funeral nem se ter pronunciado (com a honrosa excepção, uns dias depois, do bispo de Aveiro, numa ?carta ao director?) não era motivo de interesse jornalístico? Não se justificava que o JN tivesse tomado a iniciativa de interpelar a hierarquia católica?
in JN, 18.07.2004
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