Falta uma reflexão metódica sobre as grandes figuras da cultura contemporânea
José Jorge Teixeira Mendonça, 60 anos, professor
1. As transformações sociais das últimas décadas e as suas causas complexas tiveram uma multiplicidade de consequências correspondentes aos diferentes contextos em que se deram e à atitude dos sujeitos colectivos e individuais no seu modo específico de sentir e agir. Correndo o risco de simplificar, que pode ser redutor, entendo que o que está em questão é sobretudo o modo como cada um se vive a si próprio vivendo o seu contexto: na “neutralidade” anónima da terceira pessoa [on, it, es]ou na afirmação criticamente lúcida da primeira pessoa. Sejam quais forem as circunstâncias, o modo de os grupos e os indivíduos viverem pode ser estéril ou fecundo. E neste domínio não há “fecundação artificial” que possa disfarçar a esterilidade onde a houver.
2. A Igreja, enquanto Povo de Deus, pode fazer uma leitura dos sinais dos tempos alicerçando-se na oração [comunhão com Deus; felizmente - na relação com Deus - Ele não permite que se confunda comunhão com fusão] que, usando uma feliz expressão de Spinoza, proporciona uma visão do real sub specie aeternitatis. Nesta leitura dos sinais dos tempos, o Povo de Deus deve levar a sério as diferentes culturas (nas suas tão diversificadas expressões) para, num diálogo mutuamente interpelante, honrar a obra da criação que cabe a toda a humanidade continuar até à sua conclusão no fim da História. Assim sendo, a secularização é um sinal dos tempos que traduz o respeito pela autonomia das realidades terrestres. A secularização também constitui hoje o horizonte no qual a questão de Deus não é uma resposta “natural” mas antes uma questão existencial inerente à pergunta sobre o sentido da vida. Cada ser humano vive a sua própria vida como pergunta sobre este sentido que, para cada um, não está previamente constituído.
3. No número 5 do segundo capítulo dos Lineamenta, há uma expressão que bem pode exprimir o sentido da expressão “nova evangelização”: «A nova evangelização (…) é a coragem de ousar novos caminhos, face às novas condições no seio das quais a Igreja é chamada a viver hoje o anúncio do Evangelho.» Há aqui um corredor de liberdade que não pode ser asfixiado por atitudes “defensivas”. Que haja crises é um sinal positivo de que os equilíbrios não são estáticos mas dinâmicos [desde o século XIX que se conquistou, na cultura ocidental, a compreensão de que o movimento não é exterior ao ser, mas que o devir é o próprio conteúdo do ser]. A «nova evangelização» nega-se a si própria se o Povo de Deus não traduzir na sua própria vida os frutos e as interpelações do Evangelho.
4. Sempre que um cristão ou o Povo de Deus colocar em segundo lugar a pessoa de Jesus Cristo subordinando-a a outras “coisas”, é esse cristão e/ou o Povo de Deus que acabam por ser “evangelizados” até pela consciência crítica dos que não podem acreditar (aqueles a que habitualmente se chama não-crentes ou ateus).
5. Como baptizado que faz parte desta parcela do Povo de Deus que vive em Portugal, entendo ser necessário:
- cuidar da vida de oração
- na liturgia eucarística, os sacerdotes falam de mais; uma certa sobriedade, que não exclui a beleza da expressão litúrgica, educa para a dimensão transcendente do mistério de Deus; quando o sacerdote que preside à celebração eucarística não teve tempo para preparar cuidadosamente a homilia, então cale-se e proponha algum tempo de silêncio meditativo.
- é importante que no espaço eclesial haja uma reflexão metódica sobre as grandes figuras da cultura contemporânea nos seus diferentes domínios. A fé também se alimenta da contemplação das criaturas e as “criaturas” culturais não são menos criaturas que as naturais. Saber ver cura-nos das nossas “cegueiras” involuntárias.
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