Crónica – À Procura da Palavra
P. Vítor Gonçalves
"…será chamado ‘Emanuel’, que quer dizer ‘Deus connosco’”.
(Evangelho de S. Mateus 1, 23 - Domingo IV do Advento, ano A)
O título ficou-me na
memória e a reportagem de domingo passado da revista do Diário de Notícias
também. Por entre os embrulhos natalícios e o que se compra ou se gostaria de
comprar, Diana Cruz, psicóloga clínica e Susana Albuquerque, especialista em
educação financeira, foram respondendo a questões simples e práticas sobre os
“natais embrulhados” que se vivem. Os desejos e as necessidades, especialmente
das crianças, mas no fundo de todos nós, não podem ser exageradamente
satisfeitos nesta onda consumista em que o Natal se pode transformar. “Se uma criança aprende que pode ter tudo,
que a sua vontade não pode ser contrariada e que vale todos os sacrifícios dos
pais ou de quem dela cuida, então temos uma criança que recebe mas não vive e
não valoriza”, dizia Diana Cruz. Curiosamente são o diálogo e a verdade que
se partilha entre pais e filhos as grandes armas para combater o fuzilamento
publicitário a que todos estamos sujeitos.
“Desembrulhar o Natal”
não terá só a ver com presentes, mas com a atenção renovada uns aos outros, a
descobrir como são pequenas coisas que nos fazem felizes, que é bom estarmos
juntos e que por mais bonitos que sejam os papéis que embrulham a vida, o seu
interior é ainda mais belo. É uma experiência interior que o Natal de Jesus nos
propõe. Pode já não ser surpresa este milagre do Filho de Deus nascer menino,
de se terem “esbatido” as fronteiras entre o céu e a terra e até ultrapassadas
as fronteiras entre raças e línguas. Podemos montar os presépios como uma
tradição sem alma, que se repete porque está no calendário. Mas o convite a
encontrar e acolher o “Deus connosco” dentro de nós é permanente. Encontrar
Jesus no meio dos nossos medos e feridas, dos sonhos adormecidos e desta sede
de ser amado não é fácil. Parece inconcebível que Deus venha à nossa vida
embrulhada simplesmente porque nos quer bem, sem dedo apontado aos erros que
teimamos em não esquecer (e se Ele é Deus esquecerá muito menos, não é?).
Continua a ser difícil acreditar que se “Ele está no meio de nós” (não como um
fantasma ou o “homem invisível”) é porque nos quer oferecer a alegria de
estarmos com Ele. Pena é que quando dizemos que alguém “está com Deus”
normalmente estamos a falar de um falecido!
Mais do que passarmos pelo Natal, deixemos que
ele fique em nós. Que o encontro com Jesus possa ir mais fundo, a levar luz ao
que permanece escuro em nós e no mundo. Que ninguém fique às escuras mesmo com
as ruas iluminadas, e todas as realidades humanas saboreiem um pouco deste
divino que nos é oferecido. Que importa não ter tudo quando temos o mais
importante? Que importa ainda não estar tudo bem quando Deus arrisca pisar esta
terra e fazer caminho connosco? Que importam as oportunidades perdidas quando a
melhor oportunidade para amar é esta, que Deus nos dá, agora mesmo?
Desembrulhemo-nos, e façamos Natal!
(in Voz da Verdade 22.12.2013; ilustração reproduzida daqui)
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