Agenda – Livros
“Dentro
da Igreja, na pregação habitual, mantém-se uma desproporção entre o peso que se
dá a alguns problemas como o aborto, e aquele que se dá a questões de justiça
social. Fora da Igreja, há um problema análogo: o estilo de vida contemporâneo
na Europa seria seriamente posto em causa se a justiça económica internacional
fosse tomada a sério.”
A afirmação foi feita há onze anos pelo
teólogo italiano Sergio Bastianel, que esta tarde apresenta em Lisboa duas
obras recentes da sua autoria: Entre
Possibilidades e Limites (na qual tem funções de autoria e coordenação) e Moralidade Pessoal na História (da qual
é autor e uma das suas obras mais importantes) – ambas são edição da Cáritas. A
sessão decorre na Livraria da Universidade Católica (edifício da Biblioteca
João Paulo II), a partir das 17h. (a tempo: sábado, às 10h30, Bastianel faz na Casa Nossa Senhora do Carmo, do Santuário de Fátima, uma conferência sobre os temas dos seus livros).
Bastianel, nascido em 1944, padre
jesuíta desde os 28 anos e professor na Universidade Pontifícia Gregoriana
(Roma), é um dos nomes de topo da teologia moral contemporânea. Numa entrevista
que me deu em Março de 2001, para o Público (que pode ser relida no livro Deus Vem a Público, ed. Pedra Angular),
antecipava já muitas das dificuldades com que hoje estamos confrontados.
Sobre a transmissão da mensagem da
Igreja, dizia: “O problema não é tanto a autoridade, mas a eficácia da
transmissão dos valores. O contexto de crise de valores – com entendimentos
diferentes mesmo do ponto de vista da compreensão – já não é o de há 40 anos,
quando nem todos viviam segundo os princípios, mas estes eram reconhecidos como
tal. O problema é possibilitar que as pessoas entendam as razões da afirmação
de determinado valor. Isto representa um desafio à transmissão ética porque
deve ser a própria pessoa a entender a razão e assumi-la. É aqui que entra a
liberdade. A transmissão de valores não é automaticamente eficaz. Posso fazer
um discurso correcto, mas o interlocutor não o entender. No plano ético, é
importante que o outro entenda.”
A questão do “pecado de Sodoma”, lido
durante séculos como sendo referido à homossexualidade, e o modo como a exegese
bíblica hoje obriga a mudar a análise de alguns textos, levava Bastianel também
a comentar: “A consciência do texto passa através de instrumentos de leitura do
texto antigo. Há a leitura de fé, claro, mas a mensagem real de um determinado
texto supõe a análise literária – incluindo no exemplo de Sodoma. A mudança de
compreensão de um texto pode dizer qualquer coisa diferente, mas não
automaticamente. Na teologia moral cristã, a compreensão nunca depende apenas
da Escritura. Mas pode acontecer que a mudança de compreensão de textos da
Escritura influa no modo de abordar um problema. No texto [referido], fala-se
de um pecado que é o da não hospitalidade, uma transgressão de uma regra
antiquíssima, e muito importante, em Israel. O que não quer dizer que a
homossexualidade seja aprovada. Talvez não resulte de um modo tão primário, tão
forte, a condenação deste comportamento, que não constituiu um problema urgente
no Novo Testamento.”
Acerca da fome e da miséria no mundo,
afirmava Sergio Bastianel: “Há um
imperativo que atravessa toda a tradição da Igreja, ainda que estejamos em
presença de enormes contradições: está ligado ao tema bíblico da terra. A terra
e as possibilidades da existência concreta são dadas à família humana e não aos
indivíduos. O facto de existir miséria significa que há quem não usa
correctamente os bens.”
E as operações de bolsa? “É um jogo de
sorte da parte de quem pode permitir-se fazê-lo; e as pessoas fazem-no,
fazendo-o pagar aos outros. Do que compreendo, é moralmente não legitimável.”
Sem comentários:
Enviar um comentário