Crónicas
Nas duas últimas sextas-feiras, Fernando Calado Rodrigues escreveu, primeiro, sobre as mulheres na Igreja Católica:
Nas duas últimas sextas-feiras, Fernando Calado Rodrigues escreveu, primeiro, sobre as mulheres na Igreja Católica:
Pensemos por exemplo no Colégio de Consultores, que
todas as dioceses são obrigadas a ter e que o bispo é obrigado a consultar em
determinadas decisões e, nas mais importantes, a obter o seu consentimento.
Teremos no futuro nessa e noutras estruturas, agora clericais, a inclusão de
leigos e o contributo da perspetiva feminina?
Corresponder ao desafio do Papa implicará
necessariamente uma conversão profunda das mentalidades. E, sobretudo, uma
mudança na forma atual de governar a Igreja.
(texto completo aqui, na data de 9 de Dezembro)
e, depois, sobre “Um Papa global”:
Apesar de já ter
dito que não se sente confortável nos palcos mediáticos, tem demonstrado uma
facilidade de comunicação e um à vontade extraordinário. Contudo, essa eficácia
não se deve tanto a uma estratégia delineada, nem é fruto de qualquer “media
training” para a presença pública, a que se submetem tantos líderes mundiais: a
sua eficácia comunicativa advém da sua autenticidade e coerência. Diz o que
pensa e age em conformidade. Um grande exemplo, a ser seguido por outras
lideranças eclesiásticas e até políticas.
No domingo, no Público, frei Bento Domingues
escreveu sobre “O advento da
terceira Igreja”. Aqui fica a crónica:
1.
Nasci numa época em que muito do clero português cultivava mais o medo do
pecado do que o amor da virtude. A sua pregação – sobretudo a dos padres da
vinagreira – estava centrada na ameaça do inferno e a confissão oscilava entre
um precário alívio, a tortura e o escrúpulo.
As
insólitas atitudes do Papa Francisco, a forma e o fundo da sua Exortação
Apostólica recusam fazer da fé cristã uma tristeza. Estão a irritar não só a
alta finança, mas também os movimentos que tentam recuperar esse tipo de
práticas religiosas – contra o Vaticano II –, com o auxílio de eclesiásticos
vestidos e calçados a preceito.
Estamos
no Domingo da Alegria, como se todos os Domingos não fossem para celebrar a
Páscoa, a vitória sobre a morte. Não foi por acaso que o Papa sentiu necessidade
de recordar o que esquecemos e está escrito para sempre, em S. João: isto vos
escrevemos para que a vossa alegria seja completa (1) – Evangelii Gaudium.
Estamos
a precisar de uma Igreja que seja uma alegria para o mundo actual. O padre Bill
Grimm sustenta que está a chegar a 3ª Igreja (2). Para ele, a primeira foi o
movimento das discípulas e discípulos de Jesus Cristo, das gerações que se
seguiram e das incursões missionárias, fora do universo judaico. Estava
centrada, essencialmente, no Mediterrâneo. Foi ela que nos legou o Novo
Testamento, os elementos fundamentais do culto cristão e os primeiros exemplos
de diálogo com as religiões, as culturas e as filosofias desse mundo. A segunda
centrou-se na Europa. Foi a Igreja da cristandade, pouco ou nada tolerante para
o que lhe era exterior. O outro era o inimigo ou o objecto de proselitismo. Aí
vivemos, mas estamos a caminho de uma 3ª Igreja, sem centro geográfico e sem
fronteiras de raças, nações e culturas, mundial.
2.
As estatísticas estão a contar a história. Em 1910, 80% dos cristãos do mundo
viviam na Europa e na América do Norte. Hoje, um século mais tarde, a maioria
vive na África, na Ásia e na América Latina. Em apenas cinco anos, entre 2004 e
2009, o número de católicos na Ásia aumentou 11%.
Os
cristãos ocidentais quase não se aperceberam de como o seu cristianismo foi
moldado por tradições religiosas e culturas anteriores à pregação do Evangelho
na Europa. Hoje, são as Igrejas de África, Ásia, América Latina e Pacífico que
estão a ser moldadas por religiões e culturas que os mensageiros do Evangelho
aí encontraram. Isso significa que as ideias de Deus, de adoração, de
santidade, de ministério e comunidade – de tudo o que faz a Igreja – estão, de
forma gradual, a tornar-se diferentes do que tem sido “normal” durante mais de
um milénio e meio.
O
Advento da 3ª Igreja processa-se, no meio de crenças ou descrenças variadas,
com pouco ou sem poder político, social e cultural. Este movimento está a levar
a novos estilos de liturgia, de teologia, de comunidade, de evangelização.
Como
os cristãos da 3ª Igreja, em especial na Ásia, são muitas vezes uma minoria
impotente e perseguida, tendem a ver o papel da Igreja e as suas formas
institucionais a partir de uma perspectiva diferente do Ocidente, onde a Igreja
só há pouco começou a perder o poder político, moral e intelectual.
3.
Perante este fenómeno, são diversas as reacções das pessoas nas Igrejas do
Ocidente. Umas alegram-se por ver o Espírito Santo trabalhar em novas formas,
em novos lugares. Outras, com medo do desconhecido, recusam-se a aceitar novas
experiências, como se o Ocidente fosse feito só de bons exemplos a imitar.
Grande parte da história católica, desde o Vaticano II, pode ser interpretada
como uma série de tentativas para perpetuar o que B. Grimm chamou a 2ª Igreja e
evitar as mudanças que se anunciam com o Advento de uma nova Igreja. Goste-se
ou não, está a nascer outra realidade. Vai levar tempo, mas por fim o
cristianismo será diferente em todo o mundo.
A
tentação conservadora consiste em tornar definitivo o provisório: foi sempre
assim e assim há-de continuar. Como seria bom mudar se tudo ficasse na mesma.
No
entanto, os começos do cristianismo anunciavam uma subversão sem limites
culturais, religiosos, geográficos, sociais e históricos. Paulo fez a
declaração fundadora: Não há judeu nem grego, não há escravo nem livre, não há
homem nem mulher, pois todos vós sois um só em Cristo Jesus (Ga.3, 28). Isto
está atrasado. Houve muitos ziguezagues. Temos a alegria de que a Igreja, na
qual o Papa Francisco está a trabalhar, tem futuro, se não o deixarmos sozinho.
1) Jo 15, 11; 16, 22-24; 1Jo 1, 1-4; 2Jo 12
2) Cf. revista Além-Mar 12.2013, pg 11
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