A Igreja na Cidade como Comum Habitação
por LUÍS SOARES BARBOSA [docente na Universidade do Minho]
"1. Há algum tempo atrás, numa cidade estranha, muito longe de casa, um frio cortante nas ruas desconhecidas, uma igreja onde entrei por acaso. Um pequeno grupo celebra nesse fim de tarde de domingo. Há uma leitura de Marcos. Uma senhora, coordenadora do grupo bíblico, faz um comentário breve. Há ainda um salmo (recordo: pela tua luz veremos a luz), um poema de Milosz. Há, sobretudo, silêncio. Uma enorme contenção de gestos e de sons. No final a partilha do pão e do vinho continua noutro canto da igreja. Uma cafeteira de chá forte e quente, as conversas animam-se. Estava-se na véspera da ocupação do Iraque, nesses meses em que a Europa viveu talvez as maiores manifestações de sempre contra a guerra e o travo amargo da impotência.
Alguma coisa, ao longo dessa hora, acabou por diluir a espessura do quotidiano que transporto e que, tantas vezes, o olhar me tolda. Pensei: se não fossem as igrejas onde nos encontraríamos? Onde, entre estranhos, nos sentiríamos próximos? Onde poderíamos chegar e partir, menos solitários, contudo? Partilhar o correr dos dias, perplexidades e inquietações, até mesmo aquilo que não é útil nem preciso?
Uma casa comum, dispersa e habitada. Onde coexistem, como nas casas da infância, amplas janelas abertas sobre o vento, doce de abóbora na despensa e velhos tiques de primas afastadas. Permitam-me, então, que sublinhe algumas preocupações por esta casa que habitamos. (...)
Continuação: aqui.
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