(Crónica do padre Vítor Gonçalves, que durante alguns anos foi publicada no jornal Voz da Verdade. O Religionline tem muito gosto em publicá-la semanalmente, a partir de agora.)
“Hoje estarás comigo no paraíso.” (Lc 23, 43)
Domingo de Cristo Rei
Ficamos impressionados (e talvez incomodados) com a mega operação de segurança em torno da Cimeira da Nato realizada nestes dias em Lisboa. A vinda de mais de 50 chefes de estado e de governo e as numerosas comitivas obriga a rigorosas medidas de segurança e logística. E se os perigos são reais, também cresce uma sensação de aparato e ostentação que os “senhores deste mundo” persistem em cultivar. As menos de 24 horas de encontros e trabalho real pela segurança do mundo e o seu desenvolvimento irão produzir algo verdadeiramente benéfico? Esperamos que sim, para que não fique destes dias um amargo sabor a vaidade e desperdício!
Prestes a dar o último suspiro, pregado na cruz, Jesus é interpelado, por três vezes, pela mesma frase: “Se és o Messias…, salva-te a ti mesmo.” Repete-se a tentação do deserto. Jesus procurou sempre batalhar contra as ideias erradas acerca da sua “realeza”: não se centra em si mesmo, não age em seu benefício, não usa o poder para dominar nem para criar dependência. A loucura da cruz incomoda, porque quem não procura salvar-se a si mesmo, e sim, salvar todos os que puder, revela um amor que nada pode destruir. Que ninguém pode dominar ou manipular. Estranha realeza esta, que recusa os métodos habituais de conquista das multidões e de senhorio do mundo. A realeza fraca e pobre de um Deus crucificado!
No meio da algazarra e do espectáculo doloroso do calvário, por entre as vozes de zombaria e insulto, Jesus é atraído pelo sofrimento de um dos malfeitores. Sempre quem sofre a ter um lugar único no seu coração! É muito difícil para nós, que vivemos a dor fechando-nos em nós próprios, nesses momentos compreender o sofrimento dos outros. Dor e amor parecem-nos irreconciliáveis. Mas Jesus, no meio da maior dor, mostra o maior amor do mundo. Tinha chamado os discípulos para andarem com Ele, e levava consigo um discípulo nascido no meio do maior sofrimento. Um discípulo sem currículo, com práticas muito reprováveis, mas capaz de se compadecer e de acreditar. Estranho rei que não tem guarda-costas nem exército, mas é defendido pelo mais improvável dos advogados. Aquele que não se fechou na sua dor e fez sua a dor de Jesus. Teve 20 valores na prova prática do mandamento do amor!
Fecha-se a cortina do ano litúrgico e anuncia-se o nascimento de um “Deus despido”. O calvário e Belém tão próximos. A cruz e a manjedoura: únicos tronos deste estranho rei! Escrevia o pastor protestante Bonhoeffer, morto por ordem de Hitler: “Deus deixa-se empurrar para fora do mundo e pregar na cruz. Deus é impotente e fraco no mundo, e assim somente, ele está connosco e nos ajuda…”.
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