sexta-feira, 11 de março de 2011

Inquérito Nova Evangelização (2) - Ana Vicente

Uma Igreja com outra linguagem, na busca de fidelidade à mensagem evangélica

Ana Vicente, 68 anos, investigadora, membro do Movimento Internacional Nós Somos Igreja

Quatro comentários:
A) Estas transformações consistem num desafio à experiência religiosa pois, como é evidente, esta também é marcada por todas as transformações sociais. Mas começo por me interrogar sobre a necessidade de utilizar a palavra NOVA, sempre perigosa porque, parecendo mobilizar energias, rapidamente se torna caduca. Quem não se lembra dos Novos Dicionários do século XIX que jazem nas prateleiras, e de tantos outros Novos, sem esquecer o Estado Novo.

Muito preferia ver a utilização de outra linguagem por parte da Igreja-instituição, numa busca de fidelidade à mensagem evangélica original e simples. Depois não vejo como é possível fazer algo de NOVO com estruturas completamente obsoletas. A Igreja-instituição precisa de se transformar ela própria antes de partir para qualquer horizonte de “nova” evangelização.

Não é possível com uma estrutura altamente hierarquizada, exclusivamente masculina e celibatária, ao nível da tomada de decisão, ou seja ao nível do poder real, crer que os povos, crentes nesta ou naquela expressão religiosa ou agnósticos ou ateus, possam dar ouvidos a um discurso advindo de uma instituição que está tão em contradição com a mensagem de Jesus – inclusiva, universal, de amor, de paz, de respeito pela consciência individual, de misericórdia, de compaixão. Estrutura essa que viveu e continua a viver a tragédia da prática do abuso sexual, físico e psíquico, por parte de sacerdotes (e algumas freiras) e que ainda muito pouco fez para que esses abusos nunca mais possam ocorrer. Estrutura essa que continua a perseguir teólogos e teólogas que “eles” consideram perigosos porque procuram caminhos diferentes. Que continua a desejar que as leis penais civis condenem criminalmente as mulheres que fazem um aborto mas pouco parecem agitar-se com o facto de que, em cada seis segundos, morre uma criança, já nascida, de fome.

B) A secularização é uma das boas notícias do século XX, e como sempre a Igreja-instituição andou a reboque, a protestar, a condenar, até que percebeu que não só não poderia reverter a necessidade absoluta de separação da Igreja e do Estado (de que a secularização é filha), como que esta até lhe poderia ser benéfica.

O que muitos clérigos condenam na secularização significa apenas que agora as populações agora mais cultas e pensantes já não aceitam receitas fáceis e acríticas e não fundamentadas (proibição do uso de contraceptivos por exemplo) emitidas por essas vozes clericais. As marcas de Deus estão cada vez mais presentes no mundo secular – procura intensa da igualdade entre todas as pessoas, igualdade de direitos e de deveres, mulheres, homens, crianças, diferentes orientações sexuais, capacidades, idades, respeito por toda a criação, direitos dos animais, protecção da natureza, paz, ética na política (teria evitado Khadafi no poder durante 40 anos alimentado a nível de armamento pelo ocidente), justiça nacional e internacional (Tribunal Internacional de Justiça); ética na economia e nas finanças, etc., etc.

C) A instituição-Igreja tem estado muito afastada da pessoa de Jesus Cristo, afastada das fontes de espiritualidade, da comunhão universal e individual com Deus e com o próximo. E quem é o meu próximo?

D) A instituição-Igreja, em Portugal, poderia procurar que em cada diocese/paróquia/comunidade houvesse sínodos (já não exclusivamente constituídos por homens ordenados celibatários, que objectivamente excluem não só as mulheres como o Povo de Deus no seu geral, os agnósticos e os ateus, como vai ser o caso em Roma) compostos e dinamizados por quem manifestasse vontade para tal e deixar soprar o Espírito, sem medo. Seriam esses a apontar caminhos de presente e de futuro.

(Foto copiada daqui)

7 comentários:

Anónimo disse...

Não creio que as estruturas do Vaticano aceitem qualquer mudança. Ainda agora vejo um documento que diz assim: os padres para os confessionarisos. Pergunto: alguém sabe o que isso é?
O confessar é coisa que já poucos fazem.

manaucopin disse...

Acordo total reflexão critica da "nova" evangelização. Pôr roupas novas ao velho Constantinismo? Não! É pior a emenda do que o soneto. É urgente valorizar a humanização de Deus, e enterrar e divinização do homem instiucional. Pe M. A. Costa Pinto. manaucopin@gmail.com

João Silveira disse...

Um Padre que é mandatário do Bloco de Esquerda é que nos vem ensinar o que é o cristianismo? Deus nos livre!

António Marujo disse...

Não sei a que padre se refere que seja mandatário do Bloco de Esquerda. Não sabia que as lições de cristianismo estavam reduzidas apenas a mandatários do CDS ou do PSD (quiçá do PS, também?) Que eu saiba, a Igreja sempre disse que é legítima a diversidade de opções políticas dos cristãos...

Miguel Lima disse...

Ó António Marujo, a "doutrina" de esquerda, inclusivamente a do PS, e mesmo a do PSD, estão nas antípodas da Doutrina da Igreja Católica, de Jesus Cristo.., ou considera que a praxis de socialistas como Hitler, Estaline, Lenine, Mao, etc..., ou dos abortistas/eugenistas, é compatível com o mandamento: Não Matarás?
Sei que me pode dizer que à "direita" tamém há malandros, hiócritas, mesmo no seio da Igreja. É verdade, contudo, é comparar um ladrão com um assassino.
Seja como for, doutrinas materialistas que negam o transcendente do Eu Humano e perseguem as pessoas por motivos religiosos, como são todas as de esquerda, não são compatíveis com a Religião!
Esta Ana anda desorientada, o que é compreensível em quem defende a matança dos Inocentes. Que Deus a ilumine.
Uma Santa Páscoa para todos!

Miguel Lima disse...

Não é verdade que a Igreja tenha dito que é legítima a diversidade de opções políticas dos Cristãos, pois não faz sentido alguém dizer-se a favor da Vida e depois defenda o aborto.
Há que saber interpretar o que a Igreja diz e não divagar.
Contudo, é verdade que no seio da Igreja, encontramos muitas moedas de duas caras.., em especial as que militam em partidos de esquerda, ou já esqueceram o que fizeram no pós-25 de Abril e que regimes defendem?

António Marujo disse...

Bom, reparo que este blogue é lido entusiasticamente por um grupo de pessoas que se mobilizou para comentar dois textos muito concretos. Pena que não tenham reparado no texto que entretanto foi publicado, a "carta aberta ao sr. Belmiro de Azevedo", que também tem a ver com o direito à vida. Ou essa vida que tanta gente hoje está proibida de viver não vos interessa?
Para já, publiquei os comentários (com excepção dos anónimos e dos que apenas assinavam com um nome ou dos que teciam considerações injuriosas sobre outras pessoas); reservo-me o direito de, com as outras pessoas que gerem este espaço, eliminar posteriormente algum destes comentários que eventualmente consideremos que entra em alguma destas categorias. E talvez escreva uma resposta mais concreta a alguns destes argumentos. Mas já entendi que estas pessoas só se ouvem a si mesmas. É pena.