A iniciativa e o apelo são mais do que oportunos e pertinentes e, dir-se-ia, não era de esperar outra coisa da parte da Igreja Católica. Tal decorre da mensagem de Cristo e constitui doutrina que percorre já todo o Antigo Testamento, correspondendo a uma cada vez mais reconhecida conquista da civilização.
Esta posição suscita-me, contudo, duas observações.
A primeira decorre do Catecismo da Igreja Católica (artº 2267), que refere nomeadamente que "a doutrina tradicional da Igreja, desde que não haja a mínima dúvida acerca da identidade e da responsabilidade do culpado, não exclui o recurso à pena de morte, se for esta a única solução possível para defender eficazmente vidas humanas de um injusto agressor". É certo que, no mesmo artigo, faz-se notar que, se houver meios não irreversíveis e "mais consentâneos com a dignidade da pessoa humana" não é licita a pena de morte; e admite até que, com os recursos hoje disponíveis, "os casos em que se torna absolutamente necessário suprimir o réu «são já muito raros, se não mesmo praticamente inexistentes». A minha incomodidade, se estou a ver bem as coisas, é que, não se tratando sequer de situações de autodefesa ou de guerra em que se jogue inquestionavelmente um bem maior, a Igreja mantenha estas portas entreabertas e ambíguas que podem sempre ser invocadas para justificar que se tire a vida, incluindo em estados supostamente orientados por valores cristãos.
A segunda observação liga-se directamente à anterior e resume-se nesta pergunta: que justificação e credibilidade pode ter a intransigência praticamente absoluta do magistério da Igreja relativamente à protecção da vida desde a concepção (e toda a doutrina de rigor acerca do aborto) e esta "compreensão" relativamente a situações, mesmo que "raras" em que se pode justificar a pena de morte?
Se estas observações forem justificadas e pertinentes, a conclusão lógica parcer-me-ia esta: ao solicitar aos representantes dos governos de tantas nações que acabem com a pena de morte, Bento XVI deveria ter anunciado também a decisão de rever o disposto no Catecismo da Igreja Católica.