“Noutros tempos já se teriam levantado súplicas ao céu a
implorar a graça da chuva”, escreveu D. António Vitalino Dantas na mais recente nota semanal, citada pela agência Ecclesia, acrescentando que “algumas pessoas ainda falam da
ajuda de São Pedro, mas parece que com pouca convicção”. Aparentemente os crentes “não se fazem ouvir e a maioria da população não acredita na
providência divina, mas somente na previdência de Bruxelas”, assinala D. António.
Salvo melhor opinião, o bispo de Beja está a misturar dois planos que conviria manter autónomos. Que os crentes acreditem na providência para fazer cair a chuva e que actuem em consequência é uma coisa. Que procurem, ao mesmo tempo, os apoios da União Europeia para minorar os efeitos da seca é outra coisa, ainda que eventualmente complementar. Se o prelado manifestasse contentamento por ver que os agricultores não ficaram parados perante a 'estiagem', ainda que lamentasse a falta de devoção a S. Pedro ainda se compreendia. Assim, até parece que ele preferia que eles ficassem a rezar e deixassem a Comissão Europeia sossegada.
Recentemente ouvi um bispo defender, na homilia dominical, citando Luther King, que mais valia gastar 15 ou 20 euros a comprar e ler a Bíblia, do que gastar muitas dezenas ou centenas nos consultórios de psicólogos e psiquiatras (as palavras não são textuais, mas a ideia é fiel). Dois ou três domingos depois, numa igreja da mesma cidade um jovem padre secretário do mesmo hierarca, certamente tocado por ideia tão profunda, voltou a apresentar o exemplo e a explicar o seu alcance.
Salvo o devido respeito, também me parece haver aqui um enviesamente e uma confusão de planos. Que se acredite que faça bem a leitura da Bíblia e que esse bem-estar possa funcionar como prevenção de maleitas do foro mental é uma coisa. Outra bem diferente é tomar isso como receita (médica) que se possa lançar assim, universalmente, 'do altar para baixo'. E pode ser uma falta grave de respeito pela diversidade de situações, muitas das quais aconselham e recomendam mesmo a consulta de profissionais.
São dois exemplos - de vários outros que poderia acrescentar - de uma dificuldade de convivência com a esfera secular e de resquícios de tempos de hegemonia e domínio da esfera do religioso, que se pensava ultrapassado.
Há um ditado popular que, muito antes de se falar em "autonomia das realidades terrestres" (expressão curiosa, esta!), já para ela apontava, ao advertir: "Fia-te na Virgem e não corras!"
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