Como reagir ao que está acontecendo na Igreja, nestes últimos tempos de modo mais manifesto do que antes? Lamentar? Já foi feito. Denunciar? Sim, sempre buscando não ofender a caridade nem nomear o "pecador"! Talvez, trata-se também de fazer desses momentos uma ocasião para viver o Evangelho e para continuar amando a Igreja, mesmo que às vezes se devesse concluir que ela é irreformável por ser impermeável ao Evangelho...(texto italiano: AQUI)
Sabemos que a Igreja não é uma realidade atemporal gerada pelo testamento de um fundador: é uma realidade histórica, é história e faz história. Sabemos também que, no lugar estabelecido pelo direito, pode haver a iniquidade (cf. Eclo 3, 16) e que ainda no grupo dos 12 chamados por Jesus ao seu redor e envolvidos na sua vida, a pedra fundamental tem a tentação de reagir como Satanás, e os 12 são lentos para crer, mas prontos para renegar e até mesmo para trair Jesus! Das palavras de Jesus sabemos também que, no campo, no espaço eclesial, trigo e joio crescem juntos, que a cizânia não deve ser erradicada, mas é preciso esperar, ter paciência e voltar o olhar para aquele que será o fruto da colheita.
Então, por que sofrer? Por que lamentar aquele lamento que foi profético na boca e no coração dos profetas do Antigo Testamento, do próprio Jesus que chorou sobre Jerusalém, de homens da Igreja como Basílio, o grande, ou outros Padres do Oriente e do Ocidente? Nestes anos, observamos a deterioração que ocorria sob os nossos olhos: da calúnia e da crítica feroz atiçadas em um submundo traiçoeiro alimentado por blogs e jornalistas complacente às diversas facções, ao denegrimento de homens e mulheres que tinham o único defeito de serem leais, não aduladores, não buscadores de poder e de apoios nas diversas cúrias eclesiais.
Notamos também que, ao grito de alguns – incluindo o próprio cardeal Ratzinger a partir de pelo menos a Via Sacra celebrada na vigília da morte de João Paulo II – que denunciavam o mal-estar eclesial, o carreirismo, a avidez do dinheiro e do poder, seguia-se logo depois uma série de eventos que forneciam motivação a esses lamentos e a essas denúncias.
E contudo: o que fazer, o que dizer diante de uma Igreja que parece ter perdido, em muitos dos seus responsáveis que carregam o fardo do serviço a todos, a tensão em direção à unidade e à caridade? Se antigamente criávamos ateus com imagens distorcidas de Deus por nós fabricadas e pregadas, hoje eles não são mais significativos, e nos encontramos paralisados pelo espetáculo que oferecemos. Os homens e as mulheres não pertencentes à Igreja se sentem confirmados no seu estranhamento com relação aos que se dizem comprometidos com a nova evangelização, enquanto muitos cristãos vão embora silenciosamente, sem contestação, ou tentam viver a fé "apesar da Igreja", etsi ecclesia non daretur.
Bento XVI, na Mensagem para a Quaresma 2012, exorta a redescobrir a dimensão da correção fraterna como constitutiva da vida cristã. De correção, são necessitados o indivíduo assim como a comunidade cristã no seu conjunto, a ekklesía. E a correção ocorre com palavras e obras, assim como a evangelização, a liturgia, a história da salvação.
A degradação da vida eclesial é, acima de tudo, abandono da escuta da Palavra de Deus, tendo saído da postura salvífica da escuta, na qual se recolhe toda a existência da Igreja e da qual só pode proceder todo ato de palavra seu. Mas o primado da Palavra de Deus é tal não só quando está na base da pregação e da palavra magisterial da Igreja, mas também quando regula e corrige o falar intraeclesial, quando se torna ascese da palavra na Igreja para construir uma comunicação "evangélica" que fuja das duplicidades, das mentiras, das manipulações, das adulações.
A franqueza, a “parrésia”, a transparência e também a partilha da palavra, a dimensão comunitária e colegial da palavra são a resposta eclesial à Palavra de Deus que busca comunhão e a cria convertendo o falar humano a partir do exemplo de Jesus, de quem as pessoas diziam: "Ninguém jamais falou como esse homem" (Jo 7, 46).
De Jesus também se dizia: "Ele fez bem todas as coisas" (Mc 7, 37). A escuta da Palavra de Deus é acompanhada pelo agir bom, verdadeiramente magisterial, de muitos, muitíssimos cristãos anônimos e sem holofotes midiáticos, que são igreja santa de Deus mesmo que escondida como cepa em terra seca. Há os mártires, os cristãos perseguidos, há homens e mulheres que se levantam de manhã para trabalhar, que lutam para pôr filhos no mundo e para mantê-los, há pessoas que cotidianamente se consomem curvando-se sobre os seus irmãos sofredores com amor, há muitos cristãos que sofrem intimamente por sua própria inadequação de serem conformes ao Evangelho, mas todos esses não fazem notícia, ninguém os discerne e os observa, ninguém os ouve...
Além disso, isso já não aconteceu com aquele "judeu marginal" que foi Jesus de Nazaré? Quem se deu conta dele durante a sua vida? Quem se interessou pela sua história tecida só de amor e de serviço fiel aos irmãos? Só poucas dezenas de discípulos no meio de uma multidão que acorria a ele só para ganhar pão e assistir a algum milagre...
O que fazer, então, nessa amarga situação? Escutar novamente a Palavra de Deus, escutar o magistério silencioso dos cristãos cotidianos, e resistir de novo e de novo ao diabo, o divisor, combatendo o bom combate da fé todos os dias, confiando somente em Jesus, o Senhor, e lembrando as palavras do profeta Jeremias: "Maldito o homem que confia no homem" (Jer 17, 5). Resta-nos recomeçar a nossa vida cristã dizendo a nós mesmos: hoje é o primeiro dia de vida cristã que me resta para viver!
domingo, 11 de março de 2012
O que fazer na amarga situação da Igreja?
Sob o título "Maldito o homem que confia no homem", o monge e teólogo italiano Enzo Bianchi, prior e fundador da Comunidade de Bose, publicou um artigo na revista Jesus, de março de 2012, que Moisés Sbardelotto, do Instituto Humanitas Unisinos, traduziu para português. O pano de fundo são os múltiplos e sucessivos "casos" que desde a Cúria romana às mais diversas partes da Igreja Católica, mostram que a Igreja, sendo de fundação divina, é afinal bem humana. Eis o texto.
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