Numa entrevista que acaba de dar à IHU - Revista do Instituto Humanistas da Unisinos, Brasil, Paul Valadier, padre jesuíta e professor emérito de filosofia moral e política, sustenta que a Igreja não deve encorajar as tentações niilistas do nosso tempo, "arrasando nossos contemporâneos com palavras pessimistas, condenações inflexíveis, tampouco referindo-nos insensatamente às nossas sociedades como “culturas de morte”. Se esse diagnóstico catastrófico fosse verdadeiro, o niilismo, que, na realidade, inspira secretamente a expressão “cultura de morte”, teria triunfado. E a esperança evangélica da mecha ainda acesa estaria extinta".
Interrogado, a dado passo, como percebe ele "Mistério da Igreja hoje, a partir de uma leitura de Inácio de Loyola" e "que contribuições ele tem a dar ao mundo de hoje?", Valadier responde nestes termos:
"É justamente por isso que a espiritualidade inaciana encontra sua plena atualidade. Contra o humor moroso de um jansenismo latente e do rigorismo moral – estes tão funestos para a difusão da fé cristã, mas sempre presentes em diversas posições teológicas ou filosóficas, inclusive no ensinamento moral do Magistério romano – essa espiritualidade convida o homem a abrir-se para o desejo de Deus, para si e para o mundo, mobilizando sua afetividade, suas capacidades intelectuais e sua vontade para descobrir o que deve ser feito aqui e agora. Ela defronta cada indivíduo com sua vocação própria e única, mergulhando-o, portanto, na atualidade histórica em que a graça de Deus o chama a ser, em vez de cair no vazio (naquele do pecado), a viver, ou de perecer, conforme a antiga sabedoria bíblica. Aquele que experimentou os Exercícios Espirituais de Santo Inácio descobriu a força e a pertinência de uma espiritualidade que não arrasa nem condena, mas convida a dizer sim à graça de Deus, que chama cada indivíduo, concretamente, a responder da sua maneira singular e única (carisma de cada cristão no Corpo de Cristo, segundo a grande visão de São Paulo).
É, sem dúvida, desse modo que se pode melhor vislumbrar o Mistério da Igreja. Não se trata, aqui, de opor uma Igreja histórica e humana, portanto, pecadora, a uma Igreja santa, invisível e oculta, misteriosa. O ser humano que é chamado à sua divinização, para falarmos como os Padres Gregos, é o homem em suas tentativas e erros, ou mesmo em suas fraquezas, que é solicitado pela graça divina e que responde a ela quando obedece ao seu desejo de viver e de viver bem (de maneira santa), desejo este que está profundamente arraigado nele, pois vem de Deus mesmo. O Mistério da Igreja está justamente no fato de que os pobres homens que somos nós sejam chamados desde já a “serem santos como Deus é santo”. A Igreja é a reunião misteriosa de todos aqueles e de todas aquelas que se deixam animar pelo Espírito de Cristo, que os busca lá onde eles estão, logo, em sua humanidade pecadora, hesitante, medrosa, fechada em si mesma, mas chamada à santidade!
Estruturas eclesiásticas esclerosadas
Todavia, deveria ser óbvio que, mesmo sem ter de conformar-se com o mundo atual, a Igreja não pode anunciar a mensagem da qual é portadora se ela mesma não se deixar marcar pelo Evangelho. Como na época de Inácio, mas de formas diferentes, a Igreja precisa reformar-se, converter-se, abrir-se para o Espírito. Isso é, na verdade, uma banalidade. Mas suas consequências são significativas. Inácio inventou meios para uma transformação da Igreja, fazendo um apelo à missão apostólica de um papado considerado irreformável por outros (Lutero ). Nossa situação não é mais a mesma, mas, como Inácio, convém certamente chamar a Igreja a cumprir a sua própria missão. Esta foi muito significativamente esclarecida e atualizada pelo Concílio Vaticano II .Para ler a entrevista na íntegra, clicar AQUI.
Como anda a abertura às grandes decisões desse Concílio? Os questionamentos sobre mentalidades e estruturas eclesiásticas esclerosadas continua? Não se está presenciando antes uma preocupante restauração, incentivada pelas mais altas autoridades da Igreja? Restauração imposta que, como vemos nos Estados Unidos, ameaça religiosas devotadas que dedicaram uma vida inteira aos outros e são amplamente reconhecidas pela opinião pública . Restauração sorrateira, quando a hierarquia romana incentiva as forças mais tradicionais e fechadas entre os fiéis ou no seio da sociedade.