No domingo passado, no âmbito da sua visita à Croácia, o Papa Bento XVI dedicou a homilia da missa no hipódromo de Zagreb ao tema da família. E ao ler a homilia que proferiu não pode deixar de se ter a sensação de um discurso gasto e distante da realidade, sobretudo da maior parte dos jovens de hoje, em sociedades como as auropeias. Foi um discurso para dentro da Igreja (de facto, o contexto era o da Jornada Nacional das Famílias Católicas Croatas), mas estou em crer que nem no interior da Igreja esse discurso toca as pessoas. Porque é um discurso defensivo e reactivo face a um mundo contaminado pela "crescente desagregação da família".
Dirigindo-se às famílias, salientou o Papa:
"Não cedais a essa mentalidade secularizada que propõe o 'viver juntos' como preparatório, ou mesmo como substituto do matrimónio. Ensinai com o vosso testemunho de vida que é possível amar, como Cristo, sem reservas; que não há que ter medo de se comprometer com outra pessoa".
Mas a condenação desta forma de vida vem acompanhada de juízos generalizantes, segundo os quais a coabitação não passaria de "absolutização de uma liberdade sem compromisso pela verdade" e a entrega a um "ideal de bem-estar individual através do consumo de bens materiais e experiências efémeras, descuidando a qualidade das relações com as pessoas e os valores humanos mais profundos". Mais ainda: estar-se-ia, assim, a reduzir o amor "a uma emoção sentimental e à satisfação de impulsos instintivos, sem esforçar-se por construir vínculos duradouros de pertença recíproca e sem abertura à vida".
Não ignoro que aquilo que o Papa refere corresponde a atitudes e comportamentos de alguns sectores. Mas penso ser de uma grande injustiça para muitos casais que buscam sinceramente o encontro, o interconhecimento e as condições para formas mais estáveis e duradouras de vida em comum. Para mais, no meio de situações sociais de enorme dificuldade, desde logo do ponto de vista económico e social.
O discuso papal poderá ter como referente segmentos de uma classe média e média alta que se pode dar a certos luxos. Mas não terá em conta a generalidade das situações e a seriedade de muitos compromissos e lutas.
E mesmo que correspondesse ao geral das situações, ainda aí me parece muito mais problemático e contraproducente esse apelo às "famílias cristãs" a que combatam estes 'costumes do século' do que o caminho que consistiria em ir ao encontro dos que vivem nas situações condenadas, procurando reconhecer as dificuldades, valorizar o esforço de tantos e apelar aos valores cristãos da generosidade, da solidariedade, da dádiva da vida.
Sublinho: há aqui uma dimensão política que está quase totalmente ausente deste discurso sobre a família. Mas, mais do que isso, há, nas palavras de Bento XVI, uma falta de sensibilidade que só pode meter a pastoral familiar num beco sem saída. Esta é, pelo menos, a minha maneira de ler o discurso do Papa.
Ler a Homilia papal na íntegra: AQUI
1 comentário:
Ao nosso Papa, penso que, embora seja muito inteligente, falta-lhe viver lado a lado com o tempo actual. A Igreja tem de acompanhar mentalidades e não o contrário. Ou corre o risco de uma ruptura com os homens.
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